Intervenção de Paulo Sá na Assembleia de República

Governo continua a ofensiva sem paralelo contra o Poder Local Democrático

Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro,

O Governo e a maioria parlamentar que o suporta, com a proposta de lei hoje em discussão, prossegue a sua brutal ofensiva contra o Poder Local Democrático.

Depois da lei da extinção de freguesias, da lei que aprova o estatuto do pessoal dirigente da administração central, regional e local, da lei que aprova o regime jurídico da actividade empresarial local, da lei dos compromissos e dos pagamentos em atraso, do denominado programa de apoio à economia local, o Governo pretende agora alterar o regime jurídico das autarquias locais e aprovar o estatuto das entidades intermunicipais.

Com um cinismo inigualável, o Governo tece louvores às autarquias locais e exalta o seu papel no desenvolvimento económico e social das populações, diz defender a proximidade entre eleitos e eleitores e o aprofundamento da democracia, garante pretender o reforço da autonomia e a melhoria de prestação dos serviços públicos, mas, na realidade, o que pretende mesmo é proceder ao desmantelamento do Poder Local Democrático nascido com o 25 de Abril.

A Constituição da República Portuguesa determina que a organização democrática do Estado compreende a existência de autarquias locais e que estão são as freguesias, os municípios e as regiões administrativas. Em vez de avançar para a criação das regiões administrativas, dotadas de órgãos representativos eleitos por sufrágio directo, com competências reguladas por lei em harmonia com o princípio da descentralização administrativa, dotadas de meios financeiros próprios com base no princípio da justa repartição dos recursos públicos entre as administrações central e local, o Governo opta pela criação de entidades intermunicipais de âmbito territorial autárquico destituídas de competências e meios próprios. Com esta opção o que o Governo pretende é travar a concretização das regiões administrativas; cria umas pseudoregiões para não ter que criar as regiões previstas na Constituição.

A proposta de lei em discussão contém assimetrias bem reveladoras da concepção que o Governo tem do Poder Local. Vejamos, por exemplo, a questão da delegação de competências do Estado e dos municípios nas entidades intermunicipais. Enquanto as competências a delegar pelo Estado não são concretizadas na proposta de lei, limitando-se esta a enunciar os princípios gerais que regem a eventual transferência de competências, no caso dos municípios as competências a delegar nas entidades intermunicipais são descritas em pormenor e abrangem áreas essenciais como o planeamento e gestão da estratégia de desenvolvimento económico e social, a gestão de infraestruturas urbanas ou ainda a organização e funcionamento de serviços municipais. Esta diferença de tratamento revela claramente que a intenção do Governo não é proceder à descentralização administrativa, mas sim esvaziar os municípios das suas mais importantes competências, transferindo-as para entidades intermunicipais. A inclusão da organização e funcionamento de serviços municipais na lista de competências a delegar serve o objectivo de concentração destes serviços, dando-lhes uma dimensão que permita a sua posterior privatização.

Uma outra assimetria na proposta do Governo tem a ver com a questão da denúncia dos contratos de delegação de competências. Pretende o Governo que, no caso de delegação de competências do Estado para os municípios, os órgãos deliberativos municipais não possam, em circunstância alguma, promover a denúncia desses contratos, enquanto o Governo manteria essa faculdade. Tal assimetria entre os direitos das partes é totalmente inaceitável, revelando claramente que, para o Governo, autonomia do poder local significa submissão hierárquica das autarquias ao Governo.

Discordamos profundamente da concepção de descentralização que o Governo incorpora nesta proposta de lei. A descentralização administrativa faz-se para entidades com legitimidade democrática e são estas, no uso pleno da sua autonomia e do direito de livre associação, que decidem delegar as suas competências para terceiros que elas próprias constituam e sobre as quais mantenham uma tutela efectiva.

Esta proposta de lei é mais uma peça no processo de desmantelamento do Poder Local Democrático. O Governo, com anteriores iniciativas legislativas, asfixiou financeiramente os municípios, impôs intoleráveis constrangimentos ao seu normal funcionamento e interferiu de forma grosseira com a sua autonomia. Com a chamada reforma territorial autárquica prepara-se para liquidar cerca de 1200 freguesias e, com a lei hoje em discussão, pretende abrir caminho para o esvaziamento das competências dos municípios.

Esta ofensiva sem paralelo contra o Poder Local Democrático conta com a determinada oposição do PCP. Continuaremos a nossa luta contra esta política e este Governo, ao lado das populações, dos trabalhadores e dos autarcas, em defesa do Poder Local Democrático, uma das mais importantes conquistas do 25 de Abril.

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