Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República

Estatuto do Pessoal Dirigente dos Serviços e Organismos da Administração Central, Regional e Local do Estado

Procede à adaptação à administração local da Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, que aprova o Estatuto do Pessoal Dirigente dos Serviços e Organismos da Administração Central, Regional e Local do Estado
Aprova o regime jurídico da atividade empresarial local e das participações locais
(propostas de lei n.os 57/XII/1.ª e 58/XII/1.ª)
Sr. ª Presidente,
Sr. Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares,
As propostas que hoje o Governo apresenta na Assembleia da República, a par de todo o pacote que está previsto para o poder local democrático, espelham uma velha conceção desse mesmo poder local democrático que há muito ficou no passado. Mas é exatamente esta conceção que é a ideia de modernidade que este Governo aqui, hoje, nos traz.
A redução do número de dirigentes terá implicações na gestão e na estrutura dos próprios municípios, bem como na prestação dos serviços públicos. Ao reduzir o número de dirigentes, o Governo está não só a reduzir serviços como também a capacidade de intervenção e as competências.
Simultaneamente, o Governo, como o Sr. Ministro já aqui hoje referiu, quer reduzir freguesias, quer reduzir eleitos, quer reduzir a participação popular, quer pôr fim à pluralidade e à representatividade nos órgãos executivos.
A situação de asfixia financeira em que hoje os municípios se encontram tem responsáveis: foram os sucessivos governos que impuseram cortes nas transferências do Orçamento do Estado para os próprios municípios.
E, Sr. Ministro, o recente acordo, que o Governo tanto valoriza, celebrado entre o Governo e a Associação Nacional de Municípios Portugueses, ontem mesmo mereceu o distanciamento da maioria dos municípios que fazem parte do Conselho Geral da Associação Nacional de Municípios Portugueses, porque é um acordo que, no essencial, vai ao encontro do conjunto de medidas do pacto de agressão que este Governo quer impor para subverter o poder local democrático, para sobrecarregar ainda mais as populações com uma maior quantidade de impostos!
Sr. Ministro, a questão que quero colocar-lhe é muito simples.
A perspetiva deste Governo, como está bem visível, é a de regressar ao período anterior a 25 de abril de 1974! Pergunto-lhe, Sr. Ministro, se a sua perspetiva é, de facto, «fazer tábua rasa» da nossa Constituição!
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
Hoje, o Governo dá mais um passo no desmantelamento do poder local democrático e no incumprimento dos princípios constitucionais que norteiam a sua intervenção — acentua a ingerência na autonomia do poder local democrático, como se tratasse de um qualquer serviço dependente da ação governamental.
Para satisfazer o compromisso assumido com a troica, o Governo quer impor a redução cega de cargos dirigentes nos municípios, tendo como único critério o número de habitantes por concelho, aplicando uma grelha quantitativa e escamoteando aspetos como o número de trabalhadores por serviço ou a dimensão territorial.
Entendeu o Governo considerar, ainda, a população pendular e as dormidas turísticas, como se os seus impactos fossem tão exigentes como os da população residente, ao nível da resposta dos serviços municipais.
O critério da população pendular vem criar mais dificuldades aos pequenos e médios municípios, porque têm menores fluxos populacionais pendulares, promovendo maiores assimetrias.
Resulta, assim, que a esmagadora maioria dos municípios — mais de dois terços — terá apenas quatro ou menos chefes de divisão, e destes quase metade terá somente um ou dois. Mas alguém considera que é possível garantir uma direção técnica de qualidade e eficaz quando existem um ou dois dirigentes para acompanhar a área financeira, os recursos humanos, o urbanismo, a água e o saneamento, os espaços verdes, a manutenção urbana, as obras municipais, entre outras?
Atrás da redução dos cargos dirigentes está a reorganização da estrutura orgânica para reduzir serviços públicos. Os municípios mais penalizados são precisamente aqueles que mantêm o exercício direto das suas competências através de serviços públicos e que não optaram pela externalização.
O grande objetivo desta proposta do Governo é atacar os serviços públicos. Mais do que reduzir despesa, um falso argumento utilizado pelo próprio do Governo — pois, mesmo que exista, será residual, porque os dirigentes regressarão aos seus postos de trabalho enquanto técnicos superiores —, o que o Governo pretende é criar as condições de inoperacionalidade dos municípios, diminuir a capacidade técnica das direções, degradando a qualidade e a eficácia dos serviços públicos, para encaminhar para a privatização.
Quanto ao sector empresarial local, importa salientar que o PCP sempre manifestou a sua oposição a sucessivas alterações legislativas que potenciaram a proliferação de empresas municipais, a integração de capital privado, a criação de empresas com fins duvidosos, pouco transparentes e promíscuos, a inexistência de controlo dessas empresas municipais pelos órgãos municipais, o esvaziamento de competências dos municípios e o favorecimento do clientelismo.
O Governo PSD/CDS-PP vem agora criticar o elevado número de empresas municipais criadas, numa tentativa de, de certa forma, «apagar» o passado, para não se identificar os responsáveis, e «diabolizar» quer municípios, quer as empresas municipais pela elevada dívida pública. Não disseram foi que o PSD e o PS são os grandes responsáveis pela criação da esmagadora maioria das empresas municipais no nosso País.
Avançam com um conjunto de critérios que visam a extinção destas empresas, mas para este Governo o que verdadeiramente importa é uma lógica estritamente economicista, da dita «autossustentabilidade», afastando-se completamente da prestação de serviço público. Aliás, os critérios apontados estão à medida para extinguir empresas municipais que prestam verdadeiro serviço público e cujo objetivo não é a rentabilidade económica mas a qualidade e a acessibilidade desse serviço.
O resultado será a redução de trabalhadores, dado que a proposta do Governo não assegura a efetiva salvaguarda dos postos de trabalho, o aumento de preços e tarifas pelos serviços prestados e a entrega a entidades privadas a prestação de serviços públicos. Num contexto em que se impõe aos municípios a aplicação da Lei dos Compromissos e a redução do número de trabalhadores, estes estão claramente impossibilitados de internalizar as competências, surgindo, mais uma vez, como solução para este Governo: a privatização.
Com esta proposta, o Governo não põe fim aos abusos e ao clientelismo nas empresas municipais, porque mantém a participação de capitais privados e não assegura o efetivo controlo do órgão executivo da atividade da empresa e na definição das opções políticas, como, aliás, o PCP sempre defendeu, mas que o PS, o PSD e o CDS sempre impediram que constasse na lei.
O PCP não pode acompanhar as propostas do Governo em discussão.

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