Intervenção de

Exercício das funções de piloto comandante e de co-piloto de aeronaves - Intervenção de Bruno Dias na AR

Apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 322/2007, de 27 de Setembro, que fixa o limite máximo de idade para o exercício de funções dos pilotos comandantes e co-pilotos de aeronaves operadas em serviços de transporte comercial de passageiros, carga ou correio

 

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

Com o Decreto-Lei n.º 322/2007, de 27 de Setembro, o Governo aumentou, de 60 para 65 anos, o limite para o exercício das funções de piloto de linha aérea. Tal como oportunamente o PCP afirmou, estamos perante uma opção injusta e perigosa.

Sabemos que, também nesta matéria, mais uma vez o PS, o PSD e o CDS-PP estão de acordo. A argumentação até agora invocada para justificar esta medida é inaceitável: fala-se na determinação da ICAO (Organização da Aviação Civil Internacional), como se essa determinação não resultasse de um processo de decisão com a participação dos Estados-membros e como se a sua aplicação incondicional e indiscutível fosse nada menos que um dogma.

Aliás, quando nos apresentam esta questão, como se estivéssemos perante um factor de isolamento internacional do nosso país, o Governo pretende ignorar que esta medida não está em vigor em sectores muito vastos do transporte aéreo internacional. Esta medida não foi adoptada em países como a França (que é «só» o terceiro país da União Europeia em volume de actividade) ou como os Estados Unidos da América (país que representa «só» 35% do volume de actividade por horas de voo).

Portanto, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, quanto à pretensa «inevitabilidade» da aplicação desta medida, estamos conversados.

Depois, há-de aparecer o argumento da segurança e da suposta «ausência de riscos» desta decisão.

Recordamos, aliás, que o Sr. Secretário de Estado nos disse que a adopção desta regra «teve subjacente uma análise e conclusões detalhadas acerca dos riscos de acidente nesta faixa etária, critérios médicos, físicos e psicológicos, que, naturalmente - naturalmente! -, permitiram concluir pela não existência de risco acrescido para a segurança de voo».

«Naturalmente», seria esta a conclusão alcançada. Nem outra coisa seria de esperar. Falta apenas que o Governo nos explique se de facto não há nenhum risco acrescido em que um piloto esteja em funções depois dos 60 anos, quais os motivos então para a restrição dessas funções, nomeadamente com o piloto a ter que estar integrado numa tripulação múltipla, sendo obrigatoriamente o único elemento nessa condição e nessa faixa etária.

Ou seja, de acordo com este decreto-lei, um piloto com mais de 60 anos pode trabalhar desde que acompanhado por menores de 60 anos. É a demonstração do risco inerente a esta medida para a segurança do transporte aéreo.

Nesta como noutras matérias, em que o Governo aponta para a «inevitabilidade» de se trabalhar até mais tarde, surge a falsa questão da esperança média de vida. De resto, o Governo invoca estudos que, supostamente, demonstram não existir qualquer diferença entre o risco de acidente em pilotos entre os 60 e os 65 anos e os de outros grupos etários.

O que o Governo não diz é que a esperança média de vida dos pilotos de linha aérea é consideravelmente mais baixa do que se verifica na população em termos gerais. Aliás, os dados apurados pelo SPAC (Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil) indicam que, no caso dos pilotos portugueses, não chegará a 60 anos.

Já tivemos oportunidade de citar o estudo internacional publicado pela fundação de segurança aérea.

Segundo esse estudo, é na faixa etária entre os 55 e os 59 anos que ocorre o maior número de mortes entre os pilotos. Estamos perante uma profissão que apresenta normalmente uma carreira contributiva mais longa e uma esperança média de vida mais curta, com maior desgaste e incidência de riscos de incapacidade física e mental.

Sr. Presidente e Srs. Deputados:

O Grupo Parlamentar do PCP havia apresentado um requerimento ao Governo no sentido de nos ser entregue documentação relativa ao processo negocial sobre esta matéria que, entretanto, foi noticiado na comunicação social.

Já esta semana, o Governo fez-nos chegar um ofício, supostamente respondendo a esse nosso requerimento, que, em meia dúzia de parágrafos, apresenta genéricas considerações sobre o que designa de «entendimento preliminar». Constatamos que esta resposta do Governo corresponde, no essencial, ao comunicado de imprensa que foi emitido há meses. Já a documentação que o PCP requereu, essa fica na gaveta do Ministério.

O que é certo é que o Governo foi obrigado a dialogar com os pilotos, perante a sua mobilização e a sua luta. Ao primeiro dia de greve dos pilotos, com uma adesão de 100%, o Governo rapidamente se dispôs a negociar. Só por si, essa foi uma vitória de quem se dispôs a lutar e de quem recusou conformar-se com as supostas «inevitabilidades» do Governo.

Queremos aqui deixar bem claro que, com esta iniciativa (apreciação parlamentar n.º 55/X), o Grupo Parlamentar do PCP não pretende que a Assembleia da República possa, de alguma forma, impedir a negociação colectiva com os trabalhadores, neste caso com os pilotos.

Pelo contrário! Na verdade, essas «declarações de amor», que às vezes ouvimos do Governo em relação à negociação colectiva, são uma simples manifestação de demagogia e hipocrisia política.

Também neste processo, o Governo seguiu uma linha de «decretar primeiro e negociar depois». E isto, se a luta dos trabalhadores o impuser. Foi, mais uma vez, este o caso.

O Governo apresenta esta medida como uma inevitabilidade face às alterações na segurança social: os pilotos passam a trabalhar (para já) até aos 65 anos, porque o «cidadão comum» terá de trabalhar para além dessa idade.

A resposta do Governo ao requerimento do PCP chega ao ponto de afirmar o «reconhecimento da particularidade de que os pilotos, ao contrário da esmagadora maioria dos portugueses, não podem continuar a exercer a sua profissão depois dos 65 anos».

Só falta o Governo dizer-nos que a esmagadora maioria dos portugueses está condenada a trabalhar mais e a receber pensões de reforma mais baixas.

A questão é que toda a lógica deste processo está errada e é injusta. Em bom rigor, estamos até perante mais do que um problema de aumento da idade de reforma: estamos perante uma política de confisco de pensões aos trabalhadores!

Há uma alternativa a este caminho. Não é este o debate para aprofundar essa referência, mas ela pode e deve ser colocada. O que é preciso é outra política para a segurança social, que o PCP já demonstrou ser possível e para a qual já apresentou propostas concretas: a diversificação das fontes de financiamento, com uma nova forma de contribuição das empresas para a segurança social; o pagamento da dívida do Estado ao regime geral da segurança social; a alteração da fórmula de actualização das pensões, permitindo o aumento real do poder de compra dos pensionistas; ou ainda, tal como o Grupo Parlamentar do PCP apresentou na passada semana, a possibilidade de optar pela fórmula de cálculo da pensão que seja mais favorável para o trabalhador.

Mas perante estas alternativas, no caso concreto deste sector e deste debate, o PS, o PSD e o CDS-PP preferem colocar um piloto de linha aérea com 65 anos a transportar passageiros. E até vão dizer-nos que é esse o melhor caminho, como vamos ver a seguir.

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,

Sr. Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações,

Há um ponto prévio que é necessário colocar, que é o seguinte: nesta fase, no âmbito da lei portuguesa, estamos a tratar da permissão para que os pilotos possam voar a partir dos 60 anos até aos 65 anos, não estamos a tratar das questões do aumento da idade da reforma. Digamos que essa é a «arma escondida» que o Governo prepara e que foi deixando na «sombra», enquanto até agora nada surgiu sobre esta matéria, razão pela qual terão de ser colocadas algumas questões em seu devido tempo. Por alguma razão, o Governo optou por separar as etapas deste processo.

O Sr. Secretário de Estado, o Governo e estes diplomas mencionam a questão dos exames médicos periódicos como garantia do acompanhamento do estado de saúde dos pilotos. O que quero perguntar ao Sr. Secretário de Estado é se é ou não verdade que estes exames médicos já existem para os pilotos a partir dos 40 anos. Portanto, estamos ou não perante uma falsa questão quando se fala do acompanhamento médico especial aos pilotos a partir dos 60 anos, uma vez que esse acompanhamento se faz não a partir dos 60 anos, mas a partir dos 40 anos? Parece que se impõe aqui alguma clarificação.

Depois, fala-se em esperança média de vida e em melhores cuidados de saúde, matéria relativamente à qual o Sr. Secretário de Estado disse que o Governo possui uma quantidade enorme de estudos. De facto, há certos e determinados estudos que o Governo tem, mas não mencionou, por exemplo, o estudo da Flight Safety Foundation, publicado na Flight Safety Digest, que aponta, a propósito das causas da perda de licença de voo por doença, em primeiro lugar, as doenças do foro cardiovascular, em segundo lugar, as doenças do foro neurológico, em terceiro lugar, as doenças do foro oncológico e, em quarto lugar, as doenças do foro psiquiátrico. Fica, portanto, por saber se estamos ou não perante factores de risco associados ao exercício de funções nesta profissão, em condições particularmente expostas e melindrosas para o transporte aéreo e para a segurança das pessoas.

A questão da segurança da decisão é um aspecto central, Sr. Secretário de Estado, porque é muito diferente dizermos que não sabemos se há risco ou não ou dizermos que não há qualquer risco. Ora, o que é referido no Decreto-Lei é que não há risco acrescido com esta decisão, e isso não está demostrado, pois o ónus da demonstração da ausência de risco que o Governo invoca não está a ser cumprido.

Termino, Sr. Presidente, perguntando ao Sr. Secretário de Estado se é ou não verdade que a esperança média de vida dos pilotos de linha aérea é apontada como inferior a 65 anos nos tais estudos de que o Governo tem conhecimento.

Já agora, quando se tratar do aumento da idade da reforma e das decisões que o Governo prepara nesta matéria, a propósito da disponibilidade para ouvir, reflectir e decidir que o Sr. Secretário de Estado referiu, vai ou não trazer essa matéria à Assembleia da República para que, também em consulta pública e em debate parlamentar, essas matérias possam ser aclaradas?

 

 

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