Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

Estatuto jurídico dos animais

(projeto de lei n.º 173/XII/1.ª e petição n.º 80/XII/1.ª)
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Começo por saudar os peticionários que trouxeram à Assembleia da República a petição agora em discussão, exercendo um direito constitucional que obviamente é de saudar e de registar.
Quero iniciar a minha intervenção fazendo duas notas preambulares, sendo a primeira para fazer uma afirmação de princípio: o Partido Comunista Português tem afirmado sucessivamente a necessidade de encarar o respeito pela vida animal numa perspetiva de harmonização do desenvolvimento humano com a natureza e de preservação da biodiversidade dos animais e dos seus habitats, afirmação esta que não desligamos do nosso combate, que é o combate do PCP e dos comunistas, contra o sistema capitalista que cada vez mais torna evidente a sua natureza destruidora e depredadora dos recursos naturais e do ambiente.
Entendemos que este debate não pode ser desligado dessa conceção ideológica, que colocamos como indispensável.
Uma segunda nota preambular é no sentido de dizer, Sr.as e Srs. Deputados, que é cada vez mais evidente na sociedade portuguesa a consciência e a importância da defesa dos valores da preservação da biodiversidade, da proteção dos animais e do seu bem-estar, mas também é cada vez mais evidente que isso não chega, que é preciso tomar medidas de natureza política para garantir o cumprimento desses objetivos.
Ora, é aí que se coloca este debate, particularmente o debate em torno da iniciativa legislativa apresentada pelo Partido Socialista.
Mas é preciso dizer que este debate não começa do zero. Temos, em Portugal, um conjunto muito significativo de diplomas legais, que foram aprovados ao longo dos anos, particularmente a partir de 1995, e devo dizer que nunca o Código Civil foi um obstáculo à aprovação de regras que protejam os animais e preservem o seu bem-estar. Este é um elemento indispensável.
E se, do ponto de vista simbólico, é importante dar aos animais um tratamento que deixe de os considerar como coisas — e julgamos que sim, que, do ponto de vista simbólico, esse é um passo importante —, entendemos é que isso não é decisivo para garantir a proteção dos animais e a preservação do seu bem estar.
E queremos procurar, com a nossa posição, contribuir positivamente para que possam ser tomadas medidas no sentido de aprofundar as medidas políticas que é preciso tomar para garantir a proteção dos animais e a preservação do seu bem-estar.
Relativamente a esta questão e passando diretamente à apreciação do projeto de lei apresentado pelo Partido Socialista, consideramos que o mesmo é um instrumento de reduzido e duvidoso alcance prático. E porquê? Algumas das questões já aqui foram abordadas, pelo que posso fazer-lhes uma referência muito sintética, sem aprofundar a sua análise.
Em primeiro lugar, introduzir referências aos animais nos artigos do Código Civil que dizem respeito às coisas não significa criar um regime jurídico para os animais, como aqui já foi dito. Remeter para aquilo que é a legislação especial relativamente aos animais, como faz o Partido Socialista, é, digamos, o inevitável, porque, não sendo capaz de no Código Civil dar resposta às preocupações que com especialidade se colocam em relação aos animais, isso obriga-o a remeter para essa legislação especial. Assim, o projeto de lei do Partido Socialista acaba por traduzir esse impasse que não é possível resolver.
Mas, por outro lado, Sr.as e Srs. Deputados, há uma perspetiva que, a nosso ver, não pode ser
acompanhada, a que coloca sempre os animais numa perspetiva instrumental relativamente aos homens que
é pouco condicente com os propósitos afirmados.
Relativamente às questões da indemnização ao proprietário por lesão ou morte do animal ou da aquisição da propriedade dos animais, consideramos que esta perspetiva instrumental dos animais em relação aos homens não é condicente com os propósitos afirmados.
Julgamos até, em segundo lugar, que há uma preocupação a ser tida em conta: no projeto de lei do Partido Socialista a não distinção entre animais de companhia, animais selvagens ou animais criados em explorações agropecuárias com fins alimentares pode ser uma fonte de problemas que muito dificilmente se conseguem, depois, resolver com legislação especial. Pelo contrário, poderão criar problemas à legislação especial que hoje temos em vigor, em Portugal, destinada a proteger o bem-estar animal.
Concluindo, Sr. Presidente, quero dizer que, da parte do PCP, estamos inteiramente disponíveis para contribuir para o aperfeiçoamento da legislação especial que se destina à
proteção dos animais e à preservação do seu bem-estar e estamos ainda mais disponíveis para garantir condições de cumprimento e de concretização desta legislação, porque em muitos aspetos o que falta é concretizar a legislação e garantir condições para a sua fiscalização.
No entanto, temos muitas dúvidas e uma grande dificuldade em acompanhar esta iniciativa legislativa do Partido Socialista pelos argumentos que acabei de expor.

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