Intervenção de Paulo Sá na Assembleia de República

"Há uma alternativa! A renegociação da dívida, libertando Portugal das amarras da especulação"

Declaração política a propósito de um manifesto apresentado por individualidades nacionais apelando à renegociação da dívida do País, recordando que o PCP havia apresentado propostas no mesmo sentido

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Há três anos, no dia 5 de abril de 2011, o PCP propôs a renegociação da dívida pública.
«Caiu o Carmo e a Trindade»! De diversos quadrantes — do PS, do PSD e do CDS — levantou-se um coro de protestos. A proposta de PCP era irresponsável e irrealista — diziam — e conduziria ao afundamento da economia e ao empobrecimento dos portugueses. O que era preciso, diziam essas vozes, era assinar o Memorando da troica, um programa que o PCP identificou, desde o primeiro momento, como um programa de agressão contra o povo português e de submissão aos interesses do grande capital nacional e estrangeiro.
Passados três anos, aparecem personalidades de diversos quadrantes políticos, da direita è esquerda — algumas delas com responsabilidades por três anos de pacto de agressão —, a defender que a dívida pública é insustentável, que não pode ser paga e que o único caminho é renegociação de uma parte dessa dívida, tratando apenas da dívida detida pelo BCE e pela troica.
Caso contrário, de acordo com estas personalidades, o cenário para o futuro apresenta-se negro: definhamento da economia, degradação dos serviços públicos, maior precariedade laboral, mais emigração, principalmente de jovens, dificuldades acrescidas para as micro e pequenas empresas.
Todos estes alertas, sobre as consequências da não renegociação da dívida, foram lançados pelo PCP há três anos. Foi preciso que a vida dos portugueses tivesse sido arruinada pela aplicação do pacto de agressão, foi preciso que a economia atravessasse o mais longo período de recessão da história da nossa democracia, foi preciso que a dívida tivesse disparado para quase 130% do PIB para que certos setores da nossa sociedade se convencessem, talvez a contragosto, da justeza das propostas do PCP.
Perante uma tomada de consciência, cada vez mais geral, de que o único caminho que serve os interesses nacionais é o da renegociação da dívida, vem o Governo, pela voz do Primeiro-Ministro, reafirmar a sua opção de continuar a garantir que aqueles que especularam com a dívida pública portuguesa receberão, até ao último cêntimo, o produto da sua agiotagem.
Os leilões de recompra de dívida pública e as emissões de obrigações do tesouro, apresentadas pelo Governo como um grande sucesso da sua política, não resolvem o problema da dívida pública como o Governo pretende fazer crer. Apenas aumentam os encargos com o serviço da dívida, ao mesmo tempo que garantem a continuação da satisfação dos interesses dos credores.
Se há três anos a proposta do PCP de renegociação da dívida tivesse sido acolhida, Portugal não tinha chegado ao ponto a que chegou.
Para não beliscar os interesses dos credores, para lhes garantir mais de 7000 milhões de euros por ano em juros, o Governo cortou salários e pensões, reduziu ou mesmo eliminou prestações sociais, atacou as funções do Estado, em particular as funções sociais, impôs um inqualificável saque fiscal aos rendimentos do trabalho, lançou centenas de milhares de portugueses no desemprego e empurrou outros tantos para a emigração, levou inúmeras micro e pequenas empresas à falência. Enfim, esmagou o País e o povo com a sua política de empobrecimento.
Ao mesmo tempo as maiores fortunas do País cresceram, foram concedidos benefícios fiscais às grandes empresas no valor de milhares de milhões de euros e até prescreveram as contraordenações aplicadas a um certo banqueiro, evitando-lhe o pagamento de um milhão de euros em coimas.
É conhecida a intenção do Governo e dos partidos que o suportam de prolongar a política de empobrecimento para além do fim do programa da troica, tendo contado nesse desiderato com a preciosa colaboração do PS, que com eles aprovou um conjunto de instrumentos, como o tratado orçamental, que visam condicionar e limitar a capacidade dos portugueses optarem e decidirem sobre o seu futuro coletivo, condenando-os ao retrocesso social e económico.
Usando como pretexto a redução da dívida até ao patamar imposto pela União Europeia, o horizonte temporal desta política até já foi definido, com a prestimosa colaboração do Presidente da República. 2035 é a data que Cavaco Silva e todos os defensores da política de empobrecimento gostariam que os portugueses inscrevessem no seu calendário.
Mas a política da troica — com ou sem a troica —, subordinada ao pagamento de uma dívida impagável, não é uma inevitabilidade. Há uma alternativa! A renegociação da dívida, libertando Portugal das amarras da especulação.
Reafirmamos a necessidade de renegociar a dívida pública, nos seus prazos, juros e montantes, assumindo um serviço da dívida, indexado às exportações, compatível com o crescimento económico e com a criação de emprego. Uma renegociação da dívida que diminua a dependência externa, afetando recursos à recuperação do aparelho produtivo para substituir as importações por produção nacional e reforçar a capacidade exportadora do País; uma renegociação da dívida que permita melhorar os salários, pensões e reformas e, em geral, elevar o nível de vida dos trabalhadores e do povo português e uma renegociação da dívida determinada pelos interesses nacionais e não pelos interesses dos credores, que, contrariamente ao que aconteceu na Grécia, não traga atrás de si novos sacrifícios para o povo e novas investidas no saque dos recursos nacionais.
O caminho da renegociação da dívida proposto pelo PCP não está isento de dificuldades e constrangimentos, mas é aquele que melhor defende o interesse nacional, libertando o País e o povo português dos programas de austeridade feitos à medida dos interesses da especulação financeira.
Longe de constituir uma medida isolada, a renegociação da dívida pública proposta pelo PCP é a opção por um caminho que tem na valorização do trabalho e na promoção do emprego, na defesa da produção nacional, na diminuição da dependência externa, no equilíbrio sustentado das contas públicas, na ação convergente com outros países, na diversificação das fontes de financiamento, uma opção de rutura e mudança, uma opção que exige a urgente demissão do Governo e fim das suas políticas de desastre nacional.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Mariana Mortágua,
Obviamente que entendemos que a renegociação da dívida é o único caminho que serve os interesses do País e tem de ser feita. Aliás, há três anos que defendemos este caminho, pois, em 5 de abril de 2011, propusemos a renegociação da dívida e alertámos para os problemas que a não renegociação iria trazer. E, na realidade, esses problemas vieram todos a verificar-se, ou seja, o País afundou-se, a economia afundou-se e os portugueses empobreceram. Contrariamente àquilo que os subscritores do pacto de agressão diziam, a assinatura desse pacto de agressão não visava garantir o pagamento de salários e pensões, visava, pelo contrário, garantir que aquelas pessoas que tinham especulado contra a dívida soberana portuguesa recebessem até ao último cêntimo o produto da sua agiotagem.
A dívida, Sr.ª Deputada, é claramente insustentável. Aliás, o Governo, depois de 20 000 milhões de euros de medidas de austeridade, que esmagaram os portugueses e a economia nacional, apresenta um saldo primário perto dos 0% e estima que, em 2014, será de 0,3%. Estudos diversos mostram que, para que a dívida fosse sustentável, para que pudesse ser paga nos próximos 20 anos, o saldo primário teria de ser superior, em média, a 3,5%. Agora, imagine-se o que significa um saldo primário de 3,5%! Representa um empobrecimento de Portugal inimaginável! Depois da austeridade que tivemos nos últimos anos, que esmagou e empobreceu o País, alcançando o Governo um saldo primário perto dos 0%, imagine-se o que significaria, nos próximos 20 anos, impor saldos primários da ordem dos 3,5%, que é o valor apresentado nos estudos! É um futuro de empobrecimento que aqueles que defendem a manutenção da atual situação e rejeitam a negociação da dívida estão a propor aos portugueses. É um futuro, uma geração de empobrecimento inimaginável, para garantir sempre que aqueles que especularam contra a dívida pública portuguesa possam receber até ao último cêntimo o produto da sua agiotagem.
Por isso, há três anos, defendemos, e continuamos a defender, que o único caminho possível para o País, o único caminho que serve os interesses nacionais é a renegociação da dívida.

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