Projecto de Lei N.º 317/XI

Financiamento dos partidos

Financiamento dos partidos

A aprovação em 2003, em vésperas do aniversário da Revolução de Abril, da lei do financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais e da lei dos partidos políticos, constituiu um gravíssimo ataque à liberdade de organização partidária, questão indissociavelmente ligada à liberdade de orientação política e ideológica. Em clara violação dos princípios constitucionais que enquadram o papel dos partidos políticos no nosso regime democrático, estes diplomas, por vontade de PSD, PS e CDS-PP, romperam com uma prática de consenso na elaboração das leis anteriores, para se tornarem num instrumento de tentativa de imposição do modelo dos seus mentores a todas as restantes organizações partidárias. Tratou-se de moldar o regime legal de forma a procurar atingir o PCP e limitar a sua acção para além de garantir amplas vantagens para si próprios.

Com o acentuar do pendor de financiamento público dos partidos políticos – totalmente ao arrepio aliás da política de sucessivos governos, de retirada ao Estado de importantes sectores económicos e sociais - os autores da lei visaram, por um lado, aumentar exponencialmente os montantes das subvenções a atribuir pelo Estado, e por outro, limitar o financiamento próprio, baseado na actividade política e na militância, como é o caso do PCP. Assim as subvenções estatais aos partidos políticos foram brutalmente aumentadas, quer no financiamento corrente quer no financiamento das campanhas eleitorais.

Por outro lado os limites de despesas eleitorais sofreram igualmente, na lei aprovada em 2003, um brutal aumento, elevando a possibilidade de gastos para níveis indecorosos face às dificuldades que o povo português já na altura atravessava e que agora são ainda mais acentuadas. Estes elevados níveis de gastos eleitorais, que aliás acentuam a desproporção de meios entre as forças políticas, em nada contribuem para o esclarecimento das diversas opções eleitorais ou para a apresentação de propostas alternativas e distorcem a suposta igualdade democrática de candidaturas.

Para além de normas absurdas e inaplicáveis, alguns preceitos da lei do financiamento visavam e visam directamente limitar as actividades e a livre iniciativa própria e a organização do PCP.

É o caso das normas estabelecidas para as iniciativas de angariação de fundos, designadamente aquelas que envolvem a oferta de bens e serviços, como a Festa do Avante!. É absurdo que se imponham à partida limites de financiamento a iniciativas deste tipo, que a priori ninguém sabe que dimensão vão ter e que produto de receita vão gerar. As receitas da Festa do Avante! ou de iniciativas legítimas similares, em nada afectam a transparência do financiamento do partido promotor.

É o caso igualmente da absurda limitação de pequenas receitas em numerário, que a lei limitou ao valor de 50 Salários mínimos nacionais, para um partido durante todo um ano. Trata-se de obrigar por exemplo a que as quotas ou contribuições dos militantes dos partidos fossem, na sua quase totalidade, pagas por cheque ou outro meio bancário, o que é na prática inviável em quotas de baixo montante, como são muitas das quotas dos militantes do PCP, impondo aliás indirectamente uma obrigação de ter conta bancária para se ser militante de um partido o que é manifestamente inconstitucional. Por outro lado, neste limite teriam de caber igualmente as pequenas despesas de pagamento de um café ou de uma sandes na Festa do Avante!, que para impedir a sua ultrapassagem teriam de ser pagas em cheque ou por transferência bancária.

É o caso ainda da norma que penaliza todos os que angariam pelos seus próprios meios contribuições para a campanha eleitoral com a redução da subvenção no montante obtido, distribuindo-se esse valor pelos restantes partidos. É um absurdo que o esforço militante de angariação de receitas próprias possa reverter a favor de outros, partidos do aparelho de Estado, com mais baixos índices de militância e elevada subsídio dependência.

Os que fizeram estas normas absurdas são os que, sob a capa do apego à transparência, desejavam e desejam impedir a realização da Festa do Avante! e limitar a participação militante na angariação de fundos. Fazem vista grossa à promiscuidade dos governos com o poder económico nos grandes negócios, mas acham que não há transparência na possibilidade de um militante pagar a sua quota de 1, 2 ou 5 euros em dinheiro. São esses partidos os que querem transformar os demais partidos em repartições públicas vivendo às custas do Orçamento de Estado.

Uma lei que visa impedir ou condicionar a realização da maior iniciativa político cultural do país e que quer excluir uma legítima concepção de militância partidária não é uma lei transparente nem é uma lei democrática. Uma lei que pretende impedir que haja partidos que preservem a sua autonomia de financiamento face ao Estado e às entidades públicas, não respeita a pluralidade democrática.

As inaceitáveis normas constantes na lei do financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais, foram, ao longo dos últimos anos, agravadas pela forma como a Entidade das Contas então criada, desempenhou as suas funções, impondo regulamentos, concepções e interpretações inaceitáveis, aliás em muitos casos rechaçadas pela própria jurisprudência do Tribunal Constitucional.

O PCP continua a defender e a exigir a transparência em matéria de financiamento partidário. Durante anos foi o PCP que defendeu isolado a proibição de financiamentos por parte de empresas, que finalmente veio a ser acolhida na lei de 1998. Mas as regras de transparência não podem ser confundidas com ingerência na liberdade de organização de cada partido, nem com a proibição do financiamento próprio através da livre actividade política ou da contribuição militante e individual.

O processo legislativo que decorreu em 2009, traduzindo-se na aprovação por unanimidade na Assembleia da República de uma lei, depois vetada pelo Presidente da República, corrigia em parte algumas das questões atrás descritas, embora não alterasse a orientação de fundo da lei, nem alterasse os elevadíssimos montantes de subvenções e limites de despesas eleitorais.
Aberto por outros partidos um novo processo legislativo, o PCP apresenta um projecto de lei que visa alterar as mais graves disposições da lei de 2003, com destaque para a diminuição das subvenções aos partidos e às campanhas eleitorais e dos limites de despesas eleitorais.

Assim, nos termos do disposto na Constituição e no Regimento da Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projecto de Lei:

Artigo único

Os artigos 3º, 5º, 6º, 7º, 8º, 17º, 18º, 20º, 24º, 25º e 28º da Lei 19/2003, de 20 de Junho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 287/2003, de 12 de Novembro, e pela Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro, passam a ter a seguinte redacção:

Artigo 3º
Receitas próprias e financiamento privado
1 – (…)

a) (…)
b) As contribuições de candidatos e representantes eleitos em listas apresentadas por cada partido ou coligações ou por estes apoiadas;
c) (…)
d) (…)
e) Os rendimentos provenientes do seu património designadamente, arrendamentos, alugueres ou aplicações financeiras.
f) (…)
g) (…)
h) (…)

2 – (…)

3 – Sem prejuízo do estabelecido no art. 12º, exceptuam-se do disposto no número anterior, as receitas das alíneas a) e d), do nº 1, incluindo as das realizações que, complementarmente, envolvam a oferta de bens e serviços, por parte do partido organizador, em montantes inferiores a 25% do I.A.S., desde que não ultrapassem anualmente 4.000 I.A.S.

4 – As iniciativas de angariação de fundos devem constar de relação individualizada, da qual constem as receitas e as despesas, e o tipo de actividade, de forma a identificar a origem e o montante do produto obtido.

5 – As receitas referidas na alínea h) são obrigatoriamente tituladas por cheque ou por outro meio bancário que permita a identificação do montante e da sua origem e depositadas em conta bancária autónoma exclusivamente destinada a esse efeito.

6 – (anterior n.º 4)

Artigo 5º
Subvenção pública para financiamento dos partidos políticos
1 – (…)

2 – A subvenção consiste numa quantia em dinheiro equivalente à fracção 1/225 do valor do IAS, por cada voto obtido na mais recente eleição de deputados à Assembleia da República.

3 – (…)

4 – A cada grupo parlamentar, ao deputado único representante de um partido e ao deputado não inscrito em grupo parlamentar da Assembleia da República é atribuída, anualmente, uma subvenção para encargos de assessoria aos deputados e outras despesas de funcionamento correspondente a 48 IAS, acrescida de metade daquele valor, por deputado, a ser paga mensalmente, nos termos do número 5.

5 – As subvenções anteriormente referidas são pagas em duodécimos, por conta de dotações especiais para esse efeito inscritas no Orçamento da Assembleia da República.

6 – (anterior n.º 5)

7 – A fiscalização relativa às subvenções públicas auferidas por grupos parlamentares ou deputado único representante de um partido e ao deputado não inscrito em grupo parlamentar da Assembleia da República, e aos deputados independentes, nas Assembleias Legislativas das regiões autónomas, ou por seu intermédio, para a actividade política e partidária em que participem, cabe ao Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 23º.

Artigo 6º
(Angariação de fundos)

1 – Consideram-se angariação de fundos todas as iniciativas e eventos, incluindo as realizações que, complementarmente, envolvam a oferta de bens e serviços, por parte do partido organizador, ou outras acções que, não lhes sendo vedadas por lei, tenham como finalidade a recolha de fundos para o partido ou para uma sua actividade específica.

2 – O produto das iniciativas de angariação de fundos não pode exceder anualmente, por partido, 4000 IAS, sendo obrigatoriamente registado nos termos do n.º 7 do artigo 12º.

3 – Considera-se produto de angariação de fundos o montante que resulta da diferença entre receitas e despesas em cada actividade de angariação.

4 – As iniciativas que, complementarmente, envolvam a oferta de bens e serviços, devem ser objecto de contas próprias, com registo de receitas e despesas e do respectivo produto, nos termos do número 7 do artigo 12º.

Artigo 7.º
Regime dos donativos singulares
1 – (…)
2 – (…)
3 – (…)

4 – eliminado

Artigo 8.º
Financiamentos proibidos
1 – (…)
2 – (…)
3 – (…)
a) Adquirir bens ou serviços por preços manifestamente inferiores aos valores praticados no mercado;
b) (…)
c) (…)

4 – Os negócios jurídicos celebrados em violação do disposto nos nº.s 1 e 3 são nulos.

Artigo 17.º
Subvenção pública para as campanhas eleitorais
1 – (…)
2 – (…)
3 – (…)

4 – A subvenção é de valor total equivalente a 10 000, 5000 e 1000 IAS, sendo aplicável o 1.º montante às eleições para a Assembleia da República, o 2.º às eleições para a Presidência da República e para o Parlamento Europeu e o 3.º às eleições para as Assembleias Legislativas Regionais.

5 – Nas eleições para as autarquias locais a subvenção é de valor total equivalente a 100% do limite de despesas admitido para o município, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 20.º.

6 – (…)
7 – (…)

Artigo 18.º
Repartição da subvenção

1 – A repartição da subvenção é feita nos seguintes termos: 20% são igualmente distribuídos pelos partidos, coligações e candidatos que preencham os requisitos do n.º 2 do artigo anterior e os restantes 80% são distribuídos na proporção dos votos obtidos.

2 – (…)

3 – Nas eleições para as autarquias locais a repartição da subvenção é feita nos seguintes termos: 25% são igualmente distribuídos pelos partidos, coligações e grupos de cidadãos eleitores que preencham os requisitos do n.º 3 do artigo anterior e os restantes 75% são distribuídos na proporção dos votos obtidos para a assembleia municipal.

4 – A subvenção não pode, em qualquer caso, ultrapassar o valor das despesas orçamentadas e efectivamente realizadas.

5 – Revogado

Artigo 20.º
Limites das despesas de campanha eleitoral
1 – (…)
a) 5000 IAS na campanha eleitoral para Presidente da República, acrescidos de 1500 IAS no caso de concorrer à segunda volta;
b) 30 IAS por cada candidato apresentado na campanha eleitoral para a Assembleia da República;
c) 20 IAS por cada candidato apresentado na campanha eleitoral para as Assembleias Legislativas Regionais
d) 150 IAS por cada candidato apresentado na campanha eleitoral para o Parlamento Europeu.
2 – (…)
a) 450 IAS em Lisboa e Porto;
b) 300 IAS nos municípios com 100 000 ou mais eleitores;
c) 150 IAS nos municípios com mais de 50 000 e menos de 100 000 eleitores;
d) 100 IAS nos municípios com mais de 10 000 e menos de 50 000 eleitores;
e) 50 IAS nos municípios com 10 000 ou menos eleitores.
3 – (…)
4 – (…)
5 – (…)
Artigo 24.º
Entidade das Contas e Financiamentos Políticos

1 – A Entidade das Contas e Financiamentos Políticos é um órgão técnico que funciona junto do Tribunal Constitucional e tem como funções apreciar e emitir pareceres quanto à adequação à presente lei das contas apresentadas pelos partidos políticos e das campanhas eleitorais, de modo a habilitar o Tribunal Constitucional a pronunciar-se sobre a sua regularidade e legalidade, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º.

2 – Eliminado
3 – Eliminado
4 – Eliminado
5 – Eliminado
6 – Eliminado
7 – Eliminado

8 – (novo n.º 2) A lei define o mandato e o estatuto dos membros da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos e estabelece as regras relativamente à sua organização e funcionamento.

Artigo 25º
Composição da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos
(Eliminado)

Artigo 28º
Sanções
1 – (…)
2 – (…)
3 – (…)
4 – (…)
5 – Eliminado.

Assembleia da República, em 17 de Junho de 201

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