Projecto de Lei N.º 152/XII

Estabelece um regime transitório de isenção de propinas e de reforço do apoio aos estudantes do ensino superior

Estabelece um regime transitório de isenção de propinas e de reforço do apoio aos estudantes do ensino superior

O país está confrontado com uma profunda recessão económica e uma dramática situação social. Uma realidade que, sendo inseparável de mais de 35 anos de política de direita, do processo de integração capitalista na União Europeia, da natureza do capitalismo e da crise, é brutalmente agravada com a concretização pelo atual governo do Pacto de Agressão que PS, PSD e CDS subscreveram com o FMI e a União Europeia.

Depois de uma década de estagnação económica com períodos recessivos, a concretização nos últimos meses das chamadas medidas de austeridade, submetidas à ditadura do “défice” e aos interesses do grande capital, colocam no horizonte, não a resolução dos principais problemas do país, mas uma prolongada recessão económica e enorme regressão das condições de vida do povo português durante as próximas décadas.

Por tudo isto, fazer face às despesas da educação exige das famílias um esforço de sobrevivência injusto, fruto da desresponsabilização do Estado e do profundo corte do investimento público para a educação. De acordo com dados do INE, as despesas das famílias com a Educação aumentaram nos últimos 8 anos 74,4% - os custos com a educação no ensino superior cresceram a um ritmo mais de 3 vezes superior à inflação média anual entre 2002-2010.

A profunda limitação da atual Lei da Ação Social Escolar, os sucessivos cortes nos apoios diretos e indiretos da Ação Social Escolar (ASE), a ausência de políticas efetivas de apoio aos estudantes e de garantia da igualdade de oportunidades, a responsabilização das famílias pelo pagamento dos custos exorbitantes de acesso e frequência do ensino superior – propinas, transportes, alojamento, alimentação, livros e material escolar – tem conduzido ao abandono escolar de milhares de estudantes do ensino superior.

No artigo 73.º da Constituição lê-se que “Todos têm direito à educação e à cultura”, e que para tal “O Estado promove a democratização da educação e as demais condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida coletiva”.

Para cumprir e fazer cumprir a Constituição, os sucessivos governos deveriam ter efetivado políticas de financiamento do ensino superior público e de ação social escolar que concretizassem este comando constitucional. Contudo, a política educativa dos sucessivos governos PS, PSD e CDS tem caminhado exatamente no sentido de desrespeito e violação da Constituição. O caminho da massificação e da democratização do acesso ao ensino superior, conquistado com a Revolução de Abril, tem sido desenvolvido, designadamente desde os últimos 20 anos, à custa da desresponsabilização do Estado e da responsabilização das famílias, para a prossecução de um objetivo mais profundo de desfiguração do Estado que têm praticado, contrariamente à Constituição.

A situação dramática de abandono e dificuldades profundas com que milhares de estudantes estão confrontados é inaceitável. Neste contexto, o Estado deve assumir o seu papel na salvaguarda dos direitos fundamentais dos estudantes, e simultaneamente, proteger a estrutura científica e técnica nacional.

No ano letivo 2009/2010 num universo de cerca de 73.000 bolseiros apenas 119 tinham bolsa máxima. No ano letivo 2010/2011 com a aplicação do Decreto-Lei n.º 70/2010, 11 mil estudantes perderam bolsa e 12 mil estudantes tiveram redução no valor da bolsa. Para além disto, o preço do alojamento nas residências e da refeição nas cantinas de Ação Social sofreram aumentos.

Com o ano letivo 2011/2012, e a publicação por parte do Governo PSD/CDS de alterações ao regulamento de atribuição de bolsas, no sentido da regulamentação da Lei n.º15/2011, o atraso na resposta sobre a aprovação das candidaturas e os indeferimentos que têm sido divulgados, confirmam as preocupações do PCP aquando da discussão Orçamento de Estado para 2012, e da verificação do corte de 21,12% no Fundo de Ação Social, e de 90.033.405 milhões de euros nas transferências para os serviços de Ação Social Indireta das Instituições de Ensino Superior Público.

O PCP dirigiu ao Governo PSD/CDS de forma reiterada várias perguntas no sentido de conhecer o impacto do novo regulamento no universo de estudantes do ensino superior, sem que nunca tivessem tido resposta. No Relatório do Conselho Nacional de Educação (CNE) sobre “Estado da Educação 2011 – A Qualificação dos Portugueses” não é também possível encontrar qualquer referência estatística sobre o número de estudantes abrangidos pela ação social direta e indireta.

Perante esta situação dramática e exigente, o Estado deve assumir o seu papel na salvaguarda dos direitos dos estudantes, impedindo que por razão de insuficiência económica e financeira seja negado um direito constitucional aos jovens portugueses.

O Partido Comunista Português e a Juventude Comunista Português defendem desde sempre a gratuitidade do Ensino em todos os seus graus, e para tal, o fim das propinas, taxas e emolumentos cobrados nas Instituições de Ensino Superior, como garante da justiça, igualdade e qualidade no acesso e frequência. Contudo, dado o atual contexto económico e social penalizador de vastas camadas da população, o PCP propõe um regime transitório de isenção de propinas; o reforço dos mecanismos de ação social escolar indireta – preço da senha de refeição, alojamento, transporte; e abertura de novas fases de candidatura.

Nestes termos, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo-assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1.º
Objecto

A presente lei estabelece um regime suplementar de apoio aos estudantes do ensino superior, cuja insuficiência de recursos económicos comprometa o seu direito a frequentar esse grau de ensino, por via do reforço dos mecanismos de acção social escolar e da isenção do pagamento de propinas.

Artigo 2.º
Âmbito

A presente lei aplica-se a todos os estudantes matriculados num estabelecimento de ensino superior, público ou privado.

Artigo 3.º
Isenção do pagamento de propinas, taxas e emolumentos

1. Estão isentos do pagamento de propinas, taxas e emolumentos, todos os estudantes que se encontrem numa das seguintes condições:

a) Pertençam a agregado familiar que aufira um rendimento mensal per capita igual ou inferior ao valor mínimo estabelecido nos termos do n.º 2 do artigo 16.º da Lei n.º 37/2003, de 22 de Agosto, na redacção dada pela Lei nº 49/2005, de 30 Agosto;

b) Se encontrem em situação de desemprego ou pertençam a um agregado familiar no qual, pelo menos, um membro se encontre em situação de desemprego;

c) Sejam beneficiários de qualquer apoio da acção social escolar.

2. Os estudantes que se encontrem numa das condições referidas no número anterior e que estudem numa instituição privada de ensino superior recebem, como apoio máximo, o valor da propina máxima cobrada nas instituições de ensino superior público, nos termos da lei.

Artigo 4.º
Requerimento de isenção

As isenções de propinas, taxas e emolumentos previstas na presente lei são requeridas junto:
a) Dos serviços de acção social das respectivas instituições, no caso dos estudantes do ensino superior público;
b) Dos serviços do Ministério da Educação e Ciência, no caso dos estudantes do ensino superior privado.

Artigo 5.º
Transferências do valor das propinas, taxas e emolumentos, para as instituições públicas de Ensino Superior

1. O Estado transfere para cada instituição de ensino superior público o valor correspondente à propina aí fixada, multiplicada pelo número de estudantes matriculados que beneficiem de isenção nos termos da presente lei.

2. A transferência prevista no número anterior decorre nos prazos regulares de transferência do financiamento do Orçamento do Estado para cada instituição, com a excepção do presente ano.

3. O apoio suplementar de isenção de propinas, taxas e emolumentos destinado aos estudantes do ensino privado é feito directamente entre os serviços de acção social e o estudante.

Artigo 6.º
Refeições sociais

1. O preço máximo da refeição subsidiada no âmbito da acção social escolar para estudantes do ensino superior é fixado em € 1, sendo actualizado anualmente em valor correspondente à inflação verificada, por despacho do Ministro da Educação e Ciência.

2. Aos estudantes que preencham os requisitos previstos no artigo 3.º são distribuídas senhas de refeição gratuita, sem prejuízo das distribuições gratuitas de senhas de refeição já garantidas, à data da entrada em vigor da presente lei.

Artigo 7.º
Transportes

1. Os estudantes do ensino superior beneficiam de uma redução do preço do título de transporte, correspondente a um desconto de 50% no valor da tarifa inteira relativa aos passes mensais em vigor, designadamente os intermodais, os combinados e os passes de rede ou de linha, e bilhetes simples ou pré-comprados, correspondentes ao percurso efetuado.

2. Aos estudantes que preencham os requisitos previstos no artigo 3.º é paga a totalidade do preço do passe.

3. As compensações financeiras a atribuir aos operadores de transportes em razão da obrigação tarifária decorrente da presente lei são estabelecidas em termos a acordar entre o Governo e as empresas de transporte.

Artigo 8.º
Fase complementar de candidaturas a bolsas e apoios de ação social

1. O processo de candidatura a apoio no quadro da ação social escolar decorre uma vez no início de cada semestre.

2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, o estudante tem direito a requerer revisão do seu processo de candidatura a apoio de ação social escolar sempre que se verifiquem alterações na sua situação económica ou na do seu agregado familiar, relativamente à data da análise e decisão do seu processo pelos serviços competentes.

Artigo 9.º
Alojamento

1. O alojamento dos estudantes do ensino superior público nas residências da ação social escolar é gratuito.

2. Para efeitos do número anterior, têm prioridade na colocação em residências de ação social os estudantes bolseiros e os estudantes abrangidos pelo disposto no artigo 3.º, desde que considerados estudantes deslocados, seguindo-se-lhes os restantes estudantes de acordo com a sua condição social e ponderada a distância à área de residência.

Artigo 10.º
Matrícula na instituição de Ensino Superior

A matrícula e o ingresso nas instituições de ensino superior público não estão dependentes do pagamento de propina, independentemente da modalidade escolhida por cada instituição para esse pagamento.

Artigo 11.º
Normas transitórias

1. Até ao final do ano orçamental em curso, as instituições públicas de ensino superior comunicam em cada mês ao Ministério da Educação e Ciência, o número de estudantes abrangidos pelo disposto na presente lei, para efeitos de reembolso do montante das isenções de propinas concedidas.

2. O reembolso devido nos termos do número anterior é processado pelo Ministério da Educação e Ciência no prazo de 30 dias após a comunicação.

3. Os estudantes do Ensino Superior Público que se encontrem em condições de beneficiar da isenção prevista na presente lei e que já tenham efectuado o pagamento, parcial ou integral, das respetivas propinas, taxas e emolumentos podem requerer ao Ministério da Educação e Ciência, o reembolso dos montantes despendidos, o qual deve ser processado no prazo de 30 dias.

4. O Orçamento do Estado contempla a transferência dos montantes necessários para o cumprimento da presente lei, para os serviços de acção social escolar das instituições de ensino superior público.

Assembleia da República, em 26 de Janeiro de 2012

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