Intervenção de Agostinho Lopes na Assembleia de República

A Febre Moralizadora que deu no CDS-PP

Interpelação sobre o sector empresarial do Estado
(interpelação n.º 11/XI/2.ª)

Sr. Presidente,
Sr. Ministro de Estado Teixeira dos Santos,
O Sr. Ministro fez uma estranha declaração sobre privatização e receitas de dividendos. O Sr. Ministro quer dizer-nos que, quando tudo estiver privatizado, o Estado vai ter uma receita máxima de dividendos?!…
Ou essa subida de receita não será por boas razões e será devida aos lucros especulativos da EDP, da REN, da GALP, da PT, transformadas em dividendos, à custa dos consumidores e das empresas portuguesas?!
Sr. Ministro, vou abordar outro assunto que gostaria de lhe colocar. Em Dezembro de 2009, numa interpelação do PCP sobre transparência das contas públicas, coloquei-lhe a seguinte questão: «Caso mais estranho é o do Banco de Portugal. Ao longo da legislatura anterior (…)» — 2005-2009 — «(…), o PCP foi fazendo perguntas, escritas e orais, ao Sr. Ministro de Estado e das Finanças em vão.», sobre os vencimentos no Banco de Portugal. Aliás, o Sr. Ministro achava mesmo, quando eu fazia essa pergunta, que era chicana política. Porém, o Governo evoluiu e agora já aceita, pelo menos, esclarecer-nos sobre essa matéria. E acrescentei: «(…) em Fevereiro de 2007, o Governo e o Ministério das Finanças garantiram que, no quadro da
alteração à Lei Orgânica do Banco de Portugal (…) em conjugação com o novo Estatuto do Gestor Público e com os princípios de bom governo das empresas do sector empresarial do Estado, os salários do governador, dos vice-governadores e dos administradores seriam publicitados anualmente.» Perguntei-lhe, em Dezembro de 2009, por que é que os relatórios do Banco de Portugal de 2007 e de 2008 não continham essa informação.
Pergunto-lhe, hoje, por que razão o relatório do Banco de Portugal de 2009 continua sem essa informação.
E, já agora, Sr. Ministro, pergunto-lhe também o está a fazer o Governo no sentido de que o próximo relatório do Banco de Portugal contenha essa informação, conforme os senhores
determinaram.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Saudaríamos o CDS-PP por esta interpelação se, de facto, se tratasse de combater os erros de gestão das empresas do sector empresarial do Estado, denunciar o despesismo, os desmandos e o escândalo dos vencimentos dos seus gestores, a falta de acompanhamento e empenhamento do Governo nas suas obrigações financeiras e de tutela.
Aliás, em matéria de vencimentos de gestores públicos, diga-se, a crise foi boa conselheira. Saudamos a chegada do CDS-PP à moralização desses vencimentos!
É que podemos perguntar: porque não o fez o CDS-PP, quando foi Governo com o PSD?
Por onde andava o CDS-PP quando o PCP, ao longo da anterior Legislatura, questionou o Governo sobre os vencimentos do Conselho de Administração do Banco de Portugal e mesmo de outras empresas públicas?
Ou quando, em Julho de 2005, apresentamos — e não notámos qualquer entusiasmo do CDS-PP — o projecto de lei n.º 128/X (1.ª), visando controlar os vencimentos dos titulares de cargos públicos, estabelecendo um limite em percentagem do vencimento do Presidente da República. Mas, insisto, sejam bem-vindos!
E, já agora, o CDS-PP poderia também falar da moralização das remunerações dos gestores das empresas privadas do PSI 20, cujos 20 presidentes (CEO) ganharam, em 2009 (ano de crise e recessão no País), 22,6 milhões de euros! Ou de como moderar os lucros dos seus proprietários, cujas fortunas na Bolsa cresceram, em 2010, mesmo com a crise bolsista, 5%!
Não, o CDS-PP avança com a interpelação, na sua cruzada de sempre contra o sector público empresarial!
Mas esta sanha contra o sector público empresarial (não sendo uma questão de feitio ou obsessão) evidencia, hoje, uma estranha miopia do CDS-PP. De facto, com a brutal crise do capitalismo internacional e nacional, «caiu-lhes o céu do neoliberalismo na cabeça» e o CDS-PP ainda não deu por ela…
Então não é que a iniciativa e gestão privadas, a nata das natas da gestão empresarial, a gestão da iniciativa privada, aquela que suportava o risco da aposta empresarial com os seus capitais, afundou bancos e empresas não financeiras, e foi o Estado, foi a banca pública, com garantias, com seguros, com injecção de capital e (ó suprema blasfémia!) com nacionalizações, a salvar aquilo que era «grande demais para falir» e muitas outras empresas de diversa dimensão! E foi o Estado e a banca pública a absorver o «lixo financeiro», dito «tóxico», naturalmente providenciando que os custos fossem transferidos para as costas dos trabalhadores, dos reformados e dos pequenos empresários!
Então acontece tudo isto e o CDS-PP vem verberar a existência do sector público empresarial?!
Nós percebemos esta vontade do CDS-PP de fazer passar a ideologia do capitalismo neoliberal por entre os «pingos da chuva grossa» da crise do sistema capitalista, mas há que ter algum tento no discurso quando os povos estão a ser massacrados pela agiotagem, os roubos, os escândalos, públicos e privados, do grande capital financeiro.
É que a resposta aos dramáticos problemas que Portugal enfrenta não está na liquidação do sector empresarial do Estado, como o PS está diligentemente a fazer, com o apoio do CDS-PP e do PSD, mas em defender o que resta dele, em reconstituir um forte sector público, instrumento
fundamental para fazer sair o País do atoleiro, do pântano, a que mais de 30 anos de políticas de direita, de privatizações e liberalizações o conduziram.
Gostaria de recordar dois casos exemplares.
Sabem os Srs. Deputados por que é que a população da Gralheira, no concelho de Cinfães, boicotou, no Domingo, as eleições presidenciais? Porque três operadores privados não foram capazes de ali instalar as redes de telemóvel (e uma delas era pública). E sabem os Srs. Deputados quem é que, depois do 25 de Abril, levou energia eléctrica a todas as aldeias deste País? Foi a empresa pública EDP, empresa de âmbito nacional, nacionalizada!
As privatizações são as responsáveis pelos problemas que hoje enfrentamos com os elevados preços dos combustíveis, da energia eléctrica, da gasolina, do gasóleo e do gás natural.
A liquidação das empresas do sector empresarial do Estado, fornecedoras de bens e serviços essenciais, arrasta o fim dos objectivos e lógica de serviço público (substituídos por objectivos do lucro privado), nomeadamente a cobertura territorial e o acesso de todos os cidadãos a iguais condições de qualidade e preço!
Não, o caminho não é a liquidação do sector empresarial do Estado; é combater o seu desmantelamento e privatização. É, certamente, combater o despesismo, os desmandos, o supérfluo, assegurando uma gestão pública adequada e conforme o interesse público. É assegurar os investimentos necessários, é travar a liberalização de mercados públicos.
A interpelação do CDS-PP não é contra a política de privatização do Governo PS, contra a liquidação do sector empresarial do Estado. É para forçar, acelerar esse processo, conduzido, suportado pelo PEC e Orçamento do Estado e incluído nas ditas reformas estruturais que a União Europeia quer impor ao País.
O CDS-PP só reforça ideias que estão no centro da propaganda das privatizações há anos. E com as consequências que sabemos: era para pôr fim aos monopólios públicos em favor da concorrência — e temos monopólios privados e menos concorrência; era para melhorar os serviços e baixar os preços e tarifas — e temos piores serviços e preços monopolistas especulativos!
Não, os problemas do País, o mal da economia portuguesa não é o sector empresarial do Estado, como, mais uma vez, o CDS-PP tentou demonstrar!

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