Intervenção de

Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores - Intervenção de António Filipe na AR

 

Reapreciação do Decreto da Assembleia da República n.º 217/X, que aprova a terceira revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores

 

Sr. Presidente,

Srs. Deputados:

Queria, em primeiro lugar, saudar os Srs. Deputados da Assembleia Legislativa da Região Autónoma das Açores que hoje assistem a este debate, prosseguindo uma colaboração inestimável que tem havido entre este órgão de soberania e a assembleia legislativa daquela região autónoma.

Vamos hoje proceder ao expurgo das inconstitucionalidades declaradas pelo Tribunal Constitucional a propósito do texto aqui aprovado (decreto da Assembleia n.º 217/X), tendo em consideração também a comunicação que o Sr. Presidente da República fez ao País sobre esta matéria e que ponderámos atentamente.

Cotejando a decisão do Tribunal Constitucional, a intervenção do Sr. Presidente da República e o debate que aqui fizemos na especialidade, verificámos que, no essencial, estas questões tinham sido até abordadas aquando da discussão, como é natural. E tivemos também oportunidade, nessa altura, de exprimir o nosso ponto de vista relativamente às questões que aqui estão hoje em debate. Daí que a posição que o PCP tenha decidido tomar foi a de retomar, nesta fase, de expurgo das inconstitucionalidades, as posições que havia tomado aquando da discussão na especialidade. E, portanto, vamos manter rigorosamente as posições que sempre aqui assumimos.

Em relação à maioria dos artigos cujo expurgo é proposto a questão é absolutamente pacífica, na medida em que ela decorre directamente da decisão do Tribunal Constitucional. E, portanto, mais uma vez, nesta matéria haverá uma grande margem de consenso. Aliás, queria salientar que tem sido o consenso a marca distintiva deste processo legislativo, não obstante algumas divergências manifestadas desde o início e que se reflectiram na discussão na especialidade, sendo que algumas delas voltam, efectivamente, a estar aqui em discussão. Mas tal como essas divergências na especialidade não inviabilizaram, de maneira nenhuma, uma aprovação por unanimidade em votação final global, estamos certos - e é essa a nossa convicção - de que as divergências que possam manifestar-se na especialidade no expurgo que vamos fazer não vão afectar esse consenso fundamental em torno do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.

É essa a nossa convicção, e desde já declaramos que, mesmo que algumas das nossas propostas possam não ter acolhimento, achamos que não está posto em causa o consenso sobre este Estatuto e votaremos favoravelmente, em votação final global, o expurgo das inconstitucionalidades, tendo já conhecimento das propostas apresentadas pelos vários partidos.

Eu iria referir-me particularmente à questão, porventura, mais controversa neste processo, que é a do artigo 114.º, no que se refere a duas questões que não foram apreciadas pelo Tribunal Constitucional porque isso não foi suscitado mas que foram objecto de reparos por parte do Sr. Presidente da República e que tinham sido objecto de proposta de eliminação por parte do PCP no debate na especialidade.

Referimo-nos concretamente às audições necessárias para que o Presidente da República possa nomear um representante da República para a região e dissolver a assembleia legislativa da região - são dois números do artigo 114.º.

Há propostas aqui apresentadas que remetem essa questão para a audição prevista no artigo 229.º da Constituição, que diz - e muito bem - que «Os órgãos de soberania ouvirão sempre, relativamente às questões da sua competência respeitantes às regiões autónomas, os órgãos de governo regional.»

Ora, acontece que no mesmo dia em que este artigo foi aprovado - e muito bem - foram aprovados também os artigos 230.º e 234.º. A matéria da nomeação do Representante da República não é regulada no artigo 229.º mas, sim, no artigo 230.º, que diz que «Para cada uma das regiões autónomas há um Representante da República, nomeado e exonerado pelo Presidente da República ouvido o Governo.»

E a dissolução da assembleia legislativa da região está regulada no artigo 234.º, que diz que «As Assembleias Legislativas das regiões autónomas podem ser dissolvidas pelo Presidente da República, ouvidos o Conselho de Estado e os partidos nelas representados.» Ora bem, o que regula a dissolução da assembleia não é o artigo 229.º mas, sim, o artigo 234.º, que foi aprovado nesta Assembleia rigorosamente no mesmo dia. E não é suposto que entre artigos constitucionais aprovados no mesmo dia haja contradições, porque então elas teriam sido dirimidas na revisão constitucional.

Não foram, e, portanto, as audições que o Presidente da República deve fazer para a dissolução são as que estão no artigo 234.º e não outras, porque se fossem outras este mesmo artigo o diria. E, portanto, é o Conselho de Estado que deve ser ouvido, do qual, aliás, faz parte o presidente do governo regional.

Seria absolutamente ilógico, não dizendo a Constituição que a assembleia legislativa deve ser ouvida para a sua dissolução, que isso fosse exigido não pela Constituição mas, sim, pelo Estatuto. Seria ilógico, porque também não há qualquer disposição que diga que o Presidente da República tem de ouvir a Assembleia da República para decidir a sua dissolução; tem é de ouvir o Conselho de Estado. E não o diz porque é ilógico do ponto de vista constitucional.

E, portanto, do nosso ponto de vista, esta questão, embora não tenha sido suscitada junto do Tribunal Constitucional, tem implicações constitucionais. Esta Assembleia não pode deixar de ter isso em conta e é essa a posição que mantemos, ou seja, a de propor que seja eliminado, no seu conjunto, o artigo 114.º

Sr. Presidente, só para concluir, queria dizer que isto não põe em causa, de maneira nenhuma, o consenso que vamos dar à aprovação deste Estatuto, seja qual for a decisão final desta Câmara.

__________________________________________________

 

Declaração de voto

 

Sr. Presidente,

Sr. Deputado,

Como declaração de voto, quero congratular-me mas também deixar um lamento. A congratulação é pelo facto de ter sido aprovado, por unanimidade, em votação final, o decreto desta Assembleia que expurga inconstitucionalidades deste diploma, o que representa um elevado sentido, da parte de todos os grupos parlamentares, de que é importante que um diploma desta natureza possa reunir o máximo de consenso possível.

O lamento é para expressar até alguma perplexidade pelo facto de o Partido Socialista ter pretendido abrir uma querela gratuita e artificial e que pode perfeitamente conduzir a que este Estatuto Político-Administrativo não entre em vigor proximamente, na medida em que esta questão pode vir a ser suscitada junto do Tribunal Constitucional. E é nossa profunda convicção, porque conhecemos a doutrina constitucional sobre esta matéria e o que está escrito na Constituição, de que esta norma é de uma inconstitucionalidade manifesta.

Portanto, se esta questão for suscitada, pode perfeitamente atrasar, mais uma vez, e de uma forma gratuita, a entrada em vigor deste Estatuto.

Isto porque entendemos que a Constituição trata adequadamente a autonomia de ambas as regiões autónomas e que a autonomia não pode ser invocada contra a Constituição, é ilegítimo fazê-lo.

E entendemos que este Estatuto Político-Administrativo deve ser conforme à Constituição da República em todos os seus pontos, e também neste da dissolução.

Então, perguntar-me-ão: mas o que é que a autonomia ganha com esta norma que o Partido Socialista aqui pretende opor?

Nada! Uma vez que, na dissolução da Assembleia Legislativa, se for caso disso, o Presidente da República ouve o Conselho de Estado nos termos do artigo 234.º, ouve o presidente do Governo Regional nos termos do artigo 234.º, e, segundo a norma que o Partido Socialista quer impor, vai ter de ouvir também o próprio órgão a dissolver. Alguém ganha alguma coisa com isso? Do nosso ponto de vista, nada. E por isso dizemos que isto é uma querela gratuita e que esta norma é manifestamente inconstitucional, do nosso ponto de vista. E é pena, porque, no essencial, não põe em causa o Estatuto. Vai, no entanto, abrir alguma querela que o Partido Socialista poderá querer explorar, do ponto de vista eleitoral, mas, diria, de uma forma um tanto grotesca, porque a questão manifestamente não faz qualquer sentido, como iremos ver se a mesma for suscitada quanto à sua constitucionalidade.

É por isso, Sr. Presidente, que queríamos deixar aqui uma congratulação pelo elevado sentido de responsabilidade registado nesta Câmara quanto ao essencial, mas também um lamento pelo facto de se ter procurado criar aqui uma querela artificial, que manifestamente, do nosso ponto de vista, não faz qualquer sentido. Daí o nosso pequeno lamento relativamente a este ponto.

  • Poder Local e Regiões Autónomas
  • Assembleia da República
  • Intervenções