Declaração de Jorge Pires, membro da Comissão Política do PCP, Conferência de Imprensa

O impacto das medidas do governo no sector da saúde e a destruição do SNS

Ver vídeo

''

As medidas que nos últimos meses têm vindo a ser implementadas, evidenciam de forma inequívoca que está em marcha um projecto de destruição do Serviço Nacional de Saúde e a progressiva implementação de um sistema nacional de saúde a duas velocidades: um serviço público para os pobres em que seria garantido o acesso aos cuidados e serviços de saúde incluídos no “plano de prestações garantidas” e outro, assente na prestação de cuidados pelo sector privado. Este é o grande objectivo estratégico que a direita prossegue em Portugal desde que foi promulgada a Lei do SNS, objectivo orientado para favorecer uma área de negócio que os grupos financeiros por via dos seguros de saúde e da prestação directa de serviços vão consolidando.

Ao contrário do que tem sido afirmado na estratégia do governo não há nenhuma preocupação com a sustentabilidade financeira do SNS, mas apenas o objectivo de retirar o Estado da prestação de cuidados, deixando espaço à intervenção dos grupos privados, como se pode constatar pela abertura de hospitais privados que continuam a surgir como cogumelos sobretudo nos grandes centros urbanos e no litoral do país.

Uma política de saúde que tivesse como preocupação e objectivo centrais responder às necessidades de resposta de cuidados de saúde à população, exigiria como há muito o PCP reclama, não o favorecimento dos interesses privados, mas sim pôr termo à promiscuidade entre o público e o privado, que levou ao aumento substancial das despesas e ao desperdício, às Parcerias Público Privado responsáveis pelo esbanjamento de milhares de milhões de euros do erário público e às sucessivas alterações no regime jurídico dos hospitais à medida dos interesses dos grupos privados, adoptando uma política de rentabilização dos meios existentes no SNS articulando-os nos vários níveis de cuidados (hospitalares e primários) e interrompendo o progressivo subfinanciamento do SNS.

As sistemáticas referências às dificuldades económicas do País e à “despesa incomportável” com o SNS, com que procuram justificar o desinvestimento público na saúde e os impactos negativos das medidas que vão tomando, visam criar um ambiente hostil contra o SNS e a aceitação por parte dos portugueses da privatização do serviço público de saúde.

É falso que o país tenha níveis de despesa com a saúde excessivos ou incomportáveis. Em 2008 Portugal tinha um gasto público em saúde equivalente a 6,5% do PIB. Só cinco países da UE tinham uma menor percentagem do PIB destinado à despesa pública. Se a comparação for no âmbito da OCDE, então podemos verificar, num estudo recentemente publicado relativo a 2009 comparando a despesa pública per capita em USD Paridades de Poder de Compra que Portugal estava em 22º lugar entre os 34 países e bem abaixo da média.

No mesmo estudo verifica-se que entre 2000 e 2009 Portugal foi o 2º país com menor crescimento de entre todos os países da OCDE, cuja média é mais de duas vezes e meia superior.

Mas se relativamente ao investimento público, Portugal está muito longe de ser dos que mais gasta, já relativamente à despesa das famílias, estas são das que mais pagam directamente do seu bolso. Considerando o valor global da despesa em saúde as famílias portuguesas, de acordo com a última conta satélite publicada, pagam directamente do seu bolso 27,2% (cerca de 1300 euros/ano), enquanto em Espanha as famílias pagam 20,6%.

Os cortes no financiamento público de cerca de 1000 milhões de euros para 2012, depois do corte de 600 milhões de euros em 2011, que vão atingir de forma cega a prestação de cuidadosa a todos os níveis, com particular incidência nos cuidados hospitalares, e as alterações introduzidas nas relações laborais fortemente penalizadoras dos profissionais de saúde que têm causado um significativo mau estar e a saída antecipada para a reforma de centenas de médicos (1300 em dois anos), a que se junta o despedimento de muitos enfermeiros, são responsáveis pela falta de respostas do SNS ao nível da prestação de cuidados e por um recuo muito significativo face a resultados obtidos anteriormente.

Os números não enganam.

Só entre Setembro e Outubro, segundo dados da Administração Central do Sistema de Saúde, foram realizadas menos 26.272 intervenções, menos 87 transplantes até Outubro de 2011, 49% das consultas consideradas mais urgentes foram realizadas fora do prazo legal de 30 dias, o tempo de espera nas urgências em muitos hospitais, ultrapassa com frequência as 9 horas, milhares de doentes não urgentes ficaram sem transporte.

Nesta altura vale tudo, incluindo a mentira, para justificar o desprezo com que o governo trata os utentes do SNS.

Entre as medidas mais gravosas que condicionam o acesso de muitos portugueses aos cuidados de saúde, destaca-se o aumento para o dobro da receita com as taxas ditas moderadoras. A ideia de que podem resolver um problema que tem causas profundas numa rede de Cuidados Primários que não responde às necessidades dos portugueses (mais de 1 milhão não tem médico de família), através do aumento brutal das “taxas moderadoras”, apenas bloqueia a resolução do problema.

A verdade é que se tomarmos como termo de comparação o ano de 1992, em que surgiram as taxas moderadoras para as consultas nos CSP e nos hospitais, bem como nas urgências, o número de atendimentos nas urgências aumentou de 4.608.400 naquele ano, para 6.410.851 em 2010, com um aumento significativo em 2010 que, tudo indica, será devido ao encerramento de serviços de proximidade e ao aumento do número de utentes sem médico de família. Isto confirma a denúncia há muito feita pelo PCP, de que as taxas não têm nenhum objectivo moderador. A existência das taxas transformou-se numa forma de financiamento do SNS, o que é inconstitucional para além de injusto.

Perante a incompreensão e o protesto dos utentes, o governo tem recorrido à mentira para esconder a verdadeira natureza e os impactos da medida.

Para iludir a brutalidade das medidas o Governo quer fazer crer que mais de 7 milhões de portugueses têm isenções. Mas a verdade que esconde dos portugueses é a que de acordo com o documento do ministério da saúde “Estratégias sustentáveis para a maximização dos ganhos em saúde” com data de 6 de Dezembro de 2011, o número dos que têm isenção total mais os que têm isenção em determinadas situações, é menor agora do que com o modelo anterior.

Para confrontar o Ministro da Saúde com estas e outras questões, o Grupo Parlamentar do PCP decidiu requerer a sua presença na Comissão de Saúde, requerimento que será entregue na próxima segunda-feira.

O que está em causa neste momento é a existência do Serviço Nacional de Saúde, tal como está inscrito na Constituição da República Portuguesa. A sua destruição terá impactos dramáticos na saúde dos portugueses, impedirá o acesso de centenas de milhares de portugueses do direito de acesso à prestação de cuidados de saúde, representará um retrocesso civilizacional de muitas dezenas de anos, inclusive com impactos na média da esperança de vida, pelo que está nas mãos dos utentes e dos profissionais de saúde, a responsabilidade e urgência de, com a sua luta, defenderem o direito dos portugueses à saúde. O PCP está e continuará ao seu lado na defesa de uma das mais importantes conquistas de Abril.