Intervenção de

Estatuto do Cooperante<br />Intervenção de Luísa Mesquita

Senhor Presidente, Senhoras Deputadas Senhores Deputados, A matéria que hoje é objecto de apreciação pela Assembleia evidencia, à partida, um consenso, relativamente à importância, cada vez mais significativa da política de cooperação e consequentemente à necessidade de proceder a ajustamentos e melhorias de um instrumento prioritário para a consecução dessa política que é o estatuto do cooperante - actor sem o qual não é possível substantivar nenhuma acção, programa ou projecto de curto, de médio ou de longo prazos.A apresentação de nosso projecto de lei ainda durante o ano de 2002 e as posteriores propostas do partido socialista e muito recentemente do governo permitem hoje uma discussão alargada das estratégias comuns e também diferenciadas que se colocam à política de cooperação portuguesa.Naturalmente que o decreto-lei nº 363 de 1985, ainda em vigor, recolheu a experiência vivida por um país que obrigado a décadas de isolamento, foi posteriormente capaz de concretizar, com naturalidade, a sua integração no quadro da cooperação internacional.É interessante verificar que dois aspectos considerados cruciais no diploma vigente são ainda hoje, na minha opinião, áreas de grande dificuldade e que evidenciam a necessidade de aprofundar a reflexão sobre a política de cooperação e encontrar mecanismos ágeis e adequados a uma realidade mundial multifacetada, em contínua transformação.Refiro-me ao reconhecimento, à data, da escassez de incentivos mobilizadores da população activa portuguesa no campo da cooperação e da necessidade de perspectivar e inscrever a cooperação “num âmbito mais generalizado, quer no aspecto territorial, alargando-o a outros países que não os de língua oficial portuguesa, quer no aspecto sectorial (incluindo o campo das relações de cooperação nos domínios técnico, económico e empresarial)”.De acordo com as diferentes fontes nacionais e internacionais, existe algum consenso no que diz respeito ao processo de avaliação da cooperação portuguesa para o desenvolvimento.Relativamente à cooperação bilateral evidencia-se a sua concentração nos países africanos de língua oficial portuguesa como reflexo dos laços históricos, linguísticos e culturais.Para além de geograficamente concentradas as acções politicas nesta área foram sempre determinadas por um modelo de prestação de ajuda dispersa por vários ministérios, pela administração local, pelas entidades públicas autónomas (nomeadamente as Universidades), sem a concretização de uma metodologia que coordenasse, avaliasse e articulasse as diferentes e comuns acções, projectos ou programas. No que se refere à cooperação multilateral no quadro da ajuda pública ao desenvolvimento, quer no âmbito das Nações Unidas, quer no âmbito da União Europeia a apreciação que é produzida reafirma a necessidade de construção de estratégias de cooperação para o desenvolvimento, da coordenação e avaliação das execuções, de um maior apoio ao sector das organizações não governamentais e de uma mais afectiva participação da sociedade portuguesa.Hoje pretende-se, é esse o sentido do nosso projecto, melhorar e adequar o estatuto do cooperante português às diversas solicitações que o país e o mundo registam.E por isso consideramos indispensável que, com rigor e imparcialidade, se avalie o nosso trajecto de intervenção cooperante, identificando resultados negativos e positivos e aproveitando exactamente as diferentes propostas hoje em discussão para produzir um estatuto de cooperante que não afaste vontades e disponibilidades para actuar nesta área, antes seja mobilizador de um trabalho em prol do outro ou no dizer constitucional regido pela “cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade”.Num mundo em que cerca de um quarto da população vive abaixo do limiar da pobreza absoluta, a não existência de acções permanentes de responsabilidade pelo desenvolvimento mundial e pela solidariedade internacional é uma atitude de cumplicidade.Não é acaso, nem coincidência que num recente estudo publicado que ordena 21 países, de acordo com a sua ajuda externa aos países mais pobres, a liderança seja assumida pelos Países Baixos e Dinamarca, Portugal apareça em 3º lugar, enquanto os Estados Unidos e Japão são os últimos classificados.Para além das transferências financeiras para os países pobres, o índice foi construído com base nas variáveis comércio, investimento, migrações, operações de manutenção de paz e ambiente.Enquanto o Japão se classifica em último lugar pelo fraco desempenho nas migrações, os Estados Unidos da América são avaliados pelos pobres desempenhos ambientais e nas operações de manutenção da paz.Hoje, a nova estrutura criada por este Governo, ao abrigo do Decreto-lei nº 5 de 2003, Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento, e que resulta da fusão do Instituto da Cooperação Portuguesa com a Agência Portuguesa de Apoio ao Desenvolvimento, afirma-se como “o instrumento central da política de cooperação para o desenvolvimento, e tem por finalidades principais num quadro de representação externa do Estado, melhorar a intervenção portuguesa e assegurar-lhe um maior relevo na política de cooperação e o cumprimento dos compromissos internacionais assumidos pelo Estado Português”.Parece-nos, por isso, de primordial importância que seja exactamente o estatuto do sujeito executor nas inúmeras frentes da cooperação aquele que necessariamente terá que ser objecto de melhoria e de adequação aos novos desafios.Foi também esse vector que pretendemos valorizar, ao apresentar, ainda antes da criação do novo Instituto, o projecto agora em discussão.Consideramos que as propostas possuem algumas similitudes e naturalmente diferenças.À guisa de exemplo, não nos parece distante dos objectivos formulados quer no nosso projecto, quer na proposta de lei do Governo, a criação de uma bolsa de cooperantes para que se conheça quem, como e onde se podem equacionar acções, programas e projectos de cooperação. É uma proposta inovadora no nosso texto e que nos apraz registar também no texto governamental. Uma outra vertente presente nas propostas em apreciação é a construção de um enquadramento jurídico que, na nossa opinião, deverá ser um incentivo à sociedade portuguesa, particularmente aos jovens que, nas diferentes áreas da sua qualificação pretendam adquirir como experiência de vida um projecto na área da cooperação e não um desincentivo à sua participação, ou mais grave ainda, uma penalização à sua opção de solidariedade.A experiência vivida nos últimos anos, com particular incidência nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa e sobretudo em Timor evidenciaram a imensa desprotecção de que são alvo os agentes de cooperação e tornaram mais explicita a necessidade de enquadrar com estabilidade e de forma continuada as intervenções e os sujeitos que as concretizam.Não são raras as vezes que, no decurso do trabalho a que se propuseram, os cooperantes se vêm confrontados com dificuldades na renovação de contratos ou mesmo em situações de assistência médica que obrigam à evacuação para Portugal, sem estar minimamente definido quem assume os custos ou como se processa o ressarcir das despesas entretanto efectuadas.Por isso o nosso projecto define com objectividade e rigor, consideramos, o que é o cooperante, os seus requisitos essenciais, a promoção e o âmbito da política de cooperação e quem devem ser os promotores dessa mesma política.Também as condições contratuais são objecto de particular atenção, visando responsabilidades e garantias, direitos e deveres dos interlocutores envolvidos.Matérias como a segurança social, a assistência médica e medicamentosa, a uniformização dos direitos sociais ou o seguro de vida pretendem salvaguardar um enquadramento jurídico da actividade do cooperante que o mobilize e incentive.Finalmente no que se refere às garantias do cooperante são ainda tratadas em normativo o regresso ao local de trabalho, o direito ao subsídio de desemprego, na ausência de vínculo laboral, bem como os deveres do actor da cooperação para com o Estado português e o Estado solicitante.No que se refere à iniciativa do partido socialista o texto retoma o projecto de lei apresentado pelo PSD em 1997, que à data não foi objecto de discussão na especialidade, quer na sua estrutura quer no seu conteúdo.A proposta de lei do governo assumindo como pretensão a adequação à realidade, é exígua, no nossa opinião, quanto aos direitos dos cooperantes e lata no exercício exaustivo dos seus deveres.Correndo por isso o risco de não dar resposta a uma das críticas que nacional e internacionalmente tem sido formulada à nossa politica de cooperação no que se refere à disponibilidade e mobilização dos recursos humanos.Senhor Presidente, Senhoras Deputadas Senhores Deputados, Consideramos que a importância da matéria em causa justifica uma aprofundada apreciação em sede de especialidade, para a qual poderão participar as diferentes iniciativas.Porque um cooperante em qualquer local do mundo, fá-lo em seu nome e em nome de Portugal.E quanto mais adequado, mais justo, mais valorizador e mobilizador for o estatuto enquadrador da sua acção, melhores resultados serão obtidos não só em prol da solidariedade mas também da Língua, da Cultura e da credibilidade de Portugal.

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