Imigrantes, respeito pelos direitos! Não à expulsão!

Debate «Imigrantes Respeito plos Direitos! Não à Expulsão!», em Lisboa

Intervenção de Pedro Guerreiro, deputado do PCP ao Parlamento Europeu

 

 

Realizamos este importante e oportuno debate na sequência da aprovação pelas instituições da União Europeia da denominada «directiva de retorno», isto é, da directiva que visa a expulsão dos imigrantes que se encontram numa situação irregular nos diferentes países que integram a União Europeia.

Um primeiro aspecto que importa salientar é que a adopção desta directiva exigiu a decisão unânime do Conselho da UE - onde estão representados os governos dos Estados-Membros, nomeadamente o Governo português -, pois, no quadro dos tratados em vigor, a política de imigração ao nível comunitário é decidida por unanimidade.
Proposta de directiva que exigiu, igualmente, o apoio da maioria dos deputados do Parlamento Europeu.
Isto significa, relativamente a Portugal, que:
- O Governo PS não rejeitou esta ignóbil directiva no Conselho, onde com o seu veto, poderia ter impedido a sua adopção. Devendo acrescentar-se que tal clarificador voto e responsabilidade política não é nem pode ser branqueada ou escamoteada pelo voto «contra» dos deputados do PS no Parlamento Europeu;
- Que o PSD e o CDS-PP votaram favoravelmente esta directiva no Parlamento Europeu;
- E que, pelo seu lado, o PCP apresentou com o seu Grupo parlamentar Esquerda Unitária Europeia / Esquerda Verde Nórdica uma proposta de rejeição desta directiva no Parlamento Europeu, que teve os votos contra do PSD e do CDS-PP, e, clarificadoramente, igualmente do PS.

O enunciado nesta directiva, sobre - e cito -, as «normas e procedimentos comuns nos Estados-Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular», visa a criação - e volto a citar -, de uma «política eficaz de afastamento e repatriamento, baseada em normas comuns» («regresso, afastamento, recurso a medidas coercivas, detenção e interdições de entrada»), aplicadas «aos nacionais de países terceiros que não preencham ou tenham deixado de preencher as condições de entrada, permanência ou residência» num país que integre a UE.

Como o PCP denunciou, entre outros inaceitáveis aspectos inscritos nesta directiva, prevê-se:
- A possibilidade de detenção (administrativa) de imigrantes, por um período máximo até dezoito meses;
- A detenção de famílias, mesmo com menores;
- A expulsão de menores, sem que estes sejam obrigatoriamente entregues a um membro da sua família ou a um tutor legalmente designado;
- O impedimento da entrada de um imigrante que tenha sido expulso de um países da UE por um período que poderá durar até cinco anos.
Bem pode o Governo PS, que deu o seu acordo a tais propostas, alegar que aplicará, relativamente a algumas das normas mais gravosas, o estabelecido na legislação nacional. No entanto, como o PCP afirmou, o que se exigiria do Governo português é que tivesse utilizado o seu direito de veto no Conselho para rejeitar uma directiva que:
- É violadora dos direitos humanos e que harmoniza no retrocesso;
- Que abre a porta ao condicionamento da política de imigração do País;
- Que ampliará a arbitrariedade quanto a expulsões e agravará as dificuldades e os obstáculos aos reagrupamentos familiares;
- E que está impregnada de uma visão inumana que reduz os imigrantes a uma mão-de-obra barata, desprovida de direitos e descartável.

Se as instituições da UE quisessem promover medidas que fossem efectivamente dirigidas à promoção e salvaguarda dos direitos e dignidade dos imigrantes, que sugiram aos Estados-Membros a ratificação da Convenção sobre a «Protecção dos Direitos de Todos os Migrantes e Membros das Suas Famílias», adoptada pela Assembleia das Nações Unidas, em 1990, aliás, como o PCP, relativamente a Portugal, propôs na Assembleia da República.

No entanto, e pelo contrário, esta directiva, na sua natureza e essência, inscreve-se nas medidas e instrumentos da desumana política de imigração de cariz securitário, selectivo, repressivo e criminalizador dos imigrantes, isto é, numa política de imigração comunitária que persegue e expulsa ou explora e afasta os imigrantes e as suas famílias.

Como tivemos oportunidade de debater no «Encontro do PCP sobre o Impacto das migrações em Portugal - Emigração/Imigração», realizado a 3 de Novembro de 2007, aqui, no CT Vitória, o processo de comunitarização da «justiça e dos assuntos internos», incluindo a política de imigração, foi perspectivado no Tratado de Maastricht, em 1992, e decidido no Tratado de Amesterdão, em 1997.

Após a entrada em vigor do Tratado de Amesterdão, em 1999, foram estabelecidos planos para a sua concretização, primeiro em Tampere - «Agenda de Tampere» -, para o período de 1999 a 2004, depois em Haia - «Programa de Haia» -, para o período 2005 a 2010, tendo sido implementadas diversas medidas no quadro do dito «método de coordenação aberto», nomeadamente quanto às políticas de imigração.

Essas medidas têm sido baseadas numa visão securitária da imigração e de exploração dos imigrantes, uma política

desumanizadora da imigração e dos imigrantes. Alguns exemplos:
- A criação dos ditos «centros de acolhimento temporário», isto é, de centros de detenção para imigrantes, incluindo em países terceiros;
- A denominada «política europeia de retorno», ou seja, o repatriamento e os denominados «acordos de readmissão» - com compensações financeiras -, chegando a inclui-los como cláusulas em acordos de cooperação;
- O estabelecimento de acordos por parte da União Europeia com países terceiros com o objectivo de que estes sirvam de zonas de tampão à entrada de imigrantes;
- O patrulhamento e controlo de fronteiras, com a criação da FRONTEX e das «equipas de intervenção rápida» nas fronteiras dos diferentes países, assim como as propostas de criação de «Patrulhas Europeias», de um «Sistema Europeu de Vigilância» das fronteiras marítimas ou, ainda, de um «sistema automatizado de controlo das entradas e saídas no território da UE»;
- A implementação de perigosos sistemas de informação, de instrumentos de armazenamento e recolha de dados sobre os imigrantes, incluindo dados biométricos no modelo uniforme de autorização de residência para os nacionais de países terceiros;
- A promoção de uma política de «quotas», que se traduziu no agravamento da imigração ilegal e na precariedade laboral destes trabalhadores;
- Ou a proposta de criação do denominado «cartão azul europeu», que introduz diferenciações entre os imigrantes, dividindo-os em «altamente qualificados», «sazonais» ou outras «categorias», em função das opções da agenda neoliberal da «Estratégia de Lisboa» e das necessidades de mão-de-obra dos diferentes países da União Europeia, que visa, acima de tudo, a depredação dos recursos humanos de países terceiros, nomeadamente dos seus trabalhadores mais qualificados, mesmo que «embrulhada» no conceito da denominada «imigração circular».
Medidas onde se alicerça a construção da «Europa fortaleza», que, com a actual proposta de tratado agora denominado «de Lisboa», se pretende que venha a ser uma política comum, o que frontalmente e firmemente rejeitamos!

Com a actual proposta de tratado, que recupera o conteúdo da rejeitada «constituição europeia», áreas centrais da competência de um Estado, nomeadamente as ligadas aos seus «assuntos internos», seriam transferidas para as instituições supranacionais da União Europeia, como por exemplo:
- Como a gestão das fronteiras, os vistos, as condições aplicáveis à circulação de nacionais de países terceiros;
- A política de asilo;
- Ou a política de imigração, de condições de entrada e de residência, de normas relativas à residência de longa duração e de reagrupamento familiar; da definição dos direitos dos nacionais de países terceiros, incluindo as condições que regem a liberdade de circulação e de permanência nos outros Estados-Membros; da imigração clandestina e da residência ilegal, do afastamento e do repatriamento de residentes em situação ilegal, incluindo a celebração de acordos de readmissão com países terceiros; ou do combate ao tráfico de seres humanos.
A ratificação deste tratado significaria que as decisões quanto a estas importantes políticas deixariam de ser tomadas por unanimidade para passarem a ser por maioria, com base num processo de decisão dominado pelas grandes potências da União Europeia.

Reafirmamos a nossa rejeição deste significativo passo federal, que avança na supranacionalização da política de imigração ao nível da União Europeia. A política de imigração é uma competência que deve ser exercida por cada país e pelas suas instituições democráticas, o que, obviamente, não obstaculiza a necessária cooperação neste domínio ao nível da UE.
Rejeitamos a comunitarização da política de imigração, quer porque são profundamente diferentes as realidades existentes em cada país, mas sobretudo pelo real e efectivo conteúdo da política de imigração da União Europeia que agora se pretende que seja «comum» e que, como noutras políticas, se consubstanciaria na harmonização da regressão.
Como temos salientado, não é necessária uma política comum. O que se exige é outra política que, num quadro de cooperação entre os Estados-Membros, promova os direitos dos imigrantes e que combata as causas profundas da imigração.
Num momento em que o povo irlandês rejeitou a proposta deste tratado europeu, o PCP reafirma a sua rejeição da transferência da política de imigração para as instituições supranacionais da UE e o seu combate e luta contra a concepção de uma «Europa fortaleza».

A intervenção do PCP tem sido pautada pela denúncia das actuais orientações e políticas da União Europeia, assim como por propostas no sentido da defesa de uma outra política de imigração. Isto é:
- Pelo fim das políticas securitárias e repressivas que criminalizam os imigrantes, homens e mulheres que aspiram a um trabalho e a uma vida digna;
- Pelo encerramento dos centros de detenção de imigrantes e o fim da desumana política de repatriamento;
- Pelo combate à xenofobia e ao racismo e a todas as políticas que os alimentam;
- Pela regularização dos trabalhadores imigrantes, assegurando os seus direitos laborais, sociais, culturais, cívicos e políticos, condição necessária para o fim de inaceitáveis situações de sobre-exploração;
- Por uma efectiva política de integração, que inclua, nomeadamente, o reagrupamento familiar;
O combate às causas profundas da imigração exige que não se pactue com o escamoteamento das reais causas da pobreza, da fome, da guerra, da ausência de uma perspectiva digna de vida para milhões e milhões de seres humanos - incluindo de muitos e muitos portugueses -, que são a exploração capitalista e a brutal centralização da riqueza.
Desigualdades crescentes que são geradas por políticas neoliberais e militaristas, que estão no cerne da globalização capitalista. Politicas de liberalização e privatização que tem como objectivo promover a concentração da riqueza e da propriedade nos grandes grupos económico-financeiros, procurando instrumentalizar os Estados no sentido da realização dos seus interesses, nem que para tal seja necessário recorrer à ingerência e à guerra.

Isto é, impõe-se uma política que utilize os amplos recursos, meios e avanços cientifico-técnicos da humanidade para a resolução efectiva dos problemas com que se confrontam os povos do Mundo.
Como o PCP tem pugnado, a «dignidade da pessoa humana não pode ser posta em causa impondo-se, por isso, a sua protecção a todos os níveis e reivindicando o reconhecimento dos direitos essenciais de qualquer pessoa, independentemente da sua situação documental».

Portugal, como país de emigração e de imigração, deveria promover, de modo reforçado, uma política de acolhimento e de integração dos imigrantes na sociedade portuguesa marcada pelo respeito dos seus direitos cívicos, sociais e culturais, de apoio à sua integração harmoniosa e de valorização do seu contributo para o desenvolvimento do país.

O PCP renova o seu firme propósito de continuar a bater-se por propostas humanistas de política imigração, sempre definidas em diálogo com as associações representativas de imigrantes, que são inseparáveis do projecto de uma sociedade mais justa e mais fraterna.

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