Intervenção de

Estradas de Portugal - Intervenção de Bruno Dias na AR

 

 

Apreciação  parlamentar  nº  59/X do Decreto-Lei nº 374/2007, de 7 de Novembro, que transforma a EP - Estradas de Portugal, EPE, em sociedade anónima de captais exclusivamente públicos, passando a designar-se por EP - Estradas de Portugal, SA
Apreciação  parlamentar nº 60/X do Decreto-Lei nº 380/2007, de 13 de Novembro, que atribui à EP - Estradas de Portugal, SA, a concessão do financiamento, concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional e aprova as bases da concessão

 

 

 

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:

Com esta iniciativa, o PCP traz para a Assembleia da República o processo legislativo e a discussão de dois decretosleis (apreciação  parlamentar  nº  59/X e apreciação  parlamentar nº 60/X) que são instrumentos centrais no ataque do Governo à gestão pública da rede rodoviária nacional.

Estamos perante diplomas com que o Governo pretende hipotecar o futuro, o interesse nacional e das populações. Desde logo porque consagram uma inaceitável fuga às responsabilidades que o Estado e o Governo têm de assumir no tocante ao financiamento e à gestão da rede rodoviária.

O decreto-lei que estabelece as bases da concessão não podia ser mais explícito. Atente-se na prosa da Base 15: «A concessionária é responsável única pela obtenção do financiamento necessário ao desenvolvimento de todas as actividades que integram o objecto da concessão (...). Com vista à obtenção dos fundos necessários ao desenvolvimento das actividades que integram o objecto da concess ão, a concessionária pode celebrar com financiadores os contratos de financiamento que julgar convenientes (...)».

Que «financiadores» vêm a ser estes? Alguém pensa que estamos a falar da Fundação Gulbenkian? O que está em causa é um endividamento ainda maior da Estradas de Portugal por opção do Governo, que determina que o investimento só avança «se os bancos acreditarem na bondade dos projectos» (palavras do Sr. Secretário de Estado em comissão parlamentar).

Recorde-se, aliás, que, no Plano de Actividades e Orçamento da Estradas de Portugal para 2007, o investimento previsto é de 478 milhões de euros do Orçamento do Estado, 266 milhões de fundos  comunitários e 695 milhões de euros de financiamento bancário! É esta já a principal fonte de financiamento da empresa, porque o Governo a coloca nesse «beco sem saída».

Esta política significa aprofundar o famoso «buraco financeiro» do sector dos transportes e obras públicas, que tantas vezes é invocado para justificar as privatizações.

A população deste país já paga pela medida grande, quer no imposto sobre veículos, quer no imposto sobre combustíveis. As receitas do Estado com estes impostos aumentaram 11% em três anos e já vão em 4,48 milhares de milhões de euros. Perante isto, o Governo estabelece a «contribuição de serviço rodoviário», desconta àquela receita fiscal os 600 milhões de euros que vão para a Estradas de Portugal e retira toda a sua despesa do Orçamento do Estado!

Com esta manobra, que é também de desorçamentação, o Governo limita o controlo   democrático do Parlamento e a sua área de intervenção, fiscalização e proposta, remetendo a Estradas de Portugal para um conveniente «perímetro de consolidação orçamental».

O Sr. Primeiro-Ministro ainda nos falou dos Fundos e Serviços Autónomos do Orçamento, que havia de lá estar a Estradas de Portugal! Disparates à parte, a verdade é que também a transparência e o rigor ficam a perder com estas opções. E estas opções são aplicadas «à pala» destes decretos-leis.

Mas como a obsessão do défice fala mais alto, o Governo coloca a factura mais uma vez sobre os mesmos do costume. E aí vem a introdução de portagens. Os utentes pagam no imposto sobre veículos, pagam no imposto sobre combustíveis, pagam na nova contribuição de serviço rodoviário e pagam nas portagens. É uma política injusta que penaliza ainda mais as  populações.

Diz o Sr. Ministro que só devem pagar pelas estradas aqueles que as utilizam, mostrando assim a sua face de convertido fervoroso ao princípio do utilizador pagador. De tal maneira, que chegámos a ouvir do PSD a insólita acusação de que o Governo lhe estava a roubar os argumentos! Perante isto, não há propagandas de «esquerda moderna» que resistam!

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

O Governo diz que a empresa Estradas de Portugal não é para privatizar. O Sr. Ministro disse até que essa opção «não é adequada nem correcta».

Mas haja a seriedade de reconhecer que é esse o horizonte que foi colocado, quer nas opções estratégicas do modelo de gestão e financiamento da rede rodoviária, quer no próprio preâmbulo do decreto-lei que aprova as bases da concessão.

O Governo e a maioria certamente virão acenar daqui a pouco com a tal Base 11 da concessão, onde se fala dos capitais exclusivamente públicos da empresa. Mas essa não é mais do que uma norma com «morte anunciada», quando o Governo afirma, à cabeça, que a «participação de entidades privadas determinará que as bases da concessão geral rodoviária constantes do presente decreto-lei sejam objecto de revisão».

Mas não se pode ignorar, entretanto, um facto incontornável: é que a entrega aos interesses privados da gestão da rede rodoviária nacional já está a acontecer na prática, e agora mais do que nunca. É ver as «subconcessões» que o Governo anuncia com pompa e circunstância. Ora a Grande Lisboa, ora o Douro Interior, ora o Baixo Alentejo, ora o Baixo Tejo.

Uma fatia de cada vez, vai a rede sendo entregue à gestão privada, com a Estradas de Portugal a servir de «leiloeira».

É este o sentido desta legislação, aliás expressamente indicado na Base 32 da concessão: a concessionária deve privilegiar as parcerias público-privadas.

O Governo e a maioria vão dizer que esta é a solução para sair de um modelo esgotado, que não responde às necessidades do País e que a situação actual é insustentável. Mas é preciso dizer que a situação actual resulta de políticas concretas, que tiveram e têm responsáveis concretos. Alguns estão aqui nesta Sala!

O que é insustentável é que os sucessivos Governos - com destaque para o actual Governo PS - tenham desmantelado, decreto a decreto, orçamento a orçamento, a estrutura pública de gestão da rede rodoviária. Diminuindo cada vez mais o investimento neste sector, provocaram os problemas que agora dizem querer resolver. Com este «novo» modelo, assente em políticas e opções velhas, o que nos apresentam como solução não é mais do que a imposição de novos e mais graves problemas para o futuro.

O PCP apresenta dois projectos de resolução, para que estes decretos-leis do Governo deixem de estar em vigor. É urgente e indispensável interromper e inverter esta linha de rumo, e a Assembleia da República tem aqui essa oportunidade.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado,

Uma primeira nota para salientar que, no entender do PCP, o que o Governo apresenta como reforma do modelo de gestão da rede rodoviária não é mais do que uma verdadeira contra-reforma, na medida em que reconfigura, da pior maneira, o papel do Estado e as funções do Estado na gestão, na defesa, na promoção e na qualificação da rede rodoviária nacional.

Na verdade, estamos a tratar desta entrega aos interesses privados, que, naturalmente, têm as suas agendas, os seus objectivos e os seus interesses, mas que assumem uma responsabilidade cada vez maior na gestão da rede rodoviária. É o que sucede em relação a estradas que já hoje existem e que são entregues à gestão privada através das famosas concessões, de que é mais um exemplo a concessão do Baixo Tejo. Entregam-se, portanto, várias vias rápidas à gestão privada, como sucede aqui em Lisboa, e depois a estrada que for construída passa a ter portagens, penalizando as populações, que já hoje pagam a factura, nomeadamente nestes casos, em relação à acessibilidade.

O Sr. Secretário de Estado diz querer combater as assimetrias regionais e promover a coesão no território.

O que lhe pergunto é como é que pretende combater assimetrias regionais e promover a coesão do território, por exemplo, ligando o IP8 de Sines a Beja, com a cobrança de portagens, mas não permitindo, depois, sequer, a ligação ao interior do distrito de Beja, ou seja, acabando ali, em Beja, e não cumprindo a promessa antiga de sucessivos governos de se fazer a ligação à fronteira com Espanha, em Vila Verde de Ficalho.

Isso é inaceitável e é a contradição assumida no discurso do Sr. Secretário de Estado.

Gostaria ainda de lhe fazer duas perguntas muito concretas.

Primeiro, gostaria que me explicasse, relativamente ao texto das bases da concessão, na expressão «à meia-noite do dia 31 de Dezembro de 2099», onde é que está a palavra «até». O que consta do Diário da República é que «a concessão expira à meia-noite do dia 31 de Dezembro de 2099» e na minuta do contrato de concessão não é aplicado o que está estabelecido na legislação, que é o decreto-lei que estamos agora a apreciar. Portanto, gostaria que me dissesse onde é que está a palavra «até», que o Sr. Secretário de Estado tantas vezes repetiu nesta Assembleia.

Não a encontrámos!

A terminar, Sr. Presidente, gostaria de colocar uma questão muito concreta.

O Sr. Ministro (e penso que o Sr. Secretário de Estado também) esteve esta semana em Almada, a apresentar a concessão do Baixo Tejo e a anunciar a ligação à Trafaria - consta de um comunicado, no site do Governo. Gostaria, pois, de perguntar-lhe o seguinte: nos termos da resolução do Conselho de Ministros, em que parte da concessão do Baixo Tejo é que aparece a ligação à Trafaria, porque não é o que ali é anunciado. Portanto, é preciso esclarecer esta matéria.

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Começo por agradecer o tempo que me foi cedido.

Há uma banda portuguesa, os Xutos & Pontapés, que tem uma música chamada O mundo ao contrário. Já tem acontecido, mas é muito raro, vermos o Governo a ultrapassar pela direita o PSD e o CDS-PP nesta matéria.

De facto, aquilo a que assistimos neste debate é ao «mundo ao contrário»!

Para além destas matérias, há uma falta de respeito muito grande que o Governo demonstra ter pela Assembleia da República.

Primeiro, o Governo aprovou, em Conselho de Ministros, os decretos-leis que estão agora, aqui, em apreciação - e durante alguns meses eles ficaram na gaveta.

Entretanto, nós pedimos ao Governo explicações e a clarificação da matéria constante dessas decisões do Governo. O Governo respondeu faltando à verdade e com informações que não correspondiam ao que foi aprovado. Isso demonstra-se com a publicação, em Diário da República, dos decretos-leis em causa e que agora, aqui, debatemos.

Confrontámos o Governo com essa matéria e a resposta foi a seguinte: «Isso é só as bases. Depois, na aplicação, isso poderá ser diferente. Não é até aí, leia que está lá até à meia-noite do dia 31 de Dezembro de 2099». Nós perguntámos: «Mas está aonde?» - ainda hoje perguntámos isso. O Governo não respondeu, e não foi por acaso, porque passados alguns minutos entrou uma proposta do PS a corrigir o erro, reconhecendo a ausência da expressão que o Governo invocou desde o princípio.

O Governo faltou ao respeito à Assembleia, inclusive quando aprovou em Conselho de Ministros, por decreto-lei, alterações a leis da República - artigo 3.º do decreto-lei.

Depois, vem aqui por iniciativa do PCP, no âmbito de uma apreciação parlamentar, e aproveita a ocasião para pôr a maioria parlamentar a servir de «tapa buracos» legislativo, resolvendo o problema que o Governo criou numa trapalhada desta legislação, vindo agora responder ao «até»!

Sr. Deputado, a resposta está dada com a proposta de alteração ao diploma do Governo que foi apresentada pela maioria. Isto é um escândalo na forma e no conteúdo.

Sobre os tais 1000 km de que tanto fala a propaganda do Governo sobra uma pergunta que não foi respondida até agora: quem é que os pagará, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo? Serão os cidadãos, os utentes e as populações que pagarão pela medida grande esta estratégia lesiva do interesse nacional e das populações!

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