Intervenção de Rita Rato na Assembleia de República

"Este Governo tem um projeto político de empobrecimento em massa"

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Declaração política aludindo ao Dia Nacional da Igualdade Salarial, acusando o Governo de praticar políticas que acentuam as desigualdades que atingem as mulheres, os jovens e os
Deficientes e ainda assinalado os 93 anos do PCP

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
No Dia Nacional da Igualdade Salarial, registamos que a política de direita que tem destruído o País e a vida dos portugueses é a política do agravamento das desigualdades que atingem os trabalhadores, as mulheres, os jovens, as pessoas com deficiência.
A luta das mulheres trabalhadoras pela igualdade salarial e pela valorização do trabalho é travada há mais de 103 anos.
Na raiz da comemoração do Dia Internacional da Mulher estão, exatamente, as reivindicações de salário igual para trabalho igual, as 8 horas de trabalho diário.
Que jamais se esqueça que, em Portugal, só em 1976, resultado da luta geral dos trabalhadores e das mulheres em particular, foi consagrado na Constituição o direito a salário igual para trabalho igual.
Passados 40 anos do 25 de Abril, os números da discriminação salarial mostram que o princípio do salário igual para trabalho de igual valor está longe de ser cumprido.
Persistem e agravam-se as discriminações salariais diretas e indiretas, aprofunda-se a desigualdade salarial entre homens e mulheres — a desigualdade salarial entre mulheres e homens é de 18%, e o valor da remuneração base por hora de trabalho corresponde a um diferencial de 17,4%.
A desvalorização do trabalho qualificado das mulheres é, por isso, diretamente proporcional ao aumento de lucros do patronato.
Há um ano atrás, denunciámos aqui a acelerada marcha em curso de sedimentação dos velhos itinerários de desigualdade e discriminação das mulheres, por razões de classe e de sexo, no trabalho, na família, na vida social e política, e o retrocesso social que significava.
Há um ano atrás, foram aqui aprovados, por unanimidade, três projetos do PCP: um plano nacional de combate às discriminações salariais diretas e indiretas, com prioridade na ação inspetiva e punitiva; um relatório de avaliação do impacto das medidas decorrentes do Orçamento do Estado no agravamento da pobreza e da exclusão social e a criação de um plano nacional de combate à exploração na prostituição; um relatório sobre a situação socio-laboral das mulheres. Foram aprovados por unanimidade, mas até hoje estão por cumprir.
Hoje, voltamos a afirmar com profunda convicção que a luta das mulheres pela igualdade é parte integrante da luta pela valorização do trabalho, por uma sociedade mais justa, por um País de progresso e de justiça social.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Em Portugal, o dia-a-dia de milhões de cidadãos é marcado pela negação de direitos fundamentais e pelo agravamento da segregação e da discriminação.
Passados seis meses desde o início do ano letivo, existem ainda alunos com necessidades especiais sem apoios, alunos surdos que estão nas aulas sem intérpretes de língua gestual portuguesa, centenas de crianças que aguardam, desde outubro, a atribuição do subsídio de educação especial para pagar terapias indispensáveis e 105 crianças que já perderam este apoio.
Em janeiro deste ano, mais de 50 000 crianças perderam o abono de família e cerca de 7000 perderam a bonificação por deficiência.
Na semana em que ficámos a saber como aumentaram as maiores fortunas do País, na semana em que ouvimos um grande empresário da distribuição dizer que não paga ao Estado o que a lei obriga, ficámos também a saber que o Governo se prepara para atacar novamente os direitos de quem trabalha.
O caminho imposto por sucessivos governos, e de forma particularmente grave pelo atual Governo PSD/CDS, radicou sempre, mas sempre, na desvalorização do trabalho, no agravamento da exploração, na agudização das desigualdades sociais e na concentração da riqueza.
O Governo prepara-se novamente, através das novas alterações ao Código do Trabalho, para premiar quem viola os direitos dos trabalhadores. Pretende reduzir as indemnizações aos trabalhadores despedidos ilegalmente, facilitando e convidando ao despedimento sem regras, tentando acabar, na prática, com a proibição de despedimento sem justa causa.
Para este Governo PSD/CDS, o desemprego nunca é demais e o agravamento brutal das condições de vida é sempre uma via certa para reforçar o exército de mão-de-obra disponível para trabalhar a qualquer preço, nem que seja por um prato de comida.
Não há margem para dúvidas, Srs. Deputados: este Governo tem um projeto político de empobrecimento em massa e concentração da riqueza, de substituição de trabalhadores com direitos por trabalhadores sem direitos, de configuração do Estado à medida das necessidades do capital, mas a luta corajosa e determinada que os trabalhadores e o povo português têm construído não permitirá a destruição das conquistas e dos valores de Abril.
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
No dia em que comemoramos os 93 anos do Partido Comunista Português, reafirmamos aqui que a força da razão nos vem da profunda convicção de que é justa, empolgante e invencível a causa por que lutamos.
Da parte do PCP, cá estaremos, a resistir e a lutar por uma política patriótica e de esquerda, pelo cumprimento da Constituição e dos valores de Abril no futuro de Portugal, porque a luta, Srs. Deputados, foi e continuará a ser o único caminho de construção do progresso e da felicidade.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.ª Deputada Elza Pais,
Agradeço as questões que traz à discussão.
De facto, o princípio de salário igual para trabalho igual foi uma conquista da Revolução de Abril, que foi consagrada em 1976, na Constituição da República Portuguesa, Constituição essa que tem sido tão maltratada por este Governo.
Importa dizer que, pese embora seja um princípio fundamental consagrado na Constituição, esse princípio não está a ser cumprido, porque os salários e as discriminações salariais no nosso País, as desigualdades e as diferenciações salariais beneficiam sempre, mas sempre, os lucros do patronato.
Recebemos aqui, na Subcomissão de Igualdade — recordo-me perfeitamente, assim como a Sr.ª Deputada se recordará —, a CIP (Confederação da Indústria Portuguesa), que veio reiterar a sua total indisponibilidade para resolver o problema da discriminação salarial, porque significaria sempre custos para as empresas. Isto demonstra bem a indisponibilidade do patronato para resolver um problema inaceitável de violação da Constituição da República Portuguesa.
Da parte do PCP, sempre dissemos e estivemos disponíveis para encontrar propostas para fiscalizar, designadamente com ação punitiva e sancionatória, este tipo de violações. Mas também fomos sempre muito claros quando dissemos que isto não ia lá com sensibilizações. Trata-se de cumprimento da lei e não de sensibilização.
O que seria fundamental acontecer era, da parte do Governo, um sinal claro de que o patronato tem de cumprir aquilo que é um princípio constitucional. Da parte do PCP, continuaremos sempre a exigir isso, porque é fundamental. E é inaceitável que a CIP tenha afirmado aqui, nesta Casa, que está indisponível para resolver o problema das discriminações desde que represente um custo para as empresas.
Importa também dizer, Sr.ª Deputada Elza Pais, que é verdade que o pacto da troica trouxe desgraça e destruição na dignidade da vida de milhões de portugueses. É verdade que as alterações ao Código do Trabalho atingiram de forma particularmente grave os trabalhadores e as mulheres trabalhadoras; é também verdade que o Decreto-Lei n.º 70/2010, que cortou nas prestações sociais, foi aplicado pelo anterior Governo, do Partido Socialista, quando o PCP alertava para o que isso significaria de cortes nos abonos de família e num conjunto de outras prestações sociais; e também é verdade que, na altura, quer PS, quer PSD, quer CDS votaram a favor desse Decreto-Lei, aquando da respetiva apreciação parlamentar pedida pelo PCP.
Na hora da verdade, quando se trata de assumir uma posição de classe relativamente aos problemas da sociedade, o que temos tido sempre da parte do PS, do PSD e do CDS é uma posição de compromisso com um pacto de agressão aos trabalhadores e ao País, e é por isso que seria determinante que o PS, de uma vez por todas, assumisse que ou quer estar com o pacto ou quer estar com a Constituição da República Portuguesa.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.ª Deputada Cecília Honório,
Agradeço as questões que colocou.
De facto, a luta das mulheres trabalhadoras pela igualdade salarial e pelas 8 horas de trabalho é uma luta que leva já mais de 100 anos, é uma luta em nome do progresso e da justiça social, pela qual a classe operária, os trabalhadores e as mulheres trabalhadoras, na linha da frente, sempre, mas sempre, lutaram.
É fundamental recordar que muitas das conquistas da Revolução de Abril foram determinantes e são complemento determinante do progresso que o País viveu. Aliás, a primeira vez que muitas mulheres tiveram direito de voto foi depois do 25 de Abril, a primeira vez que muitas mulheres tiveram direito de participação política e social foi depois do 25 de Abril. É por isso que essa luta foi tão importante e que é também tão importante nos dias de hoje, quando os princípios e os valores de Abril estão a ser espezinhados, de uma forma inaceitável, por este Governo.
Em relação à questão que a Sr. Deputada coloca, o PCP entende, de facto, que a crise tem sido um instrumento para o agravamento das desigualdades e da exploração. Quanto a isso não há dúvida. A crise tem sido algo de profundamente negativo para a vida das mulheres e das famílias. Mas tem existido uma mão-cheia de pessoas que tem beneficiado com a crise: aquelas que se dão ao luxo de poder vir dizer «não pagamos!», que não pagam aquilo a que a lei obriga, a que as empresas de grande distribuição estão obrigadas.
Os Srs. Deputados, certamente, ouviram todos ontem, como eu ouvi, um grande empresário da distribuição — que obriga as suas trabalhadoras e os seus trabalhadores a trabalharem ao sábado, ao domingo e aos feriados, impedindo a articulação da vida familiar com a vida profissional — dizer «não pagamos!».
O PS, o PSD e o CDS, que não querem fazer uma discussão séria sobre a renegociação da dívida e que dizem que aquilo que o PCP diz é «não pagamos!», têm agora aqui um exemplo de quem é que não quer pagar, para quem é que os senhores governam e quem é que os senhores privilegiam.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Artur Rêgo,
A desigualdade salarial, que é coisa diferente de discriminação salarial, não é um problema só do nosso País. Infelizmente, não é. Mas também é verdade que o nosso País tem, sobre esta realidade, números que são escandalosos e que não podem continuar a fazer parte da realidade da vida dos trabalhadores.
No nosso País, quando as questões da igualdade não são cumpridas não é porque não haja lei que obrigue a tal, mas sim porque a prática concreta e diária nos locais de trabalho e de alguns governos é exatamente de incumprimento da lei. O que acontece muitas vezes é que da lei à vida existe todo um mundo que separa uma coisa que está consagrada na letra da lei mas que não é o dia a dia de milhares e milhares de trabalhadores.
Importa aqui dizer que a fiscalização da lei — e o PCP sempre a defendeu — é obrigação do Governo. Aliás, a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), por proposta do PCP, tem um conjunto de matérias em cima da mesa que só não foram concretizadas porque o Governo, designadamente o Ministério da Solidariedade e do Emprego, o ministério do CDS, não deu orientações para que se cumprisse. O Sr. Deputado há de estar recordado que, há um ano, aprovou aqui uma proposta do PCP para a realização de um plano nacional de combate às discriminações salariais diretas e indiretas, com a intervenção da CITE e da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT). E pergunto-lhe, Sr. Deputado: por que é que não falou deste plano? Por que é que não apresentou, objetivamente, os resultados deste plano nacional de combate às discriminações salariais diretas e indiretas? Não falou nele porque sabe que não existe, porque o compromisso deste Governo não é o combate às discriminações; o compromisso deste Governo é com o patronato, é com a fragilização das relações laborais, é com o agravamento da exploração, é com a liquidação de direitos que foram conquistados com Abril, é com a troica, é com o capital financeiro. O que este Governo quer fazer é um ajuste de contas com Abril.
Relativamente às propostas que este Governo pretende para alteração do Código do Trabalho, diga-nos aqui se confirma que um governo vai atribuir um prémio ao empregador que não cumprir a lei e que assim pode mais facilmente despedir o seu trabalhador. Efetivamente é disso que se trata. Se for um despedimento ilícito, o trabalhador tem de ser reintegrado. O trabalhador não tem de ser despedido com meia dúzia de trocos; quando se trata de um despedimento ilícito, a reintegração no local de trabalho é um direito do trabalhador — não estão a oferecer nada a ninguém.
Por isso, o que nós salientamos nesta matéria, como noutras, é a necessidade objetiva de cumprimento da Constituição, daquilo que são os seus princípios fundamentais e, desde logo, de um princípio fundamental, que é a não subordinação do poder político ao poder económico, que é exatamente o contrário daquilo que o Governo PSD/CDS está a fazer, ou seja, a beneficiar e a governar para o poder económico e financeiro do País.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.ª Deputada Joana Barata Lopes,
As questões que aqui coloca sobre a concertação social obrigam-me a trazer à discussão a iniciativa da Sr.ª Secretária de Estado da Igualdade, de levar a uma reunião da concertação social a matéria das discriminações salariais — e a Sr.ª Deputada conhece certamente a ata dessa reunião, porque ela é pública e foi distribuída a todos os Deputados da Subcomissão. Acontece que, designadamente, a CIP, em sede de concertação social, como depois aqui fez na Assembleia da República, mostrou-se completamente indisponível para resolver os problemas das discriminações salariais.
Por isso, Sr.ª Deputada, quanto à concertação social e à vontade dos patrões para resolverem o problema das discriminações, estamos faladas.
Importa também dizer que o problema das discriminações salariais, o problema do agravamento da exploração dos trabalhadores não é um problema novo, como bem aqui disse, é um problema que tem séculos. Por isso, o PCP entende que é inaceitável que o seu Governo PSD/CDS queira impor aos trabalhadores do século XXI os direitos do século XIX. Isso é um retrocesso civilizacional, para o qual não pode contar com o PCP.
A Sr.ª Deputada fala aqui em flexissegurança. Mas isso, trocado por miúdos, é o quê? Isso, trocado por miúdos, é banco de horas? Isso, trocado por miúdos, é trabalho aos sábados, domingos e feriados, sem se receber mais por isso? É trabalhar para lá de 8 horas diárias, sem se receber o pagamento do trabalho extraordinário? É que essas são sempre palavras muito bonitas para invocar em discursos de ocasião, mas que, na realidade concreta da vida das pessoas, valem zero. É que a vida das pessoas é uma vida difícil, e é cada vez mais difícil desde que os senhores chegaram ao Governo e começaram a aplicar as medidas do pacto de troica, subscrito pelo PS, pelo PSD e pelo CDS.
É verdade, há sinais positivos. Quer que eu lhe dê aqui um exemplo de um sinal positivo? Para alguns foi o aumento das grandes fortunas do País!
Mas esse não é um sinal positivo para a esmagadora maioria dos portugueses. Esse é um sinal de concentração da riqueza e de agravamento das desigualdades sociais.
Para terminar, Sr.ª Presidente, porque o tempo a isso obriga, gostaria apenas de dizer que, da parte do PCP, continuaremos sempre, mas sempre, a exigir que o princípio de salário igual para trabalho igual seja cumprido. É que a defesa dos direitos das mulheres não é uma luta das mulheres trabalhadoras contra os homens trabalhadores; é uma luta das mulheres pela dignidade nas suas vidas, por um País de progresso e de justiça social.

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