"Exaltante desafio socialista"

Entrevista ao "Avante!" de José Capucho, Membro do Secretariado do CC, sobre a visita de uma delegação de estudo do PCP a Cuba

Dirigiste uma delegação de estudo do PCP a Cuba. Qual foi o objectivo da visita?

Realizou-se no quadro das tradicionais relações fraternais entre o PCP e o PCC, e na sequência da delegação política que se deslocou a Cuba, no início de 2014, dirigida pelo camarada Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do Partido, e do seu encontro com o camarada Raúl Castro, primeiro-secretário do Comité Central do PCC e presidente do Conselho de Estado e de Ministros. A nossa delegação foi constituída, para além de mim, pelos camaradas Luís Fernandes, do Comité Central do PCP, e Luís Carapinha, da Secção Internacional.

Esta deslocação serviu para aprofundar o conhecimento sobre a actual etapa da Revolução Cubana nos seus variados aspectos, nomeadamente no plano económico e social, bem como sobre o papel do Partido, dos trabalhadores, da juventude e das massas na concretização das conclusões do VI Congresso do PCC, realizado em 2011, e da 1.ª Conferência do Partido Comunista de Cuba, que decorreu em 2012, entre outros temas que tivemos oportunidade de abordar.

Foram-nos proporcionados uma amplitude e variedade de reuniões e encontros, entre os quais a visita a uma cooperativa na área da restauração, em Havana, a reunião com o Comité Provincial do PCC de Cienfuegos; contactos sobre o programa de instalação energético e visita a uma estação de energia fotovoltaica, assim como à refinaria «Camilo Cienfuegos», onde reunimos com a administração, a organização do PCC, os trabalhadores e o sindicato na empresa. Reunimos ainda com dirigentes da União da Juventude Comunista de Cuba (UJC) da Província de Cienfuegos, com o Ministério das Relações Exteriores de Cuba, com o Instituto Cubano de Amizade com os Povos (ICAP) e com a Central dos Trabalhadores de Cuba (CTC).

Foi igualmente possível reunir e contactar com dirigentes do PCC, nomeadamente no Departamento de Relações Internacionais com o camarada Oscar Martinez, com o Departamento Económico do Comité Central do PCC, e, com particular destaque, com o comandante José Ramón Balaguer, membro do Secretariado do Comité Central do PCC e responsável do Departamento de Relações Internacionais.

Com este rico programa de trabalho, aprofundámos o nosso conhecimento sobre a actual etapa da Revolução Cubana e obtivemos um quadro mais completo da situação, das perspectivas, das responsabilidades e desafios que se colocam ao Partido, aos trabalhadores, ao povo e à juventude.

O PCC está empenhado no processo de actualização do modelo socialista cubano. Quais os principais desafios que se colocam à implementação das decisões tomadas no VI Congresso do PCC e na 1.ª Conferência Nacional?

Este é um processo de grande complexidade. Não menos complexo e exigente do que foram outros momentos da heróica luta do povo cubano pela independência, a revolução e o Socialismo. Desafios que têm por objectivo defender a Revolução e garantir o futuro socialista da «ilha da liberdade».

O actual processo está em curso com base nas conclusões e decisões do VI Congresso e da 1.ª Conferência do PCC, o qual foi, na sua preparação, fruto de um amplo e participado debate popular. Debate que deu às conclusões do Congresso e da Conferência a expressão da vontade do povo, das suas organizações e movimentos. Conclusões que foram posteriormente adoptadas pela Assembleia Nacional do Poder Popular. E é assim que, como afirmam, terá de continuar, com um forte e determinante papel do Partido e com uma ampla e empenhada participação dos trabalhadores e das massas populares.

Os principais desafios que se colocam hoje à Revolução Cubana estão no plano económico e social.

No plano económico estabelece-se como objectivo conseguir o aumento da produção e da produtividade, mantendo todos os sectores estratégicos na posse do Estado para assegurar o desenvolvimento industrial independente do país; e na agricultura atingir o objectivo da soberania alimentar, estimulando-se a distribuição de terras públicas a diferentes formas de exploração em regime de arrendamento.

Os camaradas apontam como fundamental para o avanço em direcção ao objectivo anunciado – «um socialismo próspero e sustentável» – as novas leis do investimento estrangeiro e da empresa socialista (que está em elaboração e visa o seu fortalecimento como elemento fundamental da economia), assim como a conclusão da unificação monetária (em preparação).

Estão também já em aplicação os novos códigos fiscal e laboral, os quais, antes de aprovados, tal como todas as leis, são amplamente discutidos com o povo. Por exemplo, o Código Laboral foi discutido com os trabalhadores nos locais de trabalho, contou com milhares de propostas e sofreu centenas de alterações antes de ser aprovado na Assembleia Nacional do Poder Popular.

Os serviços de Saúde e de Educação são e vão continuar a ser gratuitos para todos os cubanos. Sendo que 70 por cento do investimento do Estado é para a Saúde, Educação, Cultura, Desporto, em suma, para as funções sociais do Estado.

Já muito se falou em Portugal, de forma especulativa e procurando denegrir a Revolução Cubana, sobre a redução dos trabalhadores do Estado. É verdade que é apontado o objectivo da redução do número de trabalhadores no sector público, mas estes não ficam desempregados. Até agora mais de 470 mil destes trabalhadores, por sua vontade, mantiveram a actividade que já desenvolviam, mas organizados em cooperativas, ou a trabalhar por conta própria. Quase todos nos sectores da restauração, transportes (táxis), construção e outras áreas de serviços.

Todo este processo de implementação das decisões do VI Congresso e da 1.ª Conferência do PCC afirmou a condução da economia numa base planificada, a Empresa Estatal Socialista como principal elemento da sociedade, mas coexistindo com outras formas de propriedade, como as cooperativas e a pequena empresa, ou o trabalho por conta própria.

As experiências em curso são testes prévios à sua eventual generalização. Tanto mais que foi criada uma Comissão Permanente para implementar as directivas no plano da economia, sob a responsabilidade do Ministério da Economia. Quem decide, no entanto, é a Assembleia Nacional do Poder Popular.

Como é fácil de compreender, para atingir tais objectivos colocam-se grandes exigências ao nível económico, laboral, social, político, administrativo e envolvendo também importantes correcções e aperfeiçoamentos na relação do Partido com o Estado e com as organizações de massas, do papel dirigente do Partido e da participação das massas.

Com as medidas em curso o socialismo está em causa?

Não, não está. Segundo os camaradas cubanos, pelo contrário, os objectivos traçados apontam o caminho da actualização do sistema económico socialista, e não reformas que alterem os objectivos da Revolução. Afirmando com clareza que não há modelos de construção do socialismo, os camaradas colocam o objectivo da sua construção, e no quadro da situação concreta de Cuba e no actual contexto internacional, em que avultam as consequências das derrotas do socialismo e a ofensiva exploradora e agressiva do imperialismo, considerando o momento histórico em que se está na luta pelo socialismo.

Como afirmam os nossos camaradas de forma clara e inequívoca, na actual etapa, a tarefa é a defesa da Revolução, a actualização do modelo para a construção da sociedade socialista próspera e sustentável, tendo por base as leis gerais de construção da nova sociedade: a propriedade de todo o povo sobre os principais meios de produção, a planificação da economia, a soberania e a independência nacionais, a garantia do bem-estar social e cultural de todo o povo, o poder revolucionário, o papel dirigente do Partido, o papel determinante e criativo das massas, aplicando-as à situação concreta, à história e às tradições culturais do povo cubano.

É sem dúvida uma tarefa heróica, que exige, como referem os camaradas cubanos, o envolvimento e empenho de todo o Partido e a participação das massas, em particular dos trabalhadores nas empresas e locais de trabalho. Aquilo que nos foi dado a ver e sentir nos múltiplos contactos que tivemos é a vontade e a confiança dos dirigentes e quadros do Partido, da UJC, dos dirigentes das organizações de massas, em particular da CTC. Uma vontade e confiança conscientes dos complexos e exigentes desafios que se colocam à Revolução Cubana, da necessidade de defender e aprofundar as suas conquistas, em particular no plano social e garantir a opção socialista.

Voltados para o futuro

Como se olha de Cuba para a América Latina?

Antes de mais é necessário ter presente a luta heróica do povo cubano ao longo destes 56 anos, enfrentando a agressão e o bloqueio dos EUA e a evolução desfavorável da correlação de forças no plano internacional. 56 anos de várias gerações revolucionárias que, pela sua acção, suscitaram em todo o mundo a admiração dos povos, mas também o ódio dos opressores. 56 anos, ainda, de solidariedade para com uma revolução que sempre soube vencer, com determinação e com dignidade, as ingerências e agressões imperialistas, enfrentar o bloqueio e lutar contra as dificuldades e contradições decorrentes do processo revolucionário, tais como as colocadas na sequência do fim do campo socialista e da URSS, e a consequente alteração da correlação de forças mundial nos planos económicos e políticos daí resultantes.

Se Cuba foi e é obra do seu povo, o qual contou com a solidariedade dos trabalhadores e dos povos de todo o mundo, esta não deixou de ser também solidária com a luta dos povos pela liberdade, emancipação e soberania. Nós, portugueses, conhecemos bem a solidariedade de Cuba para com a Revolução de Abril e a luta dos povos colonizados em África, em especial com o povo angolano.

Hoje Cuba continua nessa senda e apoia a Revolução Bolivariana na Venezuela e os vários processos que se desenvolvem noutros países da América Latina e das Caraíbas. Processos revolucionários ou progressistas, ou simplesmente de afirmação soberana face ao imperialismo norte-americano.

Processos em desenvolvimento que claramente marcam na actualidade uma nova situação, com o desenvolvimento de laços de cooperação entre estados na base do interesse comum e de carácter anti-imperialista, como a Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA). Refira-se o facto relevante de Cuba vir a participar, pela primeira vez, na próxima Cimeira das Américas, a convite directo e oficial do Panamá, que é quem vai presidir a esta reunião, mas também pela exigência de outros países da América Latina e das Caraíbas, que declararam não participar caso Cuba não estivesse presente.

A América Latina tem hoje um cenário completamente novo, quer pela evolução progressista da situação em muitos dos seus países, quer pela afirmação, cada vez mais clara, da cooperação comum e integração, quer ainda pela rejeição da subserviência ao imperialismo norte-americano.

Só quem tem uma visão estreita e dogmática é que não consegue atingir ou vislumbrar os avanços progressistas e mesmo revolucionários que ali se desenvolvem e a sua importância na resistência ao imperialismo, na demonstração de que é através da luta de massas, com amplo apoio popular, que se pode conquistar e alcançar, com dignidade, uma vida melhor, a soberania e a independência nacionais, uma sociedade mais justa.

Simultâneamente há na América Latina a noção clara de que o imperialismo já tem o seu programa de contra-ofensiva, em estreita ligação com as oligarquias nacionais, como aconteceu com os golpes de Estado nas Honduras e no Paraguai.

A solidariedade internacionalista com Cuba socialista e com os processos revolucionários, progressistas e de soberania que se desenvolvem na América Latina e Caraíbas é, por isso, uma tarefa da maior importância no actual contexto.

Triunfo revolucionário

Falando de um tema que adquiriu redobrada actualidade, como vês a libertação dos patriotas cubanos que ainda se encontravam presos nos EUA e o restabelecimento das relações diplomáticas entre Cuba e os EUA?

Foi uma grande vitória de Cuba, da firmeza e determinação dos «Cinco», do povo cubano e de todos os que nunca desistiram de lutar e denunciar esta injustiça e de reclamar a sua libertação.

Lembro aqui a imensa solidariedade e a exigência da libertação dos três patriotas cubanos que ainda se encontravam presos aquando da última Festa do Avante!, expressa nas várias iniciativas em que participou a delegação do Partido Comunista de Cuba, da qual fazia parte René Gonzalez, um dos «Cinco» que havia estado preso nos EUA.

Obviamente saudamos esta vitória, a da libertação dos que injustamente ainda se encontravam presos nos EUA por defenderem a sua pátria e o seu povo das organizações e acções terroristas levadas a cabo a partir dos EUA. Esta é uma vitória dos que não desistem, dos que não se vergam, dos que mantêm a dignidade.

O anúncio do restabelecimento das relações diplomáticas entre Cuba e os EUA representa o reconhecimento do fracasso da política agressiva do imperialismo norte-americano. Sublinhe-se que tal não quer dizer que estão ultrapassados graves problemas entre ambos, como as ingerências contra a soberania de Cuba por parte dos EUA. O mais importante está ainda por resolver: o fim do criminoso bloqueio económico, comercial e financeiro dos EUA, bem como o encerramento da base de Guantánamo, em território de Cuba ocupado pelos EUA.

Não se pode ficar na expectativa. É necessário, com a cabeça erguida, continuar a luta pelas liberdades, pela soberania, pelo futuro socialista em Cuba, quer em qualquer país do mundo. A solidariedade com o povo cubano e a sua revolução socialista deverá continuar firme, determinada e o mais ampla possível. Esta vitória reafirma a sua justeza.

A visita permitiu aprofundar as relações entre o PCP e o PCC?

As relações entre o PCP e o PCC são muito boas e fraternais. São relações entre dois partidos que se respeitam, que tratam aberta e frontalmente entre si o que têm a tratar; que procuram conhecer sempre mais o que cada um pensa e como actua no seu país e no plano regional e internacional, sem se imiscuir na sua vida interna e realçando a solidariedade recíproca. São laços de amizade e cooperação que queremos continuar a aprofundar.

As relações entre os nossos dois partidos, a grande convergência de avaliação e apreciação de significativos aspectos da situação internacional, são também importantes referências para o reforço do movimento comunista e revolucionário, para o fortalecimento da frente anti-imperialista, nomeadamente no sentido do alargamento e consolidação das características unitárias de várias organizações internacionais de amizade, cooperação e solidariedade anti-imperialista.

Esta visita da delegação do PCP a Cuba constituiu, sem dúvida, uma nova contribuição para um melhor conhecimento e cooperação recíprocos e para o reforço das tradicionais relações de amizade, cooperação e solidariedade entre os comunistas portugueses e cubanos.

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