Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Sessão Pública «A evolução da situação social. A resposta necessária»

A evolução da situação social e as respostas necessárias

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Como aqui ficou patenteado nas intervenções que me antecederam, é grande a dimensão dos problemas que atingem os trabalhadores, o povo e o País.

Problemas que radicam em razões estruturais que não encontram resposta nas opções que marcam há muito a política de direita, e que agora face à epidemia se revelam em toda a sua dimensão.

A dimensão real dos problemas não pode ser invocada em vão. A sua extensão exige uma resposta à altura dessa gravidade. É para esse objectivo que o PCP está a intervir, centrado na avaliação que faz dos problemas existentes e das respostas necessárias a partir daquilo que são os interesses do povo e do País. Intervindo para que se resolva o que é inadiável e imprescindível, sem perder de vista as opções que é preciso assumir para romper com os eixos que têm marcado a política de direita.

Desde logo no Orçamento do Estado de 2021, que deve ser visto como um instrumento para responder aos problemas reais que aí estão e não para alimentar ameaças de instabilidade criadas artificialmente.

A proposta apresentada pelo Governo não responde ao que aí está. Não responde a uma recessão económica que está em curso, nem ao agravamento do desemprego, nem ao indispensável reforço dos serviços públicos com as exigências acrescidas que a epidemia coloca. A proposta de Orçamento não responde à situação excepcional que o País enfrenta e adia uma vez mais a resposta a problemas estruturais que há muito o PCP identifica. A proposta do Governo não se liberta de constrangimentos e imposições que continuam a constituir verdadeiros garrotes à resposta aos problemas nacionais. Antes pelo contrário, entre a emergência dos problemas nacionais e as imposições da União Europeia, cai para o lado errado, aprofundando opções que se afastam daquilo que o País precisa.

É verdade que a proposta de lei do Orçamento inscreve matérias pelas quais o PCP se tem batido. Mas, diga-se, de forma muito parcial e limitada. Sem clareza nem garantias de concretização. Recheada de formulações dilatórias que ameaçam reduzir a pouco ou mesmo nada o que a custo e persistência se procurou ver inscrito. Alguns exemplos:

Assim é com o aumento extraordinário das reformas, distante quer na abrangência quer na extensão da sua aplicação do que o PCP defende.

O subsídio remuneratório para os trabalhadores dos serviços essenciais foi transformado em subsídio de risco, nem sequer abrangendo a totalidade dos trabalhadores da saúde e deixando de fora muitos outros que têm trabalhado presencialmente no serviço às populações como é o caso de profissionais das forças e serviços de segurança, bombeiros, serviços de higiene urbana, águas e saneamento, equipamentos de apoio social e outros.

A perspectiva de suplementos de insalubridade, penosidade e risco aparece remetida para decisões e procedimentos posteriores que avolumam a dúvida sobre a verdadeira eficácia que o Governo pretenderá.

Registam-se a prestação social extraordinária e as medidas de protecção no desemprego que, no entanto, ficam aquém do indispensável. Ainda que se verifique a disponibilidade para aumentar o valor mínimo do subsídio de desemprego ficam por resolver o alargamento do acesso, o reforço dos seus montantes e o alargamento do seu prazo de pagamento, num quadro em que já hoje mais de 700 mil trabalhadores desempregados e com a situação a agravar-se de dia para dia.

As medidas que alargam a gratuitidade das creches até ao segundo escalão, dando expressão à luta e intervenção do PCP nesta matéria, ficarão sempre limitadas na sua real abrangência se às mesmas não corresponder a abertura significativa de vagas numa rede pública de creches que o Governo pretende continuar a adiar.

A vinculação de profissionais de saúde indispensáveis para responder à epidemia e para assegurar o acesso geral aos cuidados de saúde inscrita na proposta de OE revela-se insuficiente, facto tão mais preocupante quando se conhece o arrastamento que decisões idênticas adoptadas no Orçamento de 2020 ainda não estão plenamente concretizadas. O que se impõe é reforçar urgentemente o SNS com instalações, mais financiamento, mais profissionais, mais equipamentos como o Plano Nacional de Emergência apresentado pelo PCP inscreve.

A contratação de trabalhadores para as escolas aparece limitada a um objectivo ainda distante dos 5 mil que o PCP tem defendido. Mas o mais grave é que o calendário da sua aplicação aponta não para o presente mas para o próximo ano lectivo, quando é agora que, mais do que nunca, precisamos destes trabalhadores nas escolas do nosso País.

Também os anúncios feitos pelo Governo sobre o aumento do investimento público e a contratação de trabalhadores para os serviços públicos exigem a clarificação de uma contradição evidente. Não é possível anunciar investimento e reforço de trabalhadores e manter ao mesmo tempo as normas no Orçamento do Estado que bloqueiam, dificultam ou travam a concretização dessas decisões, sujeitando-as a limitações inaceitáveis ou a autorizações ministeriais que nunca chegam.

A situação nacional exige outra resposta orçamental e impõe muitas outras medidas que vão para lá do Orçamento.

Falamos do aumento geral dos salários para os trabalhadores do sector privado, do sector público e da Administração Pública que estiveram dez anos com os salários congelados. Falamos do aumento do Salário Mínimo Nacional para os 850 euros, da revogação das normas gravosas da legislação laboral, da eliminação da caducidade da contratação colectiva e da reposição do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador, entre outras.

Falamos de um aumento significativo do investimento público, da aposta efectiva na produção nacional, do apoio à actividade das micro, pequenas e médias empresas, do reforço decisivo dos serviços públicos no seu conjunto, e na saúde em particular, a recuperação de instrumentos essenciais ao desenvolvimento do País, seja pelo controlo público de empresas estratégicas , seja pelo exercício soberano de decisões a partir do interesse nacional e não dos interesses da União Europeia.

Temo-lo dito e repetimos. O posicionamento e sentido de voto do PCP no Orçamento do Estado serão determinados em função da resposta global aos problemas nacionais.

O País não compreenderia a adopção de um Orçamento para agradar a Bruxelas e o grande capital se aproveitar, passando ao lado da grave situação colocada pela epidemia e dos problemas estruturais do País desperdiçando uma oportunidade para os resolver. O País não compreenderia a adopção de um Orçamento que desde o primeiro momento em que entre em vigor se revele incapaz de contribuir decisivamente para a solução aos problemas que os trabalhadores, o povo e o País enfrentam. Impõe-se uma resposta de fundo aos problemas nacionais como o emprego e os salários, as reformas e as pensões, a saúde e demais serviços públicos, o investimento e a produção nacional. Impõe-se uma resposta urgente e de emergência aos problemas colocados pela Covid-19. O PCP bater-se-á até ao limite das possibilidades para que o OE se insira na resposta que é necessária.

Ao Governo cabe a responsabilidade de clarificar se quer dar resposta aos problemas nacionais e ter um Orçamento que corresponda a esse objectivo ou se, pelo contrário, quer repetir as opções do Orçamento Suplementar que deixou muitos problemas sem resposta e fez o jeito aos interesses do grande capital.

O País precisa de uma política alternativa, patriótica e de esquerda, capaz de criar as condições para assegurar as soluções que garantam o desenvolvimento soberano do País.

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