Intervenção de Paulo Sá na Assembleia de República

"Estamos a discutir o orçamento da banca e dos grupos económicos e não o do país"

Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo,

A discussão que estamos a fazer não é de um Orçamento do Estado. Estamos a discutir o orçamento do BPI, do BANIF ou do BCP que, juntos, receberam nos últimos dois anos, diretamente pela mão do Estado, 5.600 milhões de euros para a recapitalização e vão continuar a receber dinheiros públicos. Estamos a discutir o orçamento dos grupos Sonae, Jerónimo Martins, Amorim, EDP, GALP ou Mota Engil que vão arrecadar mais umas centenas de milhões de euros com a reforma do IRC e a beneficiar de regimes fiscais privilegiados.

Mas estamos também a discutir o sufoco de trabalhadores e reformados atingidos com novos e acrescidos roubos de salários e pensões, com mais desemprego, pobreza e miséria. Estamos a discutir a agravada ruína de pequenos e médios empresários e a falência de mais uns milhares de pequenas empresas. Por opção do Governo, a política orçamental é de fartura de uns à custa do desastre e da miséria de outros.

Este é o pior Orçamento do Estado para os trabalhadores e as famílias desde a assinatura, há dois anos e meio, do Pacto de Agressão da Troica. Com este Orçamento, o Governo agrava a opção de espoliar os trabalhadores e os reformados dos seus direitos e rendimentos para poder continuar a garantir os lucros e as rendas ao grande capital.

O Orçamento do Estado para 2014 agrava a linha de corte dos salários e das pensões, de redução ou mesmo eliminação das prestações sociais, de ataque ao Serviço Nacional de Saúde e à Escola Pública, de destruição e precarização do emprego e de aumento da carga fiscal sobre os trabalhadores e as famílias. Paralelamente ao Orçamento do Estado correm outras iniciativas legislativas do Governo, visando o corte das pensões da Caixa Geral de Aposentações através da designada convergência, e o despedimento de trabalhadores da administração pública, diretamente ou por intermédio da designada requalificação.

Se no Orçamento do Estado para 2013 a redução de salários e pensões foi consumada através de um “enorme” aumento da carga fiscal em sede de IRS – cerca de 3.000 milhões de euros adicionais relativamente ao ano anterior –, agora o Governo pretende impor um corte adicional de salários e pensões, ao mesmo tempo que mantém o saque fiscal dos trabalhadores e pensionistas. Adicionalmente à brutal redução dos rendimentos de quem vive do seu trabalho, o Governo avança com novos cortes nas funções sociais do Estado, em particular, na Saúde (menos 848 milhões de euros do que em 2012) e na Educação (menos 570 milhões de euros), cortes estes que acumulam aos já efetuados nos últimos anos. O Governo anuncia ainda a sua intenção de cortar mais de mil milhões de euros no investimento público, fazendo marcha atrás no desenvolvimento das infraestruturas, bens e equipamentos públicos, com consequências imediatas na degradação dos serviços prestados às populações, além de agravar o desemprego e condicionar fortemente o desenvolvimento do país.

Ao contrário do que a propaganda do Governo procura fazer crer, não há neste Orçamento do Estado – tal como não havia nos anteriores – qualquer repartição equitativa de sacrifícios entre o trabalho e o capital. Podemos mesmo afirmar que não há sequer distribuição de sacrifícios. Todos os sacrifícios impostos no âmbito do Pacto de Agressão da Troica e, em particular, nesta proposta de Orçamento do Estado, recaem sobre os trabalhadores e o povo. A banca e os grandes grupos económicos são os beneficiários desta política, apropriando-se de parcelas crescentes da riqueza nacional, seja através dos juros da dívida pública, das privatizações, das parcerias público-privadas, dos inúmeros benefícios fiscais, dos contratos swap especulativos, ou ainda de uma acentuada diminuição de impostos que o Governo lhes pretende assegurar por via da reforma do IRC.

Tentando enganar os portugueses, o Governo e os partidos da maioria parlamentar repetem até à exaustão que os sacrifícios são para todos e que à banca e aos grandes grupos económicos também caberia a sua quota-parte de sacrifícios. Usam, para sustentar esta mentira, o facto de o Orçamento do Estado exigir à banca e às empresas do setor energético uma contribuição adicional de 150 milhões de euros. Contudo, este montante representa apenas 4% do total da consolidação orçamental, enquanto os cortes nos salários e nas pensões dos funcionários públicos, trabalhadores das empresas públicas e aposentados da Caixa Geral de Aposentações, e os cortes nas funções sociais do Estado correspondem a 82% dessa mesma consolidação orçamental. Mas mais importante, os 150 milhões exigidos agora à banca e ao setor energético serão restituídos através de outras medidas, como, por exemplo, a reforma do IRC, a qual permitirá à banca e às grandes empresas poupar em impostos centenas de milhões de euros nos próximos anos. Estamos, assim, perante uma mistificação, destinada a tentar esconder dos portugueses que os sacrifícios recaem apenas sobre os trabalhadores e o povo.

Para o mais grave problema social que atinge o país, o desemprego, o Governo continua a não querer encontrar resposta. O próprio Orçamento do Estado reconhece que, com estas políticas, o desemprego continuará a crescer em 2014, atingindo nessas previsões 17,7%, ainda assim muito abaixo do nível efetivamente existente. O Governo não quer encontrar solução para o desemprego porque não tem interesse nisso. Porque sem desemprego o Governo teria mais dificuldade em impor reduções de salários ou aumentos de horários de trabalho. O Governo mantém mais de um milhão e quatrocentos mil desempregados porque essa é uma peça central da sua estratégia política.

Atuando de forma diligentíssima como conselho de administração do grande capital, o Governo procura ainda, ao arrepio da Constituição da República Portuguesa, concretizar uma velha aspiração da política de direita: reconfigurar o Estado à medida dos interesses da banca e dos grandes grupos económicos, à custa dos rendimentos dos trabalhadores e dos direitos sociais e laborais. Através de uma gigantesca operação de transferência de riqueza do trabalho para o capital, da qual este Orçamento do Estado é mais uma peça, o Governo quer impor um Estado mínimo para os trabalhadores e para as famílias e um Estado máximo para a banca e os grandes grupos económicos. Com esta política, não admira que o grande capital, nas sucessivas avaliações levadas a cabo no âmbito do Pacto de Agressão da Troica, brinde o Governo com classificações positivas!

A política do Governo e da troica de transferência de riqueza do trabalho para o capital é ilustrada de forma paradigmática pela reforma do IRC, cuja discussão corre em paralelo à discussão do Orçamento do Estado. As alterações ao Código do IRC propostas pelo Governo introduzirão uma maior injustiça na distribuição do esforço de financiamento do Estado e das suas funções. Se em 2011 os trabalhadores portugueses já pagavam de IRS quase o dobro do IRC pago pelas empresas, em 2014 o IRS será quase o triplo do IRC e nos anos seguintes este desequilíbrio tenderá a acentuar-se ainda mais. Ao mesmo tempo que se reduz o imposto pago pelas grandes empresas, agravam-se as dificuldades das micro e pequenas empresas e mantém-se um inqualificável saque fiscal aos trabalhadores e às famílias em sede de IRS. É esta a marca da política de classe deste Governo.

Com o Orçamento do Estado para 2014, o Governo pretende levar mais longe os cortes nos salários, nas reformas e pensões, nas prestações sociais e no investimento público, ao mesmo tempo que se propõe aumentar a verba que irá entregar à banca por conta do pagamento dos juros da dívida pública. Desde 2010 – ano de aplicação dos PECs, precursores do Pacto de Agressão da Troica – até 2014 a despesa com os juros da dívida aumentaram mais de 50%, passando de 4.800 para 7.300 milhões de euros. Estes números mostram claramente que, contrariamente ao que afirmaram o PS, PSD e CDS, o Memorando da Troica foi assinado, não para evitar que o Estado ficasse sem dinheiro para pagar salários e pensões ou para manter as escolas e hospitais a funcionar, mas para garantir que os credores nacionais e estrangeiros receberiam o capital e os juros da dívida pública até ao último cêntimo.

Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo,

No cenário macroeconómico apresentado no Orçamento do Estado para 2014, o Governo prevê um crescimento do PIB de 0,8%. Esta é uma estimativa propositadamente otimista para tentar criar a ilusão de que, depois da austeridade e recessão, se está a entrar num novo ciclo de crescimento económico. Não há qualquer novo ciclo; o que há é mais do mesmo!

Há exatamente um ano, o Governo apresentou um Orçamento do Estado que assentava numa previsão, também ela otimista, de recessão de 1%. Tal como na atual proposta de Orçamento do Estado, também nessa altura os efeitos recessivos da austeridade foram subestimados. Uns meses depois, o Governo, confrontado com as consequências das suas políticas, foi forçado a admitir uma recessão bem mais elevada. Mas, entretanto, já tinha usado o seu fantasioso cenário macroeconómico, para justificar a continuação de uma política que não serve os interesses do país.

Hoje, o Governo repete a encenação. Usa um cenário macroeconómico otimista para tentar fazer crer aos portugueses que já há uma luz ao fundo do túnel, esperando deste modo tornar menos insuportável a austeridade com que esmaga os trabalhadores, os reformados, as famílias e as micro e pequenas empresas.

Mas ainda que se verificasse um crescimento económico, esse crescimento sempre seria anémico – mesmo nas previsões otimistas do Governo – e não se traduziria nem em mais emprego, nem num acréscimo da qualidade de vida dos trabalhadores, já que é acompanhado de duríssimas medidas de redução dos rendimentos e dos direitos desses mesmos trabalhadores. Num quadro de aprofundamento do desequilíbrio na distribuição de riqueza entre o trabalho e o capital – a favor deste último – um crescimento do PIB continuaria a reverter a favor do capital.

O sucessivo incumprimento dos objetivos de consolidação orçamental – a redução do défice orçamental e da dívida pública –, quase que elevados pelo Memorando da Troica a desígnio nacional, é usado pelo Governo como um pretexto para ir impondo, ano após ano, uma política de saque dos rendimentos do povo português. Depois de 20.000 milhões de euros de medidas de austeridade, dirigidas contra os trabalhadores e os portugueses em geral, o défice orçamental não diminuiu significativamente e a dívida pública aumentou. Usando a redução do défice e da dívida como pretexto, o Governo prepara-se para prolongar as medidas de austeridade para além da conclusão do Memorando da Troica, em julho do próximo ano. Chamando-lhe programa cautelar ou segundo resgate o que o Governo pretende é aprofundar o processo de reconfiguração do Estado, moldando-o à medida dos interesses da banca e dos grandes grupos económicos, à custa dos direitos e rendimentos dos trabalhadores e do povo.

Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo,

Rejeitando a opção do Governo e da Troica, de tirar aos trabalhadores e ao povo para dar à banca e aos grandes grupos económicos, o PCP irá propor, na discussão na especialidade do Orçamento do Estado, um conjunto de propostas das quais destacamos a renegociação da dívida, a suspensão e extinção das parcerias público-privadas e a anulação dos contratos swap.

Destacamos, pela sua importância, a proposta que apresentamos para a renegociação da dívida. O PCP proporá um regime de renegociação da dívida pública que estabeleça um limite máximo para o pagamento de juros da dívida pública, em 2014, correspondente a 2,5% do valor das exportações de bens e serviços. Esta proposta, que se traduz numa redução da despesa superior a 5.600 milhões de euros, assegura ainda que é paga a componente legítima da dívida pública sem empobrecer os portugueses e sem afundar a economia nacional.

O próprio Governo reconhece, na proposta do Orçamento do Estado, que em 2014, sem renegociação, a dívida pública continuará a aumentar em termos nominais. O Memorando da Troica, na sua versão inicial, previa que a dívida atingisse os 109% do PIB em 2013. Na realidade, já ultrapassou os 130%. Com as políticas da troica, a dívida pública, em vez de diminuir, aumentou! A proposta do PCP, formulada em abril de 2011, de renegociação da dívida em alternativa ao Memorando da Troica mereceu a rejeição do PS, PSD e CDS, que a consideraram irrealista e até irresponsável. Dois anos e meio depois, a necessidade de renegociação da dívida tornou-se um imperativo nacional, admitido por setores cada vez mais amplos da sociedade portuguesa, mesmo por alguns daqueles que na altura a criticaram.

Apresentaremos também uma proposta de redução com os encargos com as parcerias público-privadas, transferindo para as entidades concessionárias apenas as receitas obtidas com a exploração e assegurando, excecionalmente, os recursos adicionais necessários à prestação dos serviços e à manutenção dos postos de trabalho quando aquelas receitas não forem suficientes. Esta proposta, que permite obter já em 2014 uma redução significativa das despesas do Estado, deverá ser acompanhada de um processo de extinção das parcerias público-privadas e a sua consequente reversão para o Estado.

Proporemos, por fim, a anulação dos contratos swap ainda existentes entre empresas públicas e o banco Santander, recusando que os impostos dos portugueses ou o endividamento do Estado continuem a pagar a especulação e apontando uma poupança máxima de cerca de 1.225 milhões de euros.

Estas e outras propostas que apresentaremos em sede de discussão na especialidade do Orçamento do Estado permitem a redução substancial da despesa do Estado, não à custa dos trabalhadores e do povo como faz o Governo, mas travando o escoamento de dinheiro público para os cofres da banca e dos grandes grupos económicos, nacionais e estrangeiros.

Recusando liminarmente as opções do Pacto de Agressão da Troica, subscrito pelo PS, PSD e CDS, apresentaremos um conjunto de propostas de alteração ao Orçamento do Estado que afirmem uma política alternativa, patriótica e de esquerda, de que o país necessita para sair da grave situação em que se encontra. Propostas que defendam os salários, as pensões e as prestações sociais, que defendam as funções sociais do Estado como elemento essencial para a concretização de uma democracia nas suas múltiplas dimensões política, económica, social e cultural. Propostas que apontem uma outra política económica mas também uma mais justa redistribuição da riqueza.

Disse!

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