Intervenção de

Implementação do exercício do direito de voto por meio electrónico - Intervenção de António Filipe na AR

Implementação do exercício do direito de voto por meio electrónico para os eleitores que por motivos de estudo, formação, realização de estágios de âmbito curricular ou profissional, ou por motivos de saúde, ou participação em competições desportivas de carácter regular se encontram deslocados da sua área de recenseamento no dia do acto eleitoral (ALRM)

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados

 

A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira propõe à Assembleia da República que haja um alargamento da possibilidade de cidadãos deslocados do seu local de residência e recenseamento no dia das eleições poderem exercer o direito de voto. Trata-se de uma alteração proposta para a generalidade das leis eleitorais.

Ao contrário das dúvidas suscitadas pelo STAPE, não nos parece inconstitucional que uma assembleia legislativa de uma região autónoma possa propor alterações à generalidade das leis eleitorais, porque não vislumbramos na Constituição qualquer impedimento ao exercício do direito de iniciativa. Quer parecer-nos que o STAPE confunde o exercício de poderes legislativos próprios com o exercício do direito de iniciativa, sendo que, para nós, o direito de iniciativa não é vedado.

Dir-se-á que se cria aqui um desequilíbrio porque, efectivamente, a Assembleia da República não tem poderes de iniciativa legislativa sobre as leis eleitorais para as assembleias legislativas das regiões autónomas e estas têm direito de iniciativa sobre todas as leis eleitorais, mas isso não é ilógico porque, se as eleições para as assembleias legislativas regionais dizem respeito directamente apenas aos cidadãos recenseados nas regiões autónomas, as eleições gerais dizem respeito a todos, quer aos cidadãos do Continente quer aos cidadãos das regiões autónomas. Portanto, não nos parece que seja por aí que esta proposta de lei deva ser objectável mas, sim, do nosso ponto de vista, em razão do conteúdo.

De facto, a preocupação com os cidadãos privados do direito de voto por motivo de deslocação temporária forçada tem vindo a merecer consideração por parte do legislador. Inclusivamente, em várias leis eleitorais tem sido alargado o universo dos cidadãos que podem beneficiar dessa possibilidade através do voto antecipado, que é um voto cujo modo de exercício é rigorosamente regulado por forma a que sejam  espeitados os princípios gerais de direito eleitoral e, portanto, a democraticidade das eleições.

Ora, aquilo que a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira aqui propõe é que haja um alargamento desse direito de votar de uma forma diferenciada - referir-me-ei a seguir ao método proposto - a um conjunto de cidadãos relativamente indeterminado, e que abrange desportistas indiscriminadamente, cidadãos deslocados por motivos de saúde, não explicitando que motivos de saúde sejam esses, quando actualmente apenas o internamento é relevante, os acompanhantes dos cidadãos que invoquem motivos de saúde, não se sabendo que acompanhantes são esses, se são parentes e até que grau. Portanto, há aqui uma indeterminação completa do número de cidadãos que poderia beneficiar desta possibilidade.

O pior está na possibilidade proposta: o voto electrónico, e ponto final. Aí é que a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira está a propor o impossível. Ou seja, não é concebível que as leis eleitorais digam pura e simplesmente «os cidadãos que estão numa determinada situação usam o voto electrónico», não explicitando que voto electrónico é esse, qual é o sistema. É por sms? É pela internet? É presencial?

Como é que funciona? Efectivamente, isso é o essencial! A lei eleitoral não pode cair numa indeterminação tal que se diga que fica consagrado aquilo que manifestamente não é possível consagrar.

Foi feita entre nós, em 2004 e 2005, experimentação do voto electrónico, tendo a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) realizado o acompanhamento dessas experiências. As conclusões que retira é a de que estamos ainda muito longe - e não apenas nós, também a generalidade dos países que têm procurado recorrer ao voto electrónico - de encontrar um sistema que possa ser considerado fiável.

Efectivamente, há um trabalho muito interessante da CNPD que chama a atenção para os problemas não resolvidos e para os riscos de manipulação a vários títulos, que é impossível considerar afastados. E é um risco que não se pode correr, uma vez que se verifica que há uma falta de fiabilidade. Num sistema de voto electrónico corre-se o sério perigo de não ser possível demonstrar a inexistência desses riscos e não é possível, por exemplo, proceder a recontagem, na medida em que não há um rasto físico do exercício do direito de voto.

Portanto, há problemas que não estão de maneira alguma resolvidos, aliás, a própria CNPD refere que há países que já tentaram seguir pelo voto electrónico e que retrocederam, tendo em conta os graves riscos de perversão dos mecanismos eleitorais que podem estar associados a esse mecanismo de voto electrónico.

A proposta da Assembleia Legislativa da Região Autónoma ignora pura e simplesmente estes problemas e nem sequer aponta para um sistema que possa de alguma forma contorná-los e garantir no mínimo alguns dos princípios gerais do nosso direito eleitoral. Limita-se a dizer «voto electrónico, ponto final», e depois alguém que resolva o resto, porque nem sequer propõe que a Assembleia da República resolva; nem sequer isso!

Portanto, pelo seu conteúdo, a presente proposta de lei não pode merecer o nosso voto favorável, aliás, parece-nos um exercício de grande irresponsabilidade do direito de iniciativa legislativa. Isto é, por maior boa vontade que houvesse por parte da Assembleia da República era um acto de grande irresponsabilidade da nossa parte inscrever disposições destas nas leis eleitorais que, depois, permaneceriam absolutamente «incumpríveis».

 

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