Projecto de Lei N.º 49/XII

Fixa em 21,5% a taxa aplicável em sede de IRS às mais-valias mobiliárias

Fixa em 21,5% a taxa aplicável em sede de IRS às mais-valias mobiliárias

(altera o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro)

Exposição de Motivos

1. Até ao ano 2010 pode dizer-se que não houve em Portugal tributação de mais-valias mobiliárias. No entanto, em 2000 até foi aprovada – depois de muitas tentativas - uma reforma fiscal resultante de uma iniciativa legislativa do PCP que, entre outros aspectos, impunha a tributação deste tipo de rendimentos.

Só que, acto contínuo, o Governo de António Guterres recuou de forma inaceitável, cedendo a uma enorme pressão e chantagem organizada a partir de muitas das administrações dos grandes grupos económicos. Uma tremenda reviravolta do Governo do PS da altura fez com que tivessem sido revogadas as normas consensualizadas em 2000 para tributar as mais-valias mobiliárias, independentemente do tempo de posse pelos respectivos titulares. Consequentemente, e até ao ano 2010, isto é, durante mais dez anos, a tributação das mais-valias, em sede de IRS, limitou-se à aplicação de uma taxa quase irrisória de 10%, somente aplicável aos rendimentos obtidos pela alienação de participações sociais detidas por períodos inferiores a um ano.

Perderam-se, assim, muitos e muitos milhões de euros de receitas fiscais que poderiam ter sido recebidas pelo Estado se uma efectiva e global tributação das mais-valias, em sede de IRS, tivesse entrado em vigor em 2000. Ao longo destes dez anos, entretanto, inúmeras iniciativas legislativas do PCP para repor a legislação abandonada no ano 2000 esbarraram no desprezo político de sucessivas maiorias – do PSD/CDS, entre 2002 e 2004, ao PS, a partir de 2005.

Em 2010, depois de duas campanhas eleitorais e uma legislatura a dizer que queria “melhorar a equidade na obtenção de recursos”, mormente com a aproximação “do regime de tributação das mais-valias mobiliárias ao praticado na generalidade dos países da OCDE”, o PS acabou por ceder e avançar com a tributação de todas as mais-valias mobiliárias em sede de IRS, à taxa de 20%, isto é, com o valor normal das taxas especiais e liberatórias previstas no Código do IRS.

No entanto, o Governo e o PS ficaram mais uma vez “a meio do caminho”. Na realidade, o PS aceitou passar a tributar as mais-valias mobiliárias em sede de IRS mas deixou de fora todas as restantes mais-valias mobiliárias, mantendo assim a isenção total, ou a quase plena isenção fiscal, para os rendimentos resultantes de mais-valias mobiliárias obtidas por sujeitos passivos de IRC.

É assim que Fundos de investimento, Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS), Sociedades de Capital de Risco (SCR) e Fundos de Capital de Risco, Fundos de Investimento Imobiliários em recursos florestais e Investidores de Capital de Risco (ICR), e Entidades não Residentes em Território Português, continuam, ainda hoje, quase isentos de tributação sobre as mais-valias realizadas com a alienação de bens mobiliários e participações sociais. Importa recordar que, só na anterior Legislatura, o PS e o Governo rejeitaram, em quatro ocasiões, iniciativas apresentadas pelo PCP em que também se propunha a tributação das mais-valias mobiliárias obtidas em sede de IRC.

2. Entretanto, no âmbito do debate do Orçamento do Estado de 2011, o PCP apresentou uma proposta destinada a passar de 20% para 21,5% a taxa de tributação, em sede de IRS, das mais-valias mobiliárias. Quando neste debate orçamental propôs alterar o nº 4 do artigo 72º do Código do IRS, o PCP pretendia, no fundamental, harmonizar o que até já tinha sido parcialmente feito pelo Governo na própria proposta de lei do Orçamento do Estado para 2011, relativamente ao valor das taxas liberatórias e especiais constantes dos artigos 71.º e 72.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, as quais, na quase totalidade (com a excepção da respeitante às mais-valias mobiliárias), passaram então de 20% para 21,5%.

Na realidade, não se entendia muito bem que tendo o Governo de José Sócrates, ao longo do ano de 2010, ou com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2011, aumentado de 20% para 21,5% as taxas que incidem, entre outros, sobre:

- os rendimentos de juros de depósitos à ordem ou a prazo, incluindo os certificados de depósito;
- os rendimentos de títulos de dívida;
- os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados, incluindo adiantamentos por conta de lucros;
- os rendimentos de valores mobiliários entregues aos respectivos titulares por entidades não residentes;
- os rendimentos do trabalho dependente obtidos por não residentes;
- as pensões recebidas por não residentes;
- os rendimentos de capitais, devidos por entidades não residentes,

não o tenha também feito com o valor da taxa que incide sobre as mais-valias resultantes da alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários, que, por lapso, esquecimento ou qualquer outra razão, se mantinha em 20%.

Essa proposta do PCP mereceu a concordância expressa do então Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que admitiu ser intenção do Governo harmonizar, pelo valor de 21,5%, todas as taxas especiais e liberatórias com valor anterior de 20%. Na altura, o Governo admitiu mesmo que o facto de não constar da Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2011 a alteração do valor da taxa constante do n.º 4 do artigo 72.º do Código do IRS, se deveria apenas a um mero lapso.

Não obstante essa posição do anterior Governo, a proposta do PCP acabou por ser rejeitada com os votos do PSD, do CDS-PP e do próprio PS. O debate ocorrido e o resultado desta votação mostrou claramente ter existido uma imposição do PSD, que terá invocado os termos do “Protocolo de Entendimento ente o Governo e o PSD para aprovar o Orçamento do Estado para 2011” para inviabilizar a proposta do PCP e assim impedir a harmonização da generalidade das taxas especiais.

3. A situação com que o País se continua a confrontar justifica que o PCP reponha agora essa sua proposta. Na realidade, os sucessivos programas de austeridade que atingem de forma particularmente violenta os trabalhadores, o Povo e o País, sejam os que decorrem dos PECs propostos pelo Governo Sócrates e aprovados pelo PSD, sejam os que decorrem do conjunto de medidas integradas no designado Memorando de Entendimento imposto a Portugal pelo FMI e pela União Europeia, e que no essencial constituem o programa do actual Governo, exigem a apresentação de propostas, soluções e recursos alternativos que permitam aliviar a pressão asfixiante com que a austeridade da Troika atinge quem trabalha e menos tem.

Há certamente muitas medidas alternativas que podem permitir introduzir alguma justiça e equidade fiscais no nosso sistema tributário. A elas tem o PCP recorrido para tentar criar condições para aliviar a insustentável carga fiscal que se abate sobre quem trabalha e para minorar os descarados cortes em salários, pensões e prestações sociais com que o actual Governo, numa linha de continuidade do anterior executivo, pretende continuar a atingir o Povo e o País. O PCP não deixará de apresentar – e em muitos caso reapresentar – todas as propostas que visem inverter a lógica da austeridade ditada pelos PECs e pela Troika que pretende que sejam sempre os mais fracos a pagar os custos das crises do sistema financeiro e capitalista para as quais nada contribuíram. Nenhuma solução ou proposta alternativa será assim abandonada ou menorizada pelo PCP neste combate permanente por maior justiça fiscal.

Por isso o PCP apresenta esta iniciativa legislativa que visa passar para 21,5% o valor da taxa aplicável em sede de IRS aos rendimentos resultantes de mais-valias mobiliárias, equiparando e harmonizando o valor da generalidade das taxas liberatórias e especiais previstas no CIRS para rendimentos do mesmo tipo e da mesma natureza.

Trata-se, em suma, de uma proposta com dois objectivos convergentes: permite, com o aumento de 1,5 pontos percentuais no valor da taxa aplicável às mais-valias mobiliárias, a obtenção de uma receita adicional não negligenciável à custa dos rendimentos de capital dos portugueses – certamente dos extractos mais favorecidos e com maiores possibilidades – que sejam portadores de acções e outros produtos comercializados em bolsa e os alienem com rendimento; e permite também que no Código do Imposto sobre os Rendimentos das Pessoas Singulares os valores das taxas liberatórias e especiais aplicáveis sobre rendimentos deste tipo e natureza passem a ficar harmonizados pelo valor comum de 21,5%.

Uma observação final que visa explicar a razão pela qual se propõe que, face às circunstâncias, esta alteração entre em vigor no dia 1 de Janeiro de 2012. Como as mais-valias mobiliárias, tributadas em IRS, foram englobadas no conjunto de rendimentos objecto de incidência da sobretaxa extraordinária recentemente aprovada, e como essa sobretaxa é temporária e só vai ser aplicada em 2011, entende-se que a passagem de 20% para 21,5% no valor da taxa prevista no n.º 4 do artigo 72.º do CIRS só deverá produzir efeitos a partir do início de 2012.

Tendo em conta o exposto, o Grupo Parlamentar do PCP, ao abrigo das disposições regimentais e constitucionais aplicáveis, apresenta o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1.º

Alteração ao Código do Imposto sobre os Rendimentos das Pessoas Singulares

O artigo 72.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, abreviadamente designado por Código do IRS, passa a ter a seguinte redacção:

“Artigo 72.º
[…]

1 – […].

2 – […].

3 – […].

4 – O saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas nas alíneas b), e), f) e g) do nº 1 do artigo 10.º, é tributado à taxa de 21,5%.

5 – […].

6 – […].

7 – […].

8 – […].

9 – […].

10 – […].”

Artigo 2.º

Entrada em vigor

A presente Lei entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 2012.

Assembleia da República, em 31 de Agosto de 2011

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