Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

"Este governo continua a mentir aos portugueses"

Ver vídeo

''

No debate quinzenal realizado hoje na Assembleia da República, o Secretário-Geral do PCP afirmou que os cortes nos salários e pensões e as diversas medidas de austeridade nos rendimentos dos portugueses, anunciados pelo governo como temporários, são afinal definitivos, tal como o PCP preveniu.

Após o Primeiro-Ministro ter proferido uma intervenção inicial, respondeu às perguntas formuladas pelos Deputados

Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

No discurso que proferiu no congresso do seu partido teorizou sobre a pancada que dói mais, se as que foram dadas ou se aquelas que vêm a seguir. Naturalmente falava dos trabalhadores, dos reformados e pensionistas, falava dos pequenos e médios empresários, mas, dias depois da sua intervenção, veio o Vice-Primeiro-Ministro clamar e proclamar que estamos no caminho do sucesso.

A primeira pergunta que lhe faço é a seguinte: em que é que ficamos? Na política de sucesso ou na ameaça velada de que vem aí mais pancada?

Mas, para além do foguetório do Sr. Vice-Primeiro-Ministro Paulo Portas, fixemo-nos na pancada anunciada. E faço-lhe uma segunda pergunta: dessa bancada, o Sr. Primeiro-Ministro várias vezes afirmou que os cortes nos salários e nas pensões, os aumentos dos impostos, os cortes na proteção social eram temporários! E aquilo que vem anunciar aos portugueses é que, afinal, isso não é temporário, é definitivo. Permita que, a par da pergunta, demonstremos a nossa indignação, o nosso protesto, a nossa crítica por essa falta de lealdade — mentiu aos portugueses ao afirmar que era temporário aquilo que agora considera definitivo.

Falaram que os salários no setor privado já tinham sido ajustados com os cortes nas horas extras, nos feriados, nos suplementos e noutras regalias. Afinal, querem alterar a lei dos despedimentos, facilitando o despedimento dos trabalhadores com direitos e substituindo-os por trabalhadores sem direitos e com salários mais baixos.
Anunciam, simultaneamente, a mutilação daquilo que foi uma conquista até de antes de Abril, Sr. Primeiro-Ministro, que é o direito à contratação coletiva, com o anúncio de tentativa de liquidação desse instrumento negocial que existe entre as partes!

Num acerto combinado com a troica, o relatório da 12.ª segunda avaliação, a fazer em abril, só será conhecido em junho. Ou seja, até 25 de maio (dia das eleições) vamos assistir aos sucessos, aos sinais positivos, às boas novas; em junho, virá a fatura — voto arrecadado, fatura apresentada, já prevista, mas não dita explicitamente.
Diga lá, Sr. Primeiro-Ministro, se a tal pancada que dói mais não é, precisamente, o corte de 2000 milhões nos serviços públicos e nos direitos, que estão previstos, mas que não foram anunciados! Ao menos, tenha a coragem, Sr. Primeiro-Ministro… Sei que é um homem coerente, pelo que leve a sua coerência até ao fim e diga quais são as medidas que o Governo, agora, não tem coragem de apresentar para apenas tentar arrecadar o voto dos portugueses.

(…)

Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Começo por sublinhar o seguinte: honra-me muito defender a Constituição da República Portuguesa. É pena que o Sr. Primeiro-Ministro trate a Constituição da forma como tratou!

Em relação à questão do esforço da consolidação orçamental e em relação à questão que coloquei, o que me preocupa não são as eleições para o Parlamento Europeu. Digo-lhe, com franqueza, que o que me preocupa é a situação em que se encontram os trabalhadores e o povo português com a política e as medidas deste Governo.
Sr. Primeiro-Ministro, aquilo que queremos saber é quais são essas medidas no concreto. Não queremos saber as grandes linhas de orientação — o papel aguenta tudo o que se queira lá pôr, é evidente! —, mas aquilo que é concreto. Perguntamos: onde vai cortar os 2 mil milhões que já estão anunciados? Diga! Aos reformados? Aos trabalhadores? Aos pensionistas? Diga em concreto, Sr. Primeiro-Ministro. Esse é o desafio que lhe coloquei.
Em relação às medidas antissociais que o seu Governo toma, queria colocar-lhe a seguinte questão: não tem preocupação nenhuma com o facto de, por exemplo, a perspetiva ser sempre a de se carregar sobre os mesmos do costume, enquanto ainda hoje há notícias de que três senhores viram aumentadas as suas fortunas devido ao aumento dos dividendos?

A esses não são pedidos sacrifícios? Para esses não há medidas para a consolidação orçamental? Naturalmente que não, porque o Sr. Primeiro-Ministro fez uma opção de fundo, não está equivocado: pôr-se do lado dos mais fortes contra os mais fracos. Essa foi a sua opção de fundo, tendo em conta a natureza de classe do seu Governo e da sua política.

Por último, deixo-lhe uma questão para sua reflexão: soubemos hoje que, em Portugal, há mais mortes que nascimentos. Sr. Primeiro-Ministro, pensamos que há causas para que isso aconteça, económicas e sociais, ligadas a políticas concretas, resultantes do desemprego, da emigração, dos cortes nos apoios sociais, nos serviços públicos…, mas, pior do que isso, de medo do futuro por parte da nossa juventude.

Sr. Primeiro-Ministro, é por isso que consideramos que é preciso ir às causas, e com este Governo não há cura. Nesse sentido, pode apresentar os programas de natalidade que quiser, mas se continuar a cortar nos abonos de família, no apoio aos desempregados, no apoio aos jovens, com certeza que esse desafio que colocou não passará do papel. É preciso ir às causas, e este Governo não está em condições de as tratar.

  • Assembleia da República
  • Intervenções