Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

Governo entrega 12 mil milhões de euros à banca enquanto rouba nos salários e pensões dos trabalhadores

Ver vídeo

''

Senhora Presidente,
Senhores Deputados,

Ontem o Ministro das Finanças afirmou nesta Assembleia que às medidas restritivas deste orçamento ”não haverá excepções”. O ministro das finanças deve ter-se esquecido certamente que vinha hoje ao parlamento debater a entrega de um montante 12 mil milhões de euros à banca e assim desmentir todo o seu discurso hipócrita da “ética social na austeridade”.

Enquanto se cortam mais de 2000 milhões de euros em salários e reformas; enquanto se aumenta o IVA, incluindo em bens essenciais, em mais de 2000 milhões de euros; ao mesmo tempo que se cortam 1000 milhões de euros na saúde e mais de 1500 milhões de euros na educação, o Governo prepara-se para entregar 12 mil milhões de euros à banca privada em Portugal. E ao mesmo tempo que avança com medidas em relação aos direitos dos trabalhadores, em que só o aumento de meia hora de trabalho por dia significa a transferência de mais de 7 mil milhões de euros para o capital.

Afinal sempre há excepções aos sacrifícios. A banca e os grandes grupos económicos estão sempre isentos, são sempre beneficiados pelos governos e são beneficiados por este Governo.

Estamos perante a mesma lógica política da desastrosa operação BPN, em que se nacionalizaram os prejuízos e se mantiveram os activos e os lucros nos accionistas privados.

Desta vez a banca privada precisa de se recapitalizar. Mas em vez de o fazer por via dos seus accionistas, é o Estado que se endivida para proceder a essa recapitalização. Ano após ano os bancos privados amealham lucros fabulosos, beneficiando de escandalosas taxas efectivas de imposto. Distribuem esses dividendos pelos seus accionistas proporcionando ganhos de centenas de milhões, sempre conveniente sedeados em paraísos fiscais ou afins. Mas chegada a hora de injectar capital, os banqueiros, os accionistas, ficam isentos: o Estado que pague!

Talvez hoje o Ministro das Finanças tenha o pudor de não utilizar a demagógica e mentirosa frase de que os portugueses “têm vivido acima das suas possibilidades”. Os portugueses não têm vivido acima das suas possibilidades; em muitos casos o que têm é vivido abaixo das suas necessidades enquanto a banca aferrolha lucros em cima de lucros.

Foi a banca, não foram os portugueses que fomentaram uma política de generalização do crédito, aproveitando em seu favor a baixa das taxas de juro e ajudando assim à política de contenção e diminuição real dos salários, designadamente na última década. A banca emprestou cada vez mais, financiando-se no estrangeiro a taxas mais baixas e acumulando lucro fácil e rápido. Depois beneficiou desse negócio chorudo que foi o de emprestar dinheiro aos Estados, incluindo o português, financiando-se a 1% no BCE e cobrando 5%, 6%, 7% ou mais aos cofres públicos, ao mesmo tempo que secava o financiamento à nossa economia, designadamente às pequenas empresas.

Não Srs. membros do Governo, os portugueses não vivem na sua maioria acima das suas possibilidades; os bancos e os seus accionistas é que vivem acima e sobretudo em cima dos nossos direitos e das nossas necessidades.

Com o patrocínio do PSD, do CDS e do PS, que nestes momentos também diz sempre “presente”, o que está aqui em causa é uma gigantesca transferência de recursos para o capital financeiro; recursos que são dos povos e que os governos entregam aos bancos. Não pode ser! Quem ficou com os lucros que pague a factura da recapitalização.

É por isso que a Caixa Geral dos Depósitos foi excluída da possibilidade de recorrer a estes fundos. Para não interferir nem beneficiar dessa transferência de capital. Mais, como vai ter também de se recapitalizar (ao que aliás não é alheio o buraco do BPN que teve em parte de assumir), será obrigada a vender alguns dos seus maiores activos, como o sector segurador, que cairão certamente no regaço de algum grupo financeiro nacional ou estrangeiro.

Estes 12 mil milhões de euros seriam bem empregues, isso sim, se fossem aplicados na Caixa Geral de Depósitos, para o apoio à economia e em concreto às micro, pequenas e médias empresas. Se assim fosse, o Ministro das Finanças talvez não tivesse que vir aqui reconhecer o aprofundamento da recessão como ontem fez e provavelmente terá de fazer outras vezes no futuro.

Mas o Governo não quer só entregar os 12 mil milhões. A toque de caixa dos banqueiros quer entregá-los nas melhores condições possíveis, para a banca claro. O que é hoje aqui apresentado é um verdadeiro cheque em branco que o Governo se prepara para obter da Assembleia da República e entregar aos bancos privados.

Já garantiu que o Estado será um accionista passivo, isto é, põe o dinheiro mas não toca na gestão. E entretanto continuam por definir muitas das condições essenciais deste escandaloso negócio: valor de compra e de venda, prazo de saída e outras. E preparam-se certamente soluções no sentido de os bancos pouco ou nada pagarem pelo empréstimo, que por sua vez o Estado paga com língua de palmo ao FMI e à União Europeia. Aliás deve estar em curso um negócio em dois tabuleiros em simultâneo, tendo em conta a carência em que o Governo se colocou relativamente à integração dos fundos de pensões da banca, que se traduzirá certamente num encargo acrescido para a segurança social e eventualmente na perda de direitos dos seus trabalhadores.

Passamos a vida a ouvir dizer que temos de aceitar as condições da troika porque eles é que nos emprestam o dinheiro. Mas agora para entregar milhões à banca quem decide já não é quem empresta mas sim quem recebe: Ricardo Salgado e companhia.

Hoje mesmo foi noticiado que a segurança social está a chamar cerca de um milhão de beneficiários do abono de família e do subsídio social de desemprego para provarem que têm direito a eles. Aí está a ética deste governo: quem é pobre, quem é trabalhador, está sempre sobre suspeita. Para o capital, para a banca e o sector financeiro todas as facilidades para a entrega de 12 mil milhões.

É também por isto que se fará na próxima quinta-feira a Greve Geral. Contra uma política de destruição nacional que agrava as desigualdades. Contra o saque dos recursos nacionais, do dinheiro do povo, da riqueza do país.

  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Trabalhadores
  • Assembleia da República
  • Intervenções