Projecto de Lei N.º 139/XII/1ª

Estatuto do Dador de Sangue

Estatuto do Dador de Sangue

Exposição de Motivos

A dádiva de sangue é um ato solidário e voluntário de milhares de portugueses com um único objetivo – contribuir para salvar vidas. É esta atitude, de cidadania que permite ao Estado ter sangue disponível para quem dele necessitar. É assim que deve continuar!
Rejeitamos qualquer possibilidade da existência de atividade comercial de sangue humano. A dádiva de sangue é gratuita.

A autossuficiência do país em termos de unidades de sangue é imprescindível para a saúde dos portugueses, por isso é preciso criar as condições que mantenham o atual patamar de recolha de sangue em Portugal, mas principalmente que permitam alargar o número de dadores de sangue.

São muitos os dadores de sangue e as associações de dadores de sangue que voluntariamente dinamizam a recolha de sangue em todo o país, promovendo iniciativas próprias em articulação, até ao momento, com o Instituto Português do Sangue e da Transplantação, IP. Desenvolvem também muitas campanhas de sensibilização dos portugueses para a necessidade da dádiva de sangue.

Na nossa opinião é deveras importante que o Governo reconheça publicamente o empenho e o trabalho desenvolvido por estas associações, mas sobretudo o contributo individual, voluntário e solidário de cada um dos dadores de sangue.

Na realidade os dadores de sangue encontram um conjunto de constrangimentos que não incentivam, nem estimulam à dádiva de sangue, que importa alterar. Em muitas empresas e locais de trabalho existem dificuldades que limitam a disponibilidade dos trabalhadores para a dádiva de sangue, por exemplo não consideram a falta justificada quando o trabalhador se ausenta por este motivo. O aumento da precariedade nas relações laborais, o receio de despedimento ou a perda de prémios, claramente não promovem, nem permitem o alargamento dos trabalhadores disponíveis para a dádiva de sangue.

O novo regime de taxas moderadoras retira a isenção das taxas moderadoras dos dadores de sangue nas unidades hospitalares, mantendo somente nos cuidados de saúde primários. Desta forma, o Governo não contribui para o aumento da dádiva de sangue, muito pelo contrário, pode mesmo levar à sua redução, com as graves implicações no Serviço Nacional de Saúde. Neste sentido, o Estado corre o sério risco de não ter as unidades de sangue necessárias para os cuidados de saúde e salvar vidas, ou aumentará os custos do SNS para adquirir algumas unidades de sangue a outros países, certamente em montante superior ao arrecadado com a cobrança de taxas aos dadores.

Os dadores de sangue e as associações de dadores de sangue não têm tido o adequado valor e reconhecimento do Governo, tendo em conta o seu generoso contributo para a saúde dos portugueses e para o Serviço Nacional de Saúde.

A Associações dos Dadores de Sangue do Distrito de Viana do Castelo dinamizou uma petição pública com vista à discussão na Assembleia da República o Estatuto do Dador de Sangue, subscrita por 4500 pessoas e mais de meia centena de associações de dadores de sangue a nível nacional.

Entendemos que o Governo tem a responsabilidade de incentivar, divulgar e recolher a dádiva de sangue.

A criação do Estatuto do Doador de Sangue permite assegurar os direitos e os deveres dos doadores de sangue, garantir as condições que estimulem o aumento de pessoas com disponibilidade para doar sangue, por exemplo através da isenção das taxas moderadoras, da garantia dos direitos dos trabalhadores ou os cuidados de saúde em caso de necessidade na sequência da dádiva de sangue.

Assim, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1º
Princípios Gerais

1 - Compete ao Estado assegurar a todos os cidadãos o acesso à utilização terapêutica do sangue, seus componentes e derivados, bem como garantir os meios necessários à sua correta obtenção, preparação, conservação, fracionamento, distribuição e utilização.
2 – A satisfação coletiva das necessidades relacionadas com o sangue constitui dever de todos os cidadãos.
3 – Após colhido, o sangue considera-se uma dádiva à comunidade, não sendo suscetível de transação comercial.
4 - É proibida toda e qualquer comercialização do sangue humano.

Do dador e da dádiva de sangue

Artigo 2.º
Dador de sangue

1 – Entende-se por Dador de sangue aquele que, depois de aceite clinicamente, doa benevolamente, de forma voluntária e regular, parte do seu sangue.
2 - Podem doar o seu sangue todos os indivíduos que apresentem bom estado de saúde, reconhecido pelo Médico nos exames clínico / laboratorial pré-dádiva.
3 - À situação de dador de sangue corresponde a atribuição de um cartão nacional de dador de sangue, a emitir pelo serviço responsável pelo respetivo registo e que deverá acompanhar o dador nas suas relações com os Serviços de Transfusão de Sangue contactados.
4 - O modelo do cartão referido no número anterior será fixado por portaria do Ministro da Saúde
Artigo 3.º
Dádiva de sangue

1 - A doação de sangue constitui um ato cívico e estritamente pessoal.
2- De modo a garantir a disponibilidade e acessibilidade de sangue e componentes sanguíneos de qualidade, seguros e eficazes, o carácter das doações, nomeadamente a sua regularidade, definição de unidade de sangue, intervalos das dádivas e outros aspetos relacionados com a dádiva devem atender aos critérios definidos pelo Instituto Português do Sangue e da Transplantação, IP de acordo com os conhecimentos técnico científicos e cumprimento das diretrizes aplicáveis.

Dos deveres do dador de sangue

Artigo 4.º
Deveres do dador de sangue

1- Os dadores de sangue devem observar as normas técnicas e científicas previamente estabelecidas, tendo em vista a defesa da sua saúde e do doente recetor.
2- Compete aos serviços de sangue a garantia que os dadores de sangue total e de componentes sanguíneos cumprem todos os critérios de elegibilidade.
3- Os dadores de sangue devem colaborar com os Serviços de Saúde e de Imuno-Hemoterapia, em particular através do cumprimento dos seguintes pressupostos:

a) O consentimento para a dádiva de sangue deve ser formalizado por escrito, através do preenchimento do modelo aprovado pela entidade pública responsável.
b) Os dadores de sangue devem prestar aos serviços de sangue as informações solicitadas pela entidade pública responsável, respondendo com verdade, consciência e responsabilidade.
c) O dador de sangue encontra-se subordinado a rigorosos critérios de elegibilidade com vista á preservação da sua saúde protegendo o recetor de quaisquer riscos de infeção ou contágio
d) Os critérios de elegibilidade do dador encontram-se são definidos pela entidade pública responsável, podendo a todo o tempo ser ajustados por Portaria do Ministro da Saúde.

Dos direitos do dador de sangue

Artigo 5.º
Direitos do dador de sangue

Aos dadores de sangue são consagrados os seguintes direitos:
a) A salvaguarda da integridade física e psicológica dos dadores de sangue, e da sua própria vida.
b) A ser informado pelos Serviços de Transfusão a respeito dos componentes sanguíneos e outros elementos igualmente considerados pela entidade pública responsável.
c) Os dados pessoais relativos aos dadores, seu tratamento e interconexão serão utilizados apenas para fins terapêuticos e de saúde pública, estando sujeitos a sigilo profissional e a medidas adequadas de segurança e confidencialidade.
d) O acesso aos dados pessoais dos dadores de sangue depende de prévia autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 28.º da Lei nº 67/98, de 26 de Outubro.
e) Ao dador é garantida a confidencialidade de toda a informação relacionada com a sua saúde, com os resultados das análises das suas dádivas e com a rastreabilidade da sua dádiva.
f) Os direitos do titular dos dados pessoais, registos, bem como todas as informações ligadas à saúde dos dadores gozam das liberdades e garantias consagradas na Constituição e na lei.
g) O direito de informação, acesso, retificação e eliminação, oposição e outros direitos dos titulares dos dados compreendidos nos sistemas de registo de dádivas e de dadores exercem-se nos termos da Lei.
h) Nos serviços de sangue deve existir um local destinado a entrevistas pessoais tendo em vista a avaliação e elegibilidade dos dadores, e que deve estar individualizado das zonas de processamento.
i) Decidir com acompanhamento médico a sua continuidade como dador de sangue
Artigo 6º
Taxas Moderadoras

1 – O Estado deve proporcionar aos dadores assistência médica regular.
2 – Os dadores de sangue estão isentos do pagamento das taxas moderadoras, estendendo-se àqueles que:
a) Estejam impedidos definitivamente, por razões clínicas, ou por limite de idade para a dádiva de sangue (65 anos), e tenham alcançado pelo menos doado regularmente num período de 3 anos (corresponde às 10 dádivas)
b) Por razões clínicas devidamente comprovadas, ou por motivos que lhes não sejam imputáveis, venham a encontrar-se temporariamente impedidos da dádiva, e desde que tenham doado regularmente num período de 1,5 anos.
c) No caso previsto na alínea anterior, a isenção do pagamento da taxa moderadora depende da reavaliação clínica anual que confirme as razões que justificaram o impedimento temporário.
3 – Se, na sequência de dádiva de sangue, ocorrer uma situação anómala relacionada com o procedimento, devem ser assegurados pelo SNS ao dador, e de forma gratuita, todos os cuidados indispensáveis à reposição do seu estado de saúde
4 - Perdem o direito aos benefícios a que se referem os números 2 e 4 antecedentes os dadores que interromperem sem motivo justificado, por mais de 24 meses, a dádiva de sangue.

Artigo 7º
Ausência das atividades profissionais

1 – Se forem solicitados por qualquer dos serviços da rede nacional de transfusão de sangue ou se a dádiva for por sua iniciativa, os dadores estão autorizados a ausentarem-se da sua atividade profissional pelo tempo necessário à sua recuperação física.
2 – Para efeitos do número anterior, a ausência do dador é justificada pelo Instituto Português do Sangue e da Transplantação, IP.
3 – O dador considera-se convocado desde que, decorrido o intervalo mínimo fixado entre as dádivas se dirija de forma voluntaria aos Serviços de Transfusão para efetuar nova dádiva de sangue, tornando-as o mais regular possível.
4 – O responsável clínico pelos Serviços de Transfusão pode estabelecer que os dadores que exerçam determinadas profissões apenas retomem a sua atividade normal decorrido o período de tempo após dádiva por si definido.
5 – O disposto no presente artigo não implica a perda de quaisquer direitos do trabalhador doador.
Artigo 8 º
Associações de Dadores de Sangue

1 – O Estado reconhece a importância das organizações de dadores de sangue como entidades na defesa do dador, na dinamização da dádiva de sangue e no esclarecimento da população.
2- Os Serviços de Saúde e de Imuno-Hemoterapia deverão manter com estas entidades uma especial articulação, garantindo o melhor relacionamento com os dadores e a maior eficácia no processo de doação de sangue.
3 - Consideram-se associações de dadores de sangue as organizações que tenham como objeto a promoção altruísta e desinteressada da dádiva de sangue, estimulando esta prática entre os cidadãos.
4 - As organizações de dadores de sangue – como principais agentes da «promoção da dádiva benévola de sangue» - colaboram com as entidades oficiais na promoção e desenvolvimento de campanhas relacionadas com a dádiva de sangue.
4 - O Instituto Português do Sangue e da Transplantação, IP deve ouvir as organizações representantes das associações de dadores de sangue de nível nacional sobre os planos de atividade que elaborar.
5 - Os dadores de sangue podem livre e voluntariamente constituir-se em organizações de dadores de sangue (associações, ligas, grupos ou entidades similares que visem os mesmos fins), e livremente delas se demitirem sem perda de qualquer dos direitos que na Lei lhes são consignados, sendo-lhes no entanto vedado efetuar essa inscrição em mais do que uma entidade.
6 - As organizações de Dadores de Sangue legalmente constituídas, podem, por sua vez, filiar-se em Federações, Ligas ou Fundações que visem estatutariamente idênticos fins.

Artigo 9º
Visitas a doentes internados

1 - Aos dadores de sangue é assegurada a livre visita a doentes internados nos estabelecimentos hospitalares do Serviço Nacional de Saúde, durante o período estabelecido para o efeito.
2 - Excecionalmente, a visita poderá ser autorizada fora do horário estabelecido, e pelo espaço de tempo definido pelo Estabelecimento Hospitalar.

Artigo 10º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.

Assembleia da República, em 13 de Janeiro de 2012

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