Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

"O Governo não quer mudar a política; quer fazer a mesma política e, para isso, só podia aliar-se à direita"

Grandes Opções do Plano - Principais Linhas de Acção para 2010-2013 (proposta de lei n.º 8/XI/1.ª)
Orçamento do Estado para 2010 (proposta de lei n.º 9/XI (1.ª)

Sr. Presidente,

Sr. Deputado Paulo Portas,

A minha pergunta dirige-se a um dos assuntos que abordou na sua intervenção, que é a notícia que, hoje, veio publicada de que o Programa de Estabilidade e Crescimento incluirá o congelamento dos salários da Administração Pública até 2013.

Nós sabemos que o Governo, para justificar a diminuição líquida de salário este ano de 2010, tem usado o argumento de que, no cômputo dos dois últimos anos, haverá um ganho líquido. O que se tem de perguntar é como é que o Governo, que faz este raciocínio, está, porventura, a prever congelar os salários da Administração Pública até 2013. O Governo deve responder, aqui e agora, a esta questão e clarificar uma outra que é decisiva - e fez bem em colocá-la - para o futuro da Administração Pública portuguesa: qual vai ser a sua política até 1013?

Ora, o CDS e o PSD, que são partidos que vão viabilizar este Orçamento do Estado e que, quando estiveram no governo, também congelaram os salários da Administração Pública, têm que dizer aqui também se estão de acordo e vão apoiar um Programa de Estabilidade e Crescimento, em conjunto com o Governo e com o PS, que signifique o congelamento dos salários da Administração Pública até 2013.

(...)

Sr. Presidente,

Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares,

Ontem o Sr. Primeiro-Ministro justificou a existência de um congelamento, que significa neste caso uma diminuição líquida do salário dos trabalhadores da Administração Pública por causa dos descontos acrescidos para a ADSE, com o facto de, nos dois últimos anos, ter havido um aumento líquido...

Sim, sim! A base dos descontos para a ADSE é alargada e, portanto, o desconto vai ser maior e o salário líquido mais pequeno, Sr. Ministro das Finanças.

Quando um Primeiro-Ministro utiliza o cômputo de dois anos para justificar o congelamento deste ano, é legítimo perguntar o que vai acontecer nos anos seguintes. Se os senhores querem falar só do ano passado para justificar o ano actual - 2010 -, nós queremos saber se até 2013 vai haver ou não congelamento dos salários da Administração Pública. E essa resposta tem de ser dada aqui, neste Orçamento! É que se os senhores invocam o ano anterior, nós temos o direito de saber o que vai acontecer nos anos seguintes, para avaliar o ano que estamos a discutir e cujo Orçamento vamos votar daqui a pouco.

Responda, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: vai haver, ou não, o congelamento dos salários da Administração Pública até 2013?

(...)

Sr. Presidente,

Srs. Deputados:

É justo dizer, no final deste debate, que a votação que daqui a pouco os partidos vão fazer sobre o Orçamento do Estado para 2010 terá, por uma vez, uma lógica política coerente.

De facto, o PS e o seu Governo, ignorando a mensagem de exigência de mudança da política que os portugueses a todos nos transmitiram, quis persistir no mesmo rumo. Quer manter a mesma política. Nada mais natural, pois, que encontre o apoio para a política de direita nos partidos à direita no Hemiciclo.

PSD e CDS-PP bem tentaram, discurso após discurso, esforçadamente, encontrar pontos de divergência fundamental com a proposta do Governo, sempre passando ao lado das questões estruturantes em que, obviamente, estão de acordo. Mas os discursos esbarram com o voto de apoio e viabilização ao Orçamento que, na Legislatura anterior, a maioria absoluta os dispensava de assumir mas que agora se torna indispensável para que a sua política, que é a mesma do Governo nas questões fundamentais, continue.

Aliás, o Primeiro-Ministro explicou bem a situação ontem, no debate. Disse o Primeiro-Ministro que não foi possível fazer um acordo à esquerda porque, para isso era preciso mudar de política.

Ora, é precisamente essa a questão. O Governo não quer mudar a política; quer fazer a mesma política e, para isso, só podia aliar-se à direita.

Por isso, hoje, haverá lógica política nas votações: quem é da política de direita vai viabilizar o Orçamento que a consagra.

De facto, é grande a coincidência de políticas, naquilo que é estruturante, entre PS, PSD e CDS.

O PSD pediu menos investimento público; o Governo diminuiu, em 100 milhões de euros, o investimento público disponível após cativações. Com a quebra do investimento, com a destruição dos serviços públicos, esta política aumenta o desemprego. E o Governo nem sequer aceita aumentar o acesso ao subsídio de desemprego e já se entendeu com o CDS para reduzir a quase nada a alteração às leis que o regulam.

O PSD e o CDS querem mais privatizações. Os grandes interesses económicos exigem mais privatizações. O Governo corresponde. Ontem, o Ministro das Finanças confirmou que estão em cima da mesa as privatizações já avançadas para anos anteriores, incluindo a REN, a ANA, a TAP, as participações na Galp e EDP, e não excluiu outras privatizações que sejam oportunas, certamente oportunas para o grande capital que as quer embolsar.

PSD e CDS já esqueceram as micro, pequenas e médias empresas. Já lá vão! Aceitaram sistemáticos adiamentos propostos pelo PS e bloquearam a aprovação de alterações, mesmo que fossem mitigadas, como aceitámos discutir, nalgumas das mais graves penalizações destas empresas e vão viabilizar o Orçamento que continua a penalizá-las.

Só que o discurso do sacrifício para todos cai pela base quando olhamos para os resultados da banca em 2009, o tal ano da crise para todos que justificou milhares de milhões de euros de apoios directos e garantias do Estado ao sector bancário.

Sabe-se agora que os quatro maiores bancos privados lucraram, em 2009, 4 milhões de euros por dia, mais de 1445 milhões de euros durante o ano. Foram 4 milhões de euros por dia de lucro para os quatro bancos privados portugueses.

Foram mais 174 milhões de euros em relação a 2008, um aumento de quase 14%. E este era o ano da crise, o que fará quando não se trata de ano de crise!

Esta é a mesma banca que já anuncia que vai aumentar os spreads e, assim, aumentar a extorsão da riqueza sobre as famílias e as empresas que precisam de financiamento bancário.

Já nos benefícios fiscais à banca pouco muda. O Governo fala de um aumento da taxa efectiva mas que é apenas para aplicar a uma parte dos benefícios fiscais, quando o que é preciso é que a taxa de 25%, que se aplica no fundamental às pequenas empresas, não seja uma miragem quando se trata de taxar a banca.

Se há outra matéria ainda em que PS, PSD e CDS estão de acordo é, certamente, na política para a Administração Pública.

O Governo PS continua e agrava a política que já fazia o Governo PSD/CDS. Com esta política, eliminaram-se 73 000 postos de trabalho, na última Legislatura, aumentando, com isso, o desemprego. Com esta política, aumentou-se a discricionariedade e a partidarização da Administração Pública. Com esta política, diminuíram-se os salários, entre 3% e 7%, na última década, e prepara-se agora novo congelamento e diminuição real para o ano de 2010 e para os próximos anos, até 2013.

Há pouco, o Deputado Paulo Portas não foi capaz de dizer se está ou não de acordo com o congelamento dos salários da Administração Pública até 2013. Certamente, o PSD, se perguntado sobre o mesmo tema, fugiria igualmente à questão, tal como, hoje, fez o Governo.

Mas uma coisa temos de concluir: se, hoje, o Governo não desmentir aqui essa notícia, é porque ela é verdadeira. É a política de fazer pagar a crise, ou a correcção do défice, sempre aos mesmos: os trabalhadores, os reformados e a população em geral.

E, nisso, o PS tem contado com o PSD e o CDS. Vamos ver se estarão juntos também na aprovação do Programa de Estabilidade e Crescimento que se adivinha já. Um Programa que visa pôr o défice abaixo de 3%, em 2013, num país com elevados défices sociais e de desenvolvimento, enquanto outros países da União Europeia reservaram para si prazos mais dilatados.

O Governo, nas últimas semanas, procurou vitimizar-se com a questão das finanças regionais. Ontem mesmo, o Primeiro-Ministro quis comparar a ligeira correcção nas transferências para as regiões autónomas com o investimento em Trás-os-Montes. Estou mesmo convencido de que foi a primeira vez que o Primeiro-Ministro falou em Trás-os-Montes neste Parlamento...

Como se a falta de investimento em Trás-os-Montes fosse da responsabilidade de qualquer outra entidade que não seja o Governo!

Este Governo, que penaliza e destrói a agricultura, em especial a agricultura familiar, que encerrou serviços públicos às dezenas naquela região, com destaque para a saúde e para a educação, é que é responsável pela situação que ali se vive.

Vejamos qual é o empenhamento do Governo naquela região. Em 2006, o PIDDAC para os dois distritos daquela região, já descontadas as outras fontes de financiamento nacionais, que, no actual Orçamento, não constam, era de 117 milhões de euros. Na proposta de Orçamento para 2010 esse valor é de 8 milhões de euros - um corte, em cinco anos, de 93%.

É por isso que a intervenção de ontem do Primeiro-Ministro é de um descaramento e de uma hipocrisia totais.

Mas é preciso dizer mais. A confusão populista que o Governo faz entre a população da Madeira e Alberto João Jardim é lamentável e demagógica.

Aliás, todos sabem que este tipo de actuação do Governo, do Primeiro-Ministro José Sócrates e do Ministro das Finanças, é a que mais convém a Alberto João Jardim. A Alberto João Jardim é muito útil, para manter o seu discurso de vitimização perante a República, o espaço que lhe oferece o Governo do PS.

Pode até dizer-se que José Sócrates e Alberto João Jardim utilizam, afinal, armas semelhantes: Alberto João Jardim utiliza o ataque ao Governo da República para se vitimizar na Madeira; José Sócrates utiliza o Governo da Região Autónoma da Madeira para se vitimizar no continente.

O Governo tem usado, no debate político, o que se diz lá fora sobre o nosso País. O Ministro das Finanças até deu uma entrevista à CNN, onde afirmava, em inglês peremptório «se o Parlamento aumenta a despesa, o Ministro das Finanças corta».

O Primeiro-Ministro deu, no passado dia 3, uma entrevista ao jornal Libération. E o que tem o Primeiro-Ministro para mostrar do nosso País e da sua política? Será que mostra um país de justiça social e progresso económico? Nem pensar! O que o Sr. Primeiro-Ministro tem para mostrar é a sua política anti-social. Pergunta-se o Sr. Primeiro-Ministro, nessa entrevista, e a tradução é minha: «O que fizemos nós? Aquilo que muitos outros países não ousaram fazer».

E continua: «introduzimos no cálculo das reformas um factor de sustentabilidade». E explica ainda mais: «quanto mais a esperança de vida aumenta, mais tempo se deverá trabalhar para manter o mesmo nível de pensão». É isto que o Sr. Primeiro-Ministro tem para mostrar sobre a sua política para o País.

Quanto à Administração Pública, afirmou: «na função pública, desde 2005, passámos de 747 000 funcionários para 675 000, ou seja, 10% a menos". Ou seja, dizemos nós, dezenas de milhares de postos de trabalho foram eliminados. Esta é a imagem que o Primeiro-Ministro tem para mostrar do País.

Os tempos estão, hoje, agitados. O descrédito do Governo aumenta e não pode desligar-se do descrédito da sua política. É por isso que precisamos de outra política. De uma política em que os interesses dos grandes grupos económicos e a actuação do Governo não sejam uma e a mesma coisa, de uma política de defesa dos trabalhadores e dos reformados, da economia nacional e da soberania, de uma Administração Pública qualificada e ao serviço de todos, uma política que terá, mais cedo ou mais tarde, de se impor no País, para, finalmente, termos desenvolvimento, progresso e justiça social.

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