Projecto de Lei

Estatuto dos Deputados e o Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos

 

Altera o Estatuto dos Deputados e o Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos

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Preâmbulo

A Constituição estabelece no seu artigo 80.º, como primeiro princípio fundamental da organização económica, a "subordinação do poder económico ao poder político democrático". Décadas de política de direita têm sistematicamente invertido este princípio, criando a justa convicção entre a generalidade dos portugueses, de que na realidade são as directrizes do poder económico que determinam as opções governativas.

Para além de uma prática política nesse sentido, as próprias regras legais não são, em muitos casos, consentâneas com a garantia de independência e autonomia do exercício de funções públicas, mesmo tendo consciência que nenhuma lei, por si só, poderá eliminar comportamentos deliberadamente incorrectos.

O povo português verifica que, para além de o poder político se subordinar ao poder económico, vai sendo regra a falta de transparência de muitas e importantes decisões políticas com benefícios para privados, mantendo-se regras legais que dificultam o combate à corrupção. Por outro lado, quando é constante a promiscuidade entre os cargos públicos e as administrações dos grupos privados, é legítimo questionar que interesses conduzem as decisões políticas públicas.

A realidade vem comprovando que, quando tudo isto acontece o terreno é fértil para a impunidade da corrupção e dos crimes de colarinho branco.

É evidente que muitas das situações de promiscuidade e falta de transparência, não se reconduzem à função dos Deputados e sim a funções executivas. Não obstante, a importância do órgão de soberania Assembleia da República exige que se corrijam situações que são inaceitáveis.

Importa lembrar que o mandato parlamentar deve ser a actividade principal daqueles que para isso são eleitos e não uma ocupação secundária ou instrumental de outras prioridades ou interesses.

Está à vista de todos que o regime legal que regula estas matérias padece de insuficiências ou lacunas aproveitadas pelos que querem manter situações de promiscuidade ou confusão de interesses. É certo que nenhuma lei, por mais perfeita que seja, conseguirá evitar situações indesejáveis se os titulares de cargos políticos e altos cargos públicos não se pautarem por elevados padrões éticos no exercício das suas funções. Mas ainda assim a Assembleia da República não deve abdicar de aperfeiçoar até ao limite do possível o regime legal em vigor.

As regras sobre impedimentos e incompatibilidades são um aspecto central do Estatuto dos Deputados, constituindo um alicerce fundamental da sua independência no exercício do mandato e da soberania da Assembleia da República. Hoje em dia estas regras têm igualmente enorme relevância na limitação de situações de promiscuidade, quer entre as entidades públicas e os Deputados, quer entre negócios públicos e privados.

Ao longo dos últimos anos e por diversas vezes, o PCP propôs a alteração e a clarificação das regras do Estatuto dos Deputados que dão cobertura ou abrem espaço a comportamentos que consideramos inaceitáveis. Aliás na X Legislatura o PS impôs inaceitáveis interpretações de certas normas do Estatuto para dar cobertura a situações concretas existentes nas suas fileiras.

Por outro lado, verificam-se na esfera das empresas com capitais públicos situações de passagem de gestores públicos nomeados pelo Estado para empresas concorrentes, ou de renomeação para as mesmas empresas por entidades privadas, que constituem, para além de uma inaceitável situação de promiscuidade, um total desrespeito pela defesa do interesse público por exemplo no que toca a informações estratégicas e reservadas de cada empresa. Foi o que aconteceu no caso da Caixa Geral de Depósitos e em muitas outras funções e empresas públicas.

É o que acontece também na área de serviços públicos essenciais como a Saúde, em que vários altos responsáveis por estruturas centrais do Ministério da Saúde ou de grandes hospitais públicos, se transferem para o sector privado concorrendo directamente com as unidades que antes geriam.

É indispensável, do ponto de vista do PCP, que, a par de outras decisões, no plano legal, da transparência e sindicabilidade das decisões políticas e da garantia de condições de investigação criminal, se corrijam as normas do Estatuto dos Deputados e do regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos que se revelam insuficientes e inadequadas, designadamente:

- A extensão, em matéria de impedimentos, das limitações já existentes para empresas maioritariamente públicas, a todas aquelas em que o Estado detenha parte do capital;

- O aumento do período de impedimento de exercício de actividades privadas após exercício de funções públicas para cinco anos e o alargamento desta regra aos titulares de altos cargos públicos, cujo âmbito se alarga a todos cargos executivos de nomeação pública mesmo que as empresas não sejam de capital maioritariamente público.

- A clarificação de que são abrangidas pelos impedimentos, nas situações descritas, as actividades ou actos económicos de qualquer tipo, mesmo que no exercício de actividade profissional e que o que é relevante são os actos praticados e não a natureza jurídica da entidade que os pratica, de forma a incluir inequivocamente as sociedades de advogados (que têm natureza civil);

- A inclusão em matéria de impedimentos das situações em que, mesmo não tendo participação relevante na entidade contratante, o Deputado execute ou participe na execução do que foi contratado;

- O alargamento da incompatibilidade já existente no que toca à presença em conselhos de gestão de empresas públicas ou maioritariamente públicas a todas aquelas em que o Estado detenha parte do capital, mesmo que seja accionista minoritário;

- A inclusão das situações de união de facto a par das conjugais;

- A clarificação de que pode haver participação relevante na entidade contratante, mesmo sem a titularidade de 10% do capital;

O PCP retoma assim iniciativas anteriores que a realidade tem vindo a comprovar serem necessárias e urgentes, no quadro do combate à corrupção e à promiscuidade entre o interesse público e os interesses privados.

Nestes termos, os Deputados abaixo-assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projecto de Lei:

ARTIGO 1.º

ALTERAÇÕES AO ESTATUTO DOS DEPUTADOS

Os artigos 20.º e 21.º do «Estatuto dos Deputados», aprovado pela Lei n.º 7/93 de 1 de Março, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º s 24/95, de 18 de Agosto; n.º 55/98, de 18 de Agosto; n.º 8/99, de 10 de Fevereiro; n.º 45/99, de 16 de Junho; n.º 3/2001, de 23 de Fevereiro (rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 9/2001, publicada no Diário da República, I Série - A, n.º 61, de 13 de Março), n.º 24/2003, de 4 de Julho, n.º 52-A/2005, de 10 de Outubro, n.º 44/2006 de 25 de Agosto n.º 45/2006 de 25 de Agosto, n.º 43/2007, de 24 de Agosto e n.º 16/2009, de 1 de Abril, passam a ter a seguinte redacção:

«Artigo 20.º

Incompatibilidades

•1-     São incompatíveis com o exercício do mandato de Deputado à Assembleia da República os seguintes cargos ou funções:

               a) (...);

               b) (...);

               c) (...);

               d) (...);

               e) (...);

               f) (...);

               g) Presidente, vice-presidente ou substituto legal do presidente e vereador a tempo inteiro ou em regime de meio tempo das câmaras municipais;

               h) (...);

               i) (...);

               j) (...);

               l) Membro da Casa Civil do Presidente da República

               m) Alto cargo ou função internacional, se for impeditivo do exercício do mandato parlamentar, bem como funcionário de organização internacional ou de Estado estrangeiro;

               n) (anterior alínea m));

               o) Membro da Entidade Reguladora para a Comunicação Social;

               p) Membro dos órgãos sociais ou similares das empresas públicas, das empresas de capitais públicos ou participadas pelo Estado ou outras entidades públicas, de forma directa ou indirecta, ou de instituto público autónomo.

2- (...).

3- (...).

Artigo 21.º

Impedimentos

1- (...).

2- (...).

3- (...).

4- (...).

5- Sem prejuízo do disposto nos regimes de incompatibilidades e impedimentos previstos em lei especial, designadamente para o exercício de actividades profissionais, são ainda impeditivas do exercício do mandato de Deputado à Assembleia da República:

               a) A titularidade de membro de órgão de pessoa colectiva pública ou que se integre na administração institucional autónoma, de órgão de sociedades de capitais total ou parcialmente públicos, ou de sociedades que sejam ou integrem concessionários de serviços públicos, com excepção de órgão consultivo, científico ou pedagógico;

               b) (...);

               c) (...).

6 - É igualmente vedado aos Deputados, em regime de acumulação, sem prejuízo do disposto em lei especial, no exercício de actividades económicas de qualquer tipo, ou na prática de actos económicos, comerciais ou profissionais, directa ou indirectamente, com o cônjuge não separado de pessoas e bens ou com pessoa com quem viva em união de facto, por si ou entidade em que detenha participação relevante, mesmo tendo natureza jurídica não comercial:

               a) Celebrar contratos com o Estado e outras pessoas colectivas de direito público, sociedades de capitais total ou parcialmente públicos, sociedades em que haja detenção pelo Estado ou outras entidades públicas estaduais, de forma directa ou indirecta, da maioria do capital, ou dos direitos de voto ou do direito de designar ou de destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração e fiscalização, ou sociedades que sejam ou integrem concessionários de serviços públicos;

               b) Participar em concursos de fornecimento de bens, de serviços, empreitadas ou concessões, abertos pelo Estado e outras pessoas colectivas de direito público, por sociedades de capitais maioritária ou exclusivamente públicos, sociedades em que haja detenção pelo Estado ou outras entidades públicas estaduais, de forma directa ou indirecta, da maioria do capital, ou dos direitos de voto ou do direito de designar ou de destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração e fiscalização, ou sociedades que sejam ou integrem concessionários de serviços públicos.

7- Para os efeitos do número anterior, presume-se existir participação relevante, sem prejuízo de outras situações assim poderem ser consideradas pela comissão parlamentar competente:

a) sempre que o Deputado detenha pelo menos 10% do capital;

b) sempre que exista possibilidade de intervenção nas decisões da entidade em causa, ou

c) quando das situações nele previstas em concreto resulte, ou venha a resultar, benefício significativo para o Deputado.

8- É igualmente vedada a acumulação de funções nas situações em que, mesmo não se verificando os requisitos previstos no corpo do n.º 6, o Deputado desempenhe ele próprio ou tenha participação directa na execução em concreto da actividade ou do acto contratado nos termos previstos nas respectivas alíneas.

9- É ainda vedado aos Deputados, em regime de acumulação, sem prejuízo do disposto em lei especial:

               a) (anterior alínea b) do n.º 6);

               b) Patrocinar ou desempenhar funções ao serviço de Estados estrangeiros;

               c) (anterior alínea d) do n.º 6);

               d) (anterior alínea e) do n.º 6).

10- Anterior n.º 7.

11- Sem prejuízo da responsabilidade que ao caso couber, a infracção ao disposto nos n.º s 4, 5, 6, 7, 8 e 9, com aplicação do disposto no número anterior, determina advertência e suspensão do mandato enquanto durar o vício, por período nunca inferior a 50 dias, e, bem assim, a obrigatoriedade de reposição da quantia correspondente à totalidade da remuneração que o titular aufira pelo exercício de funções públicas, desde o momento e enquanto ocorrer a situação de impedimento.

ARTIGO 2.º

ALTERAÇÕES AO REGIME JURÍDICO DE INCOMPATIBILIDADES E IMPEDIMENTOS DOS TITULARES DE CARGOS POLÍTICOS E ALTOS CARGOS PÚBLICOS

Os artigos 3.º e 5.º do «Regime Jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos», aprovado pela Lei n.º 64/93 de 26 de Agosto, alterada pelas Leis n.º 39-B/94 de 27 de Dezembro, n.º 28/95 de 18 de Agosto, n.º 12/96, de 18 de Abril, n.º 42/96 de 31 de Agosto e 12/98 de 24 de Fevereiro, pelo Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de Março e pela Lei n.º 30/2008, de 10 de Julho passam a ter a seguinte redacção:

«Artigo 3.º

Titulares de altos cargos públicos

Para efeitos da presente lei, são considerados titulares de altos cargos públicos ou equiparados:

•a)     (...);

•b)     Gestor público e membro de conselho de administração de sociedade anónima de capitais total ou parcialmente públicos, designado por entidade pública, desde que exerçam funções executivas;

•c)       (...).

Artigo 5.º

Regime aplicável após cessação de funções

1- Os titulares de órgãos de soberania e titulares de cargos políticos não podem exercer, pelo período de cinco anos contado da data da cessação das respectivas funções, cargos em empresas privadas que prossigam actividades no sector por eles directamente tutelado.

2- Os titulares de altos cargos públicos abrangidos pela actual lei nos termos do artigo 3.º, não podem exercer, pelo período de cinco anos contado da data da cessação das respectivas funções, cargos em empresas privadas do mesmo sector, nem serem nomeados por entidades privadas para cargos nas empresas onde desempenharam funções por nomeação de entidade pública.

3- Exceptua-se do disposto nos números anterior o regresso à empresa ou actividade exercida à data da investidura no cargo.»

Assembleia da República, em 21 de Janeiro de 2010

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