Intervenção de

Iimposto de solidariedade sobre as grandes fortunas<br />Intervenção de Honório Novo

Sr. Presidente, Srs. Deputados:Sabe-se que a fraude e a evasão fiscais fazem perder ao Estado uma receita fiscal que se estima poder atingir o valor verdadeiramente incomensu-rável de cerca de 10% do PIB. O próprio Ministério das Finanças — o Sr. Deputado Maximiano Martins disse-o, e bem — já admite hoje que a quebra de receitas resultante da economia paralela ou da subdecla-ração de rendimentos possa atingir qualquer coisa entre os 4% e os 7% do PIB. Isto é, há, no mínimo e por estimativas bem modestas, um valor entre 5000 milhões e 9000 milhões de euros de receitas fiscais que em cada ano não entram nos cofres do Estado. Esta quantia dava para resolver o problema do controlo do défice orçamental deste ano e do ano que vem. Por isso, Sr. as e Srs. Deputados, Sr. Presidente, é fundamental um combate eficaz à evasão fiscal. Por isso, todos os anos, sistematicamente, se enunciam propósitos que a realidade vem, depois, desmentir. Por isso, de novo, o Orçamento do Estado para 2006 nos anuncia aumentos de receita fiscal baseados, sobre-tudo e em parte substancial, num acréscimo da eficiência de cobrança cujos resultados concretos ficarão, certamente, muito aquém do enunciado, do necessário e do possível, como se conclui pelas referidas ava-liações do Ministério das Finanças, mas que servem, acima de tudo, finalidades mediáticas. Mas não é apenas por causa da evasão fiscal que existe em Portugal um problema de défice orçamental quase crónico. Sem querermos neste debate enunciar as opções orçamentais e políticas que poderiam e deveriam resolver esse problema — como, por exemplo, o abandono das perspectivas recessivas e a opção pelo apoio e incentivo ao crescimento económico —, a verdade é que também em sede de carga e de cobrança fiscal, designadamente na injustiça fiscal existente, reside muito do que está na base da exi-guidade das receitas fiscais, mesmo no quadro político-orçamental actual, em que, aliás, o Governo insiste no Orçamento para 2006. De facto, a carga fiscal é profundamente injusta e geradora de desigualdades sociais crescentes e inaceitáveis no nosso país. Todos temos consciência deste problema, mas, pelos vis-tos, há muita gente incapaz de ter vontade política para alterar esta situação. O problema não reside, por outro lado, no volume de carga fiscal, que em Portugal é, aliás, em termos absolutos, inferior à média comunitária. Em 2003, por exemplo, a carga fiscal era de cerca de 38% do PIB, contra cerca de 42% na União Europeia e no mesmo ano. A questão da injustiça resulta, sobretudo, do peso diferenciado dos impostos directos e indirectos no volume da carga fiscal. Os impostos directos, que directamente têm a ver com os rendimentos individuais, não chegarão, em 2005, a 38% da carga fiscal. Os impostos indirectos, por seu turno, os impostos mais injustos porque não atendem ao rendimento efectivo dos contribuintes (já que ricos e pobres pagam o mesmo, independentemente das flagrantes diferenças de rendimento), representarão cerca de 62% da carga fiscal no ano que está em curso!… Sr. Presidente, Srs. Deputados: A estrutura fiscal em Portugal é, portanto, profundamente injusta. Em primeiro lugar, porque permite níveis alarmantes de evasão e fraude fiscais. Em segundo lugar, porque impõe níveis inaceitáveis de impostos indirectos, muito superiores ao que se passa na União Europeia. E, no que toca a este ponto, permitam-me salientar, porque também se insiste nesta imposição com o aumen-to da carga dos impostos indirectos no Orçamento para 2006! Em terceiro e último lugar, porque, no que toca aos impostos directos, determina que sejam sobretudo os trabalhadores por conta de outrem e os reformados quem paga cerca de 90% do que é arrecadado, permitindo, por outro lado, que profissões libe-rais, rendimentos empresariais, prediais e incrementos de património contribuam, no conjunto, com apenas cerca de 10% do total da receita. Quando, em termos orçamentais, se coloca — erradamente — no centro do debate político a questão do controlo do défice, é também o debate sobre a injustiça ou a justiça fiscal aquele que se impõe fazer, no sentido de combater a evasão, no sentido de evitar resolver o problema das receitas fiscais à custa, siste-maticamente, dos impostos indirectos (como novamente se pretende fazer no Orçamento para 2006) e, por último, no sentido de introduzir mais justiça na cobrança dos impostos directos, fazendo pagar quem não paga ou paga muito menos do que poderia e deveria. Fazemos, ainda, este debate no sentido de criar novos impostos, socialmente justos e fiscalmente razoáveis e operacionais, que, de forma transitória — para ajudar a resolver, pelo lado das receitas, o problema do défice — ou mesmo definitiva, sejam adopta-dos. É o caso do chamado imposto sobre as grandes fortunas, que já existe, de forma não transitória, mas permanente, em muitos outros países. Deixe-me dizer-lhe, Sr. Deputado Patinha Antão, que este imposto não existe nesses países por qualquer espécie de inércia mas, sim, por opção e vontade políticas. Por inér-cia e falta de vontade política existe em Portugal esta injustiça fiscal absolutamente inaceitável, que, pelos vistos, pela mão do Partido Socialista, vai continuar. Veja-se, por exemplo, o que diz sobre esta matéria o Orçamento do Estado para 2006. O imposto sobre as grandes fortunas, por outro lado, resolve, por si só, o argumento contraditório que se poderia colocar quanto à razoabilidade da sua implementação e da sua operacionalização. Não seremos, nesta matéria, inovadores nem vanguardistas, pois cremos que, quanto à sua razoabilidade social, ela é bem notória e evidente. Evitar-se-ia, assim, o agravamento da sobrecarga fiscal que atinge as classes de mais baixos rendimentos, a generalidade dos trabalhadores por conta de outrem e os reformados, e impe-dir-se-ia o agravamento das enormes desigualdades já existentes entre os 20% que mais têm e os 20% mais pobres do nosso país. É por tudo isso, Sr. as e Srs. Deputados, Sr. Presidente, que o PCP se pronuncia claramente a favor do imposto sobre as grandes fortunas, cuja criação é proposta no projecto de lei n.º 89/X do Bloco de Esquer-da.

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