Projecto de Lei N.º 167/XII

Estabelece a universalidade do acesso à televisão digital terrestre e o alargamento da oferta televisiva

Estabelece a universalidade do acesso à televisão digital terrestre e o alargamento da oferta televisiva

Exposição de Motivos

O processo de desligamento da rede de emissão analógica de televisão, no quadro da introdução da TDT em Portugal, está a prejudicar de forma muito grave o interesse público e a vida concreta das populações. De norte a sul do país, estão a ser sacrificadas as condições de vida das pessoas, em particular das camadas mais desfavorecidas, mais isoladas, principalmente os mais idosos.

O PCP alertou para esta situação, e propôs medidas concretas e urgentes que teriam contribuído para resolver o problema. No debate de urgência em Plenário, promovido e agendado por este Grupo Parlamentar no passado 5 de Janeiro, chamámos a atenção do Governo e da Assembleia da República para os perigos que estavam colocados com o “apagão analógico”, com milhares de pessoas que atualmente estão cobertas por sinal analógico, e que pura e simplesmente vêm os emissores e retransmissores das suas regiões desligados. São inúmeros os retransmissores que atualmente servem as populações com qualidade e que vão ser pura e simplesmente desligados.

Afirma-se que a cobertura TDT atual chega a 90% da população (muito abaixo dos atuais 98% de cobertura da RTP1), mas a realidade é outra. Os dados da ANACOM baseiam-se em simulações feitas em computador, ignorando variáveis como condições meteorológicas, variações locais de relevo ou obstrução das antenas. Chegam-nos os testemunhos de que, em muitas áreas supostamente cobertas, não é possível captar a TDT. Noutras zonas, por exemplo dentro da zona piloto de Alenquer (com inúmeras reclamações sem resposta efetiva da ANACOM), em condições meteorológicas adversas o sinal cai completamente.

São demasiados os casos dos concelhos onde, em todo o seu território ou na sua grande maioria, nenhuma alternativa existe senão o acesso à televisão por satélite – à semelhança do que sucede nas zonas mais remotas do planeta! Apenas a título de exemplo, são os casos de Vila Praia de Âncora, Paredes de Coura, Vieira do Minho, Arganil, Manteigas, Portel, Ferreira do Alentejo, Almodôvar, Alcoutim, Oliveira do Hospital, Seia, Vouzela, Castro Daire, Grândola, Ourique, ou ainda do Grupo Ocidental do Arquipélago dos Açores.

Esta realidade impunha – e o PCP propôs nesse debate em Plenário – o adiamento e a recalendarização do processo de desligamento das emissões de televisão em sinal analógico, para garantir a necessária salvaguarda do acesso da população às emissões televisivas.

O adiamento foi rejeitado com o voto contra dos deputados do PSD e do CDS – mas afinal a sua concretização foi decidida no mesmo dia e anunciada no dia seguinte. Por decisão de 5 de Janeiro de 2012, ratificada por deliberação de 6 de Janeiro, a ANACOM aprovou o «ajustamento da calendarização dos desligamentos a ocorrer na 1.ª fase do plano para a cessação das emissões analógicas terrestres de televisão».

Foram adiados os desligamentos para dia 23 de Janeiro (emissor da Foia - Monchique; com os retransmissores do sudoeste alentejano e costa vicentina), e para dia 1 de Fevereiro (emissor de Lisboa-Monsanto com os retransmissores da Grande Lisboa e Vale do Tejo).

Será agora desligado, no dia 13 de Fevereiro, o emissor de Reguengo do Fetal e retransmissores de Vale de Santarém, Sobral da Lagoa, Mira de Aire, Candeeiros, Alcaria, Tomar, Ourém, Caranguejeira, Leiria, Alvaiázere, Avelar, Pombal, Castanheira de Pera, Espinhal, Senhora do Circo, Padrão, Ceira dos Vales, Vale de Açôr, Vila Nova de Ceira, Ceira, Coimbra, Caneiro, Cidreira, Lorvão, Penacova, Mortágua, Avô e Benfeita.

Para o dia 23 de Fevereiro está marcado o agendamento do emissor de São Macário, com os retransmissores: Préstimo, Viseu, Cedrim, Vouzela, Vale de Cambra, Covas do Monte, Santa Maria da Feira, Arouca, Rio Arda, Lalim, Vila Nova de Gaia, Foz, Valongo, Santo Tirso, Caldas de Vizela, Caldas de Vizela II, Amarante, Gondar, São Domingos, Ancede, Caldas de Aregos, Resende, Lamego e Santa Marta de Penaguião.

A ANACOM deu assim razão ao PCP, ainda que agindo em termos insuficientes, por não se garantir o conjunto de medidas necessárias para salvaguardar a universalidade do acesso à emissão terrestre. Importa por isso criar o quanto antes os mecanismos jurídicos eficazes para salvaguardar essa mesma universalidade de acesso, e isso implica agir e tomar medidas legislativas.

O âmbito de cobertura territorial da TDT, por emissão terrestre, não pode ser inferior ao que de melhor se conseguiu na rede analógica; não pode significar um retrocesso: tem de representar um avanço em acessibilidade. Por isso tem de ser, pelo menos, equivalente à cobertura territorial da emissão analógica dos canais mais abrangentes da RTP, que se verificava antes do início do “apagão”.

Entretanto, subsiste o problema da oportunidade perdida que tem sido o processo da Televisão Digital Terrestre, e a ameaça de degradação que pode até daí resultar para a acessibilidade do Serviço Público de Televisão.

Aquilo que poderia constituir uma importante oportunidade para melhorar, não apenas a qualidade do serviço prestado, mas também o alargamento da oferta do número de canais disponibilizados de forma gratuita à população portuguesa, está a ser transformado na prática numa descarada operação de alargamento do acesso a televisão paga, beneficiando desta forma os lucros das operadoras que fornecem esse serviço e condicionando, no presente e no futuro o papel do serviço público de televisão.

Assim, o que se verifica na prática é que todo o desenvolvimento deste processo tem sido condicionado e orientado, não pela defesa do bem público, mas sim pela defesa de interesses privados de grandes grupos económicos, nomeadamente das operadoras de telecomunicações e em particular da PT. É urgente inverter esta situação, e defender o interesse das populações neste processo.

Tal como o PCP tem sublinhado, com a TDT o país pode ter mais serviço público em sinal aberto e não menos. É possível obter economias de escala e gerir melhor os recursos, com mais e melhor oferta de Serviço Público de Televisão. Não é isso que está a acontecer. A TDT podia ser a oportunidade para uma oferta televisiva para todos. Que incluísse em todas as emissões a possibilidade de acesso a tradução para língua gestual, a legendagem em direto, a áudio-descrição.

Por toda a Europa, a introdução da TDT foi fator de maior variedade de oferta televisiva. Portugal, pelo contrário, é o país europeu com o menor número de canais nesta plataforma. As experiências verificadas noutros países como o Reino Unido com um papel destacado da BBC na disponibilização de dezenas de canais, ou em Itália com a RAI, ou mesmo em Espanha com a TVE, deveriam ser potenciadas no nosso país com um papel de destaque por parte da RTP.

É imperioso que sejam integrados na plataforma da TDT os diversos canais da RTP, canais esses que estão previstos na concessão de Serviço Público de Televisão e que devem ser acessíveis a todos os cidadãos em sinal aberto e sem condicionamentos.

Finalmente, sendo o Canal Parlamento um serviço da Assembleia da República de inegável interesse público, fator de conhecimento e cidadania, não se pode restringir apenas aos utilizadores das plataformas pagas de TV (por cabo, designadamente) o acompanhamento e a informação em tempo real que este canal proporciona. Daí que seja da mais elementar justiça disponibilizar as suas emissões, em sinal aberto e através da TDT, a todo o conjunto da população portuguesa.

Assim, ao abrigo do disposto no Artigo 156.º da Constituição da República e do Artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º
Objeto
1 – Pela presente lei é garantida a universalidade do acesso à televisão digital terrestre e o alargamento da oferta televisiva a todos os canais do serviço público e ao Canal Parlamento.

Artigo 2.º
Área de cobertura
1 – A emissão da rede nacional da televisão digital terrestre garante obrigatoriamente uma cobertura territorial igual ou superior à cobertura da emissão televisiva analógica da RTP 1, verificada a 1 de Janeiro de 2012.
2 – A emissão da rede nacional da televisão digital terrestre é obrigatoriamente garantida através do sistema DVB-T, pela correspondente rede terrestre de emissão hertziana, não podendo exigir a utilização pelos cidadãos de sistemas de receção via satélite.

Artigo 3.º
Canais de difusão obrigatória
O serviço universal de televisão digital terrestre previsto na presente lei abrange obrigatoriamente:
a) Todos os canais que integram o serviço público de televisão, incluindo os canais de âmbito nacional, internacional e regional, bem como os demais canais difundidos através das plataformas de televisão por cabo.
b) Os canais dos operadores privados nos termos legalmente e contratualmente estabelecidos.
c) O Canal Parlamento, mediante deliberação da Assembleia da República.

Artigo 4.º
Adaptações contratuais
O Governo procede, no prazo de 90 dias, às adaptações contratuais necessárias para o cumprimento integral do disposto na presente lei.

Artigo 5.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, em 7 de Fevereiro de 2012

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