Intervenção de

Entrada, permanência, saída e afastamento do território nacional de imigrantes - Intervenção de António Filipe na AR

 

 

Regime de entrada, permanência, saída e afastamento do território nacional de imigrantes

Sr. Presidente e Srs. Deputados,

Não nos inscrevemos para formular pedidos de esclarecimento porque estamos perfeitamente esclarecidos com a leitura dos projectos apresentados (projecto de lei n.º 592/X, projecto de lei n.º 596/X e projecto de resolução n.º 384/X) e com a intervenção que aqui foi proferida.

Esta, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é a proposta mais reaccionária que alguma vez foi apresentada em Portugal, nesta Assembleia, visando os cidadãos estrangeiros.

É bom lembrar o que estabelece o artigo 13.º da nossa Constituição: «Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei».

E mais: «Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado ou privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual».

Ora, estes projectos contrariam frontalmente esta disposição: não reconhecem aos cidadãos estrangeiros a mesma dignidade que aos nacionais, tratam os estrangeiros com desconfiança, como potenciais delinquentes e com hostilidade.

E isto, Srs. Deputados, tem um nome, chama-se xenofobia!

O CDS invoca outros países da União Europeia e faz mal em invocar esses exemplos, porque os maus exemplos que vêm de alguns países europeus não devem ser seguidos, devem ser combatidos.

E, pela nossa parte, combatê-los-emos firmemente.

Veja-se, aliás, o absurdo em que estão a cair as políticas defendidas por alguns líderes europeus: todos os dias são publicados estudos que reconhecem que a Europa precisa de mais imigrantes, por todas as razões, e todos os dias são anunciadas medidas destinadas, precisamente, a hostilizar e a estigmatizar os trabalhadores imigrantes.

É um perfeito absurdo! Vejamos, em concreto, as propostas do CDS-PP.

Em primeiro lugar, a proposta absurda de obrigar a um contrato de imigração, a ser assinado pelos cidadãos estrangeiros para obterem autorização de residência.

Nós entendemos que os cidadãos devem ter um contrato de trabalho em condições que os proteja da exploração a que estão sujeitos pelo facto de se encontrarem numa situação de maior fragilidade, e não um contrato de imigração!

O contrato de imigração representa o compromisso de respeitar as leis portuguesas e a disponibilidade para aprender a língua portuguesa.

Ora, isto significa que os cidadãos estrangeiros que vivem hoje em Portugal não estão obrigados a cumprir as leis portuguesas?

Significa que, se amanhã houvesse um contrato deste tipo, o cidadão que não o tivesse assinado poderia dizer: «Eu não tenho de respeitar as leis portuguesas porque não assinei nada a dizer que as respeitava».

Isto é um absurdo total!

Ou então, para respeitar o princípio constitucional da igualdade, vamos todos, quer cidadãos nacionais quer estrangeiros, assinar um papelinho a dizer que nos comprometemos a respeitar as leis do nosso país.

O que esta proposta significa é que para o CDS os estrangeiros são alguém de quem se desconfia, não são de fiar, presumem-se delinquentes. Isto não é um contrato de imigração, isto é, nem mais nem menos, um contrato de estigmatização, que merece todo o nosso repúdio.

Quanto à disponibilidade para aprender português, é uma evidência que é do interesse de todos os cidadãos estrangeiros que vivem em Portugal, ou de qualquer cidadão estrangeiro que viva em qualquer parte do mundo, aprender português. Mas é a vida que o impõe. Não é por se assinar um papel a dizer que se está disponível para aprender português que se aprende mais ou menos.

O CDS insiste em regressar às quotas, ao sistema puro e duro das quotas, quando foi a vida que derrotou as quotas.

O sistema das quotas que o PS, há uns anos atrás, em má hora, acordou com o foi votado ao ridículo, porque, pura e simplesmente, reprovou na vida.

E, portanto, ninguém entrou em Portugal ao abrigo da lei das quotas.

Mas aquilo que o CDS aqui propõe é mais do que isso, é que haja sectores da economia vedados a estrangeiros, o que põe em causa, obviamente, o direito dos cidadãos estrangeiros ao trabalho. Isto só teria uma consequência, que era aumentar a imigração ilegal, e nós por esse caminho não vamos.

Na proposta que faz para o artigo 88.º da lei de estrangeiros, o CDS pretende reduzir as possibilidades de legalização, por via do não reconhecimento do contrato de trabalho, excluindo a possibilidade da intervenção das associações e dos sindicatos neste processo.

Ora, o CDS não deve ignorar que, ao excluir a possibilidade de suprir a recusa da entidade patronal em fornecer o contrato de trabalho, isso condenaria muitos cidadãos que trabalham em Portugal à ilegalidade. Isto não faz qualquer sentido.

Nos outros artigos, o CDS pretende alargar os critérios de expulsão e de aplicação da prisão preventiva a cidadãos estrangeiros, reduzir os casos de concessão de autorização de residência por razões humanitárias e abrir a porta à expulsão indiscriminada, até dos requerentes de asilo - imagine-se!

Para complicar a vida aos estrangeiros, Srs. Deputados, já bastam as leis que temos, já bastam as exigências do SEF, não é preciso vir o CDS-PP com propostas que compliquem ainda mais a vida, já de si difícil, dos imigrantes.

Aliás, estes projectos de lei são insultuosos para os cidadãos estrangeiros que vivem e trabalham em Portugal. Em matéria penal, os estrangeiros devem ser tratados como são os portugueses: quem comete crimes deve ser punido, ponto final!

Quem é suspeito de cometer crimes deve ser investigado, com respeito pela sua presunção de inocência.

Não é aceitável que todos os cidadãos, por serem estrangeiros, sejam tratados como suspeitos de vir a cometer crimes.

Os cidadãos estrangeiros não podem ser nem mais nem menos suspeitos do que qualquer um de nós, Srs. Deputados!

Não é crime ser estrangeiro!

Não pode, em caso algum, ser considerado que, em matéria de prática de crimes, o facto de ser estrangeiro é meio caminho andado.

Recusamos qualquer sinal que vá nesse sentido, daí que estes projectos de lei não merecem só a nossa oposição, merecem, verdadeiramente, o nosso repúdio.

Vamos, então, às propostas respeitantes à Lei da Nacionalidade.

Sr. Presidente,

Srs. Deputados:

Entendemos que constituem um motivo de orgulho as alterações que, no início destra legislatura, foram feitas à Lei da Nacionalidade, na medida em que foi possível, ao abrigo da nova legislação, aprovada em 2006, reconhecer a nacionalidade portuguesa a cidadãos que não têm, nem nunca tiveram, outra Pátria que não seja a nossa e a quem não era reconhecida a nacionalidade portuguesa.

Até 2006, a Lei da Nacionalidade era um grande obstáculo à integração social de cidadãos filhos de estrangeiros, nascidos e residentes em Portugal, alguns deles há muitos anos.

Alguns obstáculos absurdos foram removidos e hoje é menos difícil obter a nacionalidade portuguesa por naturalização.

Simplesmente, o CDS, agora, quer que se volte para trás.

Muito recentemente, tivemos acesso aos dados da EUROSTAT acerca dos processos de aquisição de nacionalidade por naturalização nos vários países da União Europeia e o número de processos de aquisição da nacionalidade por naturalização reconhecida em Portugal foi, em 2006, de 3600, tendo representado um acréscimo muito grande em relação aos anos anteriores. Ora, estes 3600 processos, em 2006, nada têm a ver com os 31 000 da Bélgica, com os 62 000 da Espanha, com 147 000 de França, com os 29 000 da Holanda, para citar um país com uma dimensão parecida com a nossa, ou com os 154 000 do Reino Unido.

Os números do reconhecimento da nacionalidade portuguesa a cidadãos estrangeiros aqui residentes nada têm a ver com os números - pela negativa, claro! - de concessão da nacionalidade nos outros países da União Europeia.

Aliás, a média comunitária de aquisição da nacionalidade em cada 1000 habitantes foi de 1,5 na União Europeia a 27 e de 0,3 em Portugal.

Portanto, o reconhecimento de processos de nacionalidade por naturalização em Portugal é incomparavelmente menor do que a média da União Europeia.

Mas o CDS pretende impor critérios para aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização que, se fossem aplicados aos portugueses de origem, levaria a que lhes fosse, pura e simplesmente, retirada a nacionalidade portuguesa.

Ora, pergunto: o que é isso de conhecer suficientemente os valores fundamentais do Estado de direito português? O CDS, com este projecto de lei, demonstra que também não os conhece

 porque, se os conhecesse, obviamente que não faria estas propostas.

O que é isso de pretender impor, para a concessão da nacionalidade portuguesa por naturalização, que os cidadãos tenham garantia de meios de subsistência, que possuam meios de subsistência suficientes?

Isto quer dizer que os cidadãos que residem em Portugal há muitos anos, porque é desses que estamos a falar, se forem pobres, não têm direito à nacionalidade portuguesa?

É, evidentemente, o que isto significa, Srs. Deputados.

O que é isso de suspender os processos de aquisição da nacionalidade pelo facto de se encontrar pendente um processo-crime, seja ele qual for?

Então, um dos valores fundamentais do tal Estado de direito democrático português não é a presunção de inocência dos arguidos?!

E os senhores nem exigem que seja crime violento, pode ser um qualquer crime!

Ou seja, alguém que seja arguido num processo-crime por difamação, ou seja o que for, leva à suspensão do processo de aquisição de nacionalidade?!

Srs. Deputados, é isto que está nos projectos de lei do CDS.

O alargamento dos critérios de reconhecimento da nacionalidade em função do jus soli é do interesse não apenas dos próprios mas também da própria comunidade nacional, é do interesse de todos os que consideram que a integração social é um valor estimável a ter em conta.

Não estamos a falar de imigrantes que chegaram a Portugal há dois dias, estamos a falar de muitos cidadãos que nasceram em Portugal, que não conheceram o país dos seus pais e que nunca conheceram outro país senão o nosso, que é também o seu. Negar-lhes o reconhecimento de que são portugueses é não só injusto como absurdo do ponto de vista da integração social, que o CDS diz defender, mas que, de facto, não pratica e não quer praticar, porque, se tivesse alguma estima pelo valor da integração social dos cidadãos estrangeiros em Portugal, não apresentava projectos de lei como estes que, infelizmente, hoje obrigou a Câmara a ter de discutir.

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