Intervenção de

Ensino superior - Intervenção de João Oliveira na AR

Debate de âmbito sectorial sobre as orientações do Governo para a reforma do sistema de ensino superior

 

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,                                                      
Senhor Ministro,

Quando em 2004 afirmámos que a Declaração de Bolonha tinha como objectivos não declarados a elitização económica do ensino superior e a privatização progressiva do ensino superior público, acusaram-nos de sermos "velhos do Restelo", inimigos da modernidade e da mudança.

Hoje, a realidade do ensino superior português demonstra que a modernidade apregoada é afinal uma antiguidade recauchutada e que a mudança foi feita ao jeito dos interesses económicos de poucos e em prejuízo de muitos outros.

A "modernidade" do modelo de ensino superior que resulta do Processo de Bolonha reserva para os mais remediados dos pobres os primeiros ciclos de formação, de natureza generalista ou de cariz profissionalizante, que os grandes interesses económicos definem como a formação adequada às exigências do mercado de trabalho. O acesso à cultura, à ciência e à formação avançada dos segundos ciclos fica reservado para quem possa dispensar os mecanismos de acção social quase inexistentes e pagar propinas entre 1500 e 4000 euros.

É esta a modernidade que Bolonha nos anuncia, como se a educação gratuita, de acesso universal e de qualidade fosse coisa antiga, do tempo dos faraós...

Quanto à mudança, o cenário não melhora, pelo contrário.

A realidade mostra que o sistema de ensino superior português muda com Bolonha porque deixa de ter a natureza de serviço público nacional para passar a ser um serviço comercial sujeito às regras do mercado, como há muito exigiam os interesses económicos ansiosos por poderem desfrutar de mais esta choruda oportunidade de negócio.

Muda também porque esta lógica de negócio é um novo argumento para justificar as políticas de desresponsabilização de sucessivos Governos em relação ao ensino superior, não só no que se refere ao financiamento das instituições mas agora também no que respeita às condições da sua autonomia. O discurso da abertura das instituições à sociedade e à economia aí está mais uma vez para justificar o subfinanciamento e colocar as instituições de ensino superior dependentes das orientações dos interesses económicos a troco da sua própria sobrevivência.

O sistema de ensino superior português muda ainda porque se reduz significativamente a carga lectiva e muitas instituições não terão os segundos ciclos aprovados. Alguns milhares de docentes, trabalhadores dos mais qualificados, serão assim empurrados para o desemprego ou para funções que desaproveitam as suas qualificações.

A mudança traduz-se, afinal, na transformação da educação em negócio inacessível para largas camadas da população, mas lucrativo para quem o explora e injusto para quem é explorado.

E é neste contexto que se pondera agora a necessidade de reorganização de todo o sistema de ensino superior, orientada para o agravamento da privatização do ensino superior público.

É neste contexto, que o mesmo Governo que determinou gravíssimos cortes orçamentais à generalidade das instituições de Ensino Superior, vem agora afirmar que cabe a essas instituições a responsabilidade de corrigir as ineficiências do actual sistema de financiamento.

É o Governo responsável pela diminuição em 10% do emprego de trabalhadores qualificados que parece nada querer fazer para evitar o despedimento de milhares de docentes do ensino superior ou para garantir a contratação de cerca de três mil estagiários do Programa de Estágios Profissionais na Administração Pública, cujos contratos já começaram a chegar ao fim.

O Governo que afirma que serão revistos os Estatutos das Carreiras Docente e de Investigação com vista a atrair para Portugal recursos humanos qualificados, é o mesmo que defende a precarização dos vínculos laborais dos docentes pela introdução de contratos individuais de trabalho em situações onde deveria haver vínculo público.

Esta preocupante realidade com que estamos confrontados não é, no entanto, uma fatalidade incontornável. Ela decorre de opções políticas e a sua correcção exige respostas e medidas políticas.

Esta realidade exige saber se o Governo está ou não disposto a definir um estatuto jurídico para as instituições de ensino superior que inverta a lógica da sua sujeição a interesses económicos e a recente na prestação de um serviço público de interesse nacional, que garanta uma verdadeira autonomia baseada na gestão e na participação democráticas e corrija as políticas de subfinanciamento crónico.

Exige também saber se o Governo está ou não disposto a assumir o direito à educação como um factor fundamental de concretização de uma democracia plena, nomeadamente pela definição de mecanismos que garantam o acesso à educação em condições de igualdade a todos os portugueses, sem discriminações de natureza económico-social. Porque não são os empréstimos aos estudantes que garantem essas condições, nem tão pouco o pagamento de propinas máximas pelos estudantes bolseiros.

Exige, por fim, saber se o Governo está ou não disposto a tomar medidas para evitar que cerca de 2000 docentes do ensino superior sejam empurrados para o desemprego até ao final do presente ano lectivo por falta de verbas das instituições onde desempenham funções. Está ou não o Governo disposto a garantir as condições de estabilidade e dignidade para estes trabalhadores qualificados de que o desenvolvimento do País tanto necessita?

Disse.

 

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