Intervenção de Jorge Machado na Assembleia de República

Estabelece um regime de prestação de informação sobre remunerações, suplementos e outras componentes remuneratórias dos trabalhadores de entidades públicas, com vista à sua análise, caracterização e determinaç. das medid. de polít. remuneratória adequadas

(proposta de lei n.º 145/XII/2.ª)

Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:
A presente proposta de lei tem como objetivo, como aqui foi referido, a recolha de informações em toda a Administração Pública sobre as remunerações, os suplementos e outras componentes remuneratórias dos trabalhadores em todas as entidades públicas.
A primeira questão que queríamos colocar é esta: então, não conhecem? Então, têm dois anos de Governo e ainda não sabem quais são as componentes dos salários? Então, fazem todo um discurso em torno dos cortes porque não há dinheiro e nem sequer sabem o que estão a pagar? Isto é uma tremenda incompetência passados dois anos de Governo.
Mas temos grandes dúvidas relativamente a este diploma. Não sabemos se o mesmo é necessário, isto é, se não poderíamos, por outras vias, por outros instrumentos, obter a mesma informação.
Na verdade, nada temos contra a informação. No entanto, o objetivo, em concreto, é cortar nos direitos dos trabalhadores. Aliás, a própria proposta de lei, no seu preâmbulo, refere que o objetivo é rever a tabela remuneratória. Ou seja, esta proposta de lei é meramente instrumental para atacar quem trabalha, para atacar os salários.
É essa a intenção e este facto, por si só, é mais do que suficiente para o PCP votar contra. Mas há outras questões.
A proposta de lei diz que se os dirigentes não cumprirem, não enviarem a informação, então, teremos um corte de 15% nos orçamentos dos serviços. Mais, há um congelamento dos processos de recursos humanos, isto é, de contratações, e há um congelamento da aquisição de bens e serviços. Isto é, os utentes, os portugueses é que irão pagar porque ficam com os serviços públicos comprometidos caso um dirigente decida não enviar a informação. Ora, isto é inaceitável.
Em última instância — diz a proposta de lei — o não envio da informação pode levar à cessação da comissão de serviço ou do mandato do dirigente.
Importa aqui dizer, como refere o parecer da Comissão Nacional de Proteção de Dados, o qual é demolidor para a presente proposta de lei, que este diploma se aplica às autarquias locais, aos serviços do Presidente da República, à Assembleia da República, aos tribunais, ao Ministério Público, a entidades administrativas independentes, a entidades reguladoras e demais pessoas coletivas de direito público dotadas de independência, como a Comissão Nacional de Proteção de Dados, violando de uma forma grosseira aquilo que é uma conquista da Revolução Francesa, que é a separação de poderes. Não sei se ouviu falar dessa matéria,
mas é um princípio basilar do direito democrático.
Assim (e chamo a vossa atenção para isto, Srs. Deputados), se os tribunais ou mesmo a Assembleia da República, entre outros organismos, não enviarem informação, então, quer juízes quer a Presidente da Assembleia da República teriam como consequência última a sua demissão, a perda do seu mandato, em função desta legislação.
Ora, isto é uma ingerência verdadeiramente inaceitável que interfere com aquilo que é a mais elementar separação de poderes que existe em qualquer país democrático.
Aliás, a nota técnica feita pelos serviços desta Assembleia diz o seguinte: «A sua aplicação aos serviços de órgãos de soberania como o Presidente da República e a Assembleia da República, constituindo estes órgãos em deveres de prestação de informação ao Governo e em responsabilidades perante este pelo seu incumprimento, levanta justificadas dúvidas de constitucionalidade».
Portanto, é este o fim que naturalmente é dado a esta iniciativa.
Por fim, a Comissão Nacional de Proteção de Dados suscita uma outra questão relativamente ao tratamento e salvaguarda dos dados pessoais. Diz a Comissão Nacional de Proteção de Dados que, estando em causa tratamento de dados sensíveis, o responsável pelo tratamento não pode iniciá-lo sem que tenha previamente obtido autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados.
O Governo não tem essa autorização, pelo que viola este mesmo princípio legal.
Mais, alerta a Comissão Nacional de Proteção de Dados para os perigos que resultam da circulação destes dados pela Internet.
Dito isto, não resta «pedra sobre pedra». E o caminho desta proposta de lei é o caixote do lixo.

  • Administração Pública
  • Assembleia da República
  • Intervenções