Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral

Encontro do PCP de Micro, pequenos e médios empresários

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Gostaria, em primeiro lugar, de valorizar esta iniciativa e agradecer os valiosos contributos que aqui foram sendo deixados ao longo do dia. Contributos que reflectem um conhecimento aprofundado e concreto, quer sobre a situação em que se encontra a economia nacional, quer sobre a realidade, os problemas e aspirações com que se confrontam milhares de micro, pequenos e médios empresários do nosso País.

Contribuições que não deixarão de estar presentes na análise e intervenção do nosso Partido e que nos trazem a responsabilidade de prosseguir a intervenção e a luta por uma política patriótica e de esquerda, que liberte o País do domínio dos monopólios e dê resposta às necessidades das milhares de MPME e valorize o seu papel na criação de emprego, na promoção do nosso aparelho produtivo, na defesa da soberania e independência nacionais.
Nas últimas semanas, com a discussão realizada na Assembleia da República a propósito do Programa de Estabilidade (e o Plano Nacional de Reformas), com o anúncio por parte da Comissão Europeia da sua proposta sobre fundos comunitários, com a crescente expressão pública das consequências desastrosas resultantes dos processos de privatização de empresas estratégicas, com a disponibilidade revelada por PS, PSD e CDS de prosseguirem com apoios e benefícios fiscais dirigidos aos grupos monopolistas, vai crescendo a percepção da incompatibilidade entre a defesa dos interesses nacionais e a submissão às imposições da União Europeia e do Euro e aos interesses do grande capital.

Na defesa das suas opções, o Governo minoritário do PS, invocando o equilíbrio das contas públicas, procura legitimar a travagem de um conjunto de políticas que contribuíram para a dinamização da economia e do mercado interno, nomeadamente na elevação das condições de vida das populações que são condição de dinamização da actividade económica, ao mesmo tempo que deixa intocáveis os privilégios do grande capital. Em sentido contrário, para o PCP, o único caminho que abre uma perspectiva de desenvolvimento sustentado capaz de resistir a ameaças e incertezas que se venham a colocar, é o caminho do reforço do investimento público dotando o País das infraestruturas que precisa, é a dinamização do aparelho produtivo nacional, substituindo importações por produção nacional, é o reforço dos serviços públicos e da melhoria das condições de vida do povo e dos seus rendimentos, é a libertação do País do domínio dos grupos monopolistas e a recuperação do controlo público dos sectores estratégicos.

Insistir na submissão ao Euro e às imposições da União Europeia como fazem PS, PSD e CDS é empurrar o País para a dependência externa, para as desigualdades e injustiças sociais, para a estagnação e recessão económica.

Esta opção que o Governo minoritário do PS assume, e que procura impor a diversos níveis, condiciona inevitavelmente a resposta aos inúmeros e diversificados problemas que os Micro, Pequenos e Médios empresários enfrentam. Opção que torna mais visíveis as linhas de fundo e correspondentes limitações e contradições das políticas do PS e seu Governo.

O que torna mais justificada a caracterização que fazemos deste Governo PS: não é um governo de esquerda; não desenvolve uma política coerente e consistente de esquerda; não rompeu com a política de direita. O que é visível pela insuficiência das medidas, pelas reticências e mesmo negação das necessárias respostas aos problemas dos trabalhadores, dos reformados, dos Micro, Pequenos e Médios empresários.

E afirmamos isto porque perceber bem a natureza, limites e contradições do Governo PS é meio caminho andado para uma intervenção política ajustada às necessidades do povo e do País.

O que já se conseguiu, nestes mais de dois anos, também para os MPME, mostra as potencialidades de uma relação de forças, onde PSD e CDS não têm deputados para governar, mas simultâneamente, o PS não tem condições para determinar sozinho tudo aquilo que quer. Mas esta análise, para ser lúcida e séria, exige que não nos esqueçamos do ponto de partida de há 3 anos. Não por qualquer amarramento ao passado, ou que ele nos possa resolver alguma coisa hoje. Mas para vermos a diferença, mesmo se ela é muito diferente para cada um de nós.

Ora o balanço que fazíamos há 3 anos era o da catástrofe das MPME!

Dissemos então que as empresas portuguesas, exceptuando grandes empresas, em situação de monopólio, tinham sofrido um desgaste económico e financeiro que conduziu muitas e muitas ao seu encerramento. Que as causas dessa erosão, foram a enorme queda do poder de compra das famílias, o brutal acréscimo do custo de diversos factores de produção, a subida brutal da carga fiscal e da arbitrariedade da Autoridade Tributária, o aperto no acesso ao crédito (comissões, garantias, juros e spreads) pelo sector bancário e a continuação da predação das empresas e sectores produtivos pelos grandes grupos económicos, nomeadamente da grande distribuição. Agravamento também com a Lei dos despejos de Assunção Cristas.

Dissemos que, em particular, a brutal quebra do poder de compra das famílias, por redução dos salários e das reformas e o gigantesco desemprego, criando famílias insolventes, provocaram, nas micro e pequenas empresas – mais de 75 % das quais trabalha para o mercado interno - volumosas quebras nas vendas. A que se adicionou, a subida da energia eléctrica, combustíveis, gás natural, comunicações e telecomunicações, seguros, crédito. A que acresceu ainda a subida da carga fiscal que atingiu as empresas, directamente, por via do IVA, do ISP, do IMI e outros impostos, com destaque para o IVA da restauração, responsável pelo encerramento de mais de quatro mil empresas do sector só em 2014.

Entre 2011 e 2014 tivemos mais de 100 mil insolvências e 250 mil empresas tecnicamente falidas!

E foram as MPME que, no contexto empresarial, mais sofreram com a crise. Nas grandes empresas o decréscimo de trabalhadores foi de 5,6 %, nas MPME foi de 14,4 %. O volume de negócios decresceu 3,9 % para as grandes empresas e 16 % (quatro vezes mais) para as MPME.

O que conseguimos após as eleições de Outubro de 2015, foi, em primeiro lugar, oxigénio. O país respirou! Tal só foi possível porque o PCP inscreveu como objectivo afastar o Governo PSD/CDS depois da política de desastre nacional que impôs e da derrota eleitoral que tinha sofrido. O País precisava de respirar, abrindo perspectivas de futuro aos trabalhadores e ao povo.

Valeu a pena. Mas não valeu só porque nos vimos livres do pesadelo do governo da Troika, do Governo do Pacto de Agressão! O País e os MPME respiraram melhor com a devolução de rendimentos e direitos a trabalhadores e pensionistas, e mesmo se insuficiente, com a redução da carga fiscal directa. A melhoria do poder de compra dos portugueses, o aumento da procura interna, significou aumento do consumo e logo das vendas da produção e comércio de bens e serviços das MPME, que no fundamental, como atrás dissemos, trabalham para o mercado interno! Reduziu-se o ritmo das falências! Abriu-se caminho ao desendividamento. Respirou-se melhor, mesmo se a falta de ar, ainda aflige muita gente, inclusive muito pequenos empresários.

E foi no avanço deste quadro político que em sede dos Orçamentos do Estado (2016, 2017 e 2018) e legislação complementar se concretizou com a redução do IVA da Restauração e Cafés, o que deverá ficar completo com o alargamento às bebidas no presente ano. Foi também pela contribuição decisiva do PCP que se assegurou a redução do valor do PEC em 2017 e 2018, inscrevendo como objectivo o compromisso da sua extinção definitiva já no próximo ano, 2019, que é necessário ver cumprido! Um velho e justo objectivo da luta dos MPME e das suas organizações.

Como também já aqui se referiu, foi ainda possível legislar que as micro e pequenas empresas fiquem já a partir deste ano isentas da revisão legal de contas, e a aprovação na Assembleia da República de um conjunto de importantes recomendações ao Governo para defesa dos MPME.

Deveríamos ainda lembrar que, por intervenção do PCP, as tarifas da energia eléctrica e do Gás Natural foram travadas na sua subida em 2017 e 2018, e que muitos outros avanços positivos para a generalidade do nosso povo – saúde, educação, apoios sociais, entre outros - acabam também por beneficiar os pequenos empresários.

Nós no PCP sabemos que tudo isto é insuficiente, nalguns casos mesmo, muito pouco! Mas não deixamos de valorizar que se travou e mesmo inverteu um sentido de agravamento generalizado das condições de trabalho e de vida dos MPME, e do povo português! E que estamos hoje em melhores condições para resistir e avançar!

Mas os obstáculos a uma efectiva mudança de política evidenciam as limitações da actual fase da vida política, bem patentes nas hesitações, ambiguidades e mesmo oposição do governo PS, a um aprofundamento do caminho e das medidas favoráveis aos MPME.

Os obstáculos são bem conhecidos.

As imposições da União Europeia a que o governo PS (de braço dado com o PSD e CDS) cede, quando não quer ser mais papista que o Papa, numa gestão das contas públicas que limita seriamente as possibilidades de resposta do Estado, por exemplo, na matéria decisiva do investimento público. Não somos adeptos do desregramento e desperdício dos dinheiros do Estado! Não nos conformamos é com uma Dívida Pública insustentável, que anualmente consome tanto em juros como o orçamento da saúde, mesmo numa situação de juros baixos; ou com um Euro que continua a penalizar as nossas exportações e a limitar a liberdade de movimentos da gestão pública, com as imposições comunitárias que travam os necessários investimentos em serviços públicos, infraestruturas e equipamentos, restringindo o mercado interno e o crescimento económico.

Assim como não deixamos de denunciar a submissão do governo aos interesses dos grupos monopolistas e do capital multinacional, que continua a servir com zelo e prontidão. É assim que continuam os abusos de poder económico dominante e de dependência económica, de domínio de mercado, sem que a Autoridade da Concorrência intervenha, ou de práticas comerciais restritivas. Como é o caso flagrante das grandes empresas de distribuição sobre o pequeno comércio e fornecedores. Como sucede com Grupos como o Inditex/ZARA relativamente aos seus fornecedores subcontratados. Ou com as empresas de assistência em viagem/seguradoras face às oficinas de automóvel e empresas de reboque. Como a multinacional de serviços funerários que domina o mercado português e, como um polvo, vai ocupando todo o espaço destes serviços, estrangulando as empresas familiares do sector. Ou os interesses do grande capital e fundos imobiliários no arrendamento comercial. Ou os interesses da EDP, GALP, REN e outras cujos superlucros são a demonstração do assalto de tarifas e preços da energia que os MPME pagam. Ou o sector bancário cada vez mais o predador de topo da cadeia produtiva, para quem não chegam os milhões que todos nós, incluindo MPME, já contribuímos via operações de resgate e a dita salvação de bancos, que caem em cima dos micro, pequenos e médios empresários com comissões, exigência de garantias e juros e outros expedientes que esmagam as pequenas empresas.

É este panorama que trava uma resposta mais global e eficaz a muitos dos graves problemas que afligem os MPME.

Nomeadamente uma justa reforma fiscal, que não reduzindo as receitas, e mesmo podendo aumentá-las, alivie de forma significativa a carga sobre o trabalho, tribute de forma justa as MPME e reduza a contribuição decorrente dos impostos indirectos. Mas isto significa uma maior taxação do grande capital, incluindo multinacional, o fim de escandalosos benefícios fiscais, a travagem e redução da brutal fuga e evasão fiscal para offshores e paraísos fiscais, mesmo a legal, como sucede com quase todas as empresas do PSI20!

É preciso avançar também com a baixa dos custos de energia – electricidade, Gás Natural e GPL, gasóleo e gasolina – enfrentando os interesses e superlucros das EDP, Endesa, Iberdrola, REN, GALP e outras gasolineiras. Objectivo que é possível como vários projectos do PCP entregues na Assembleia da República, bem como as propostas apresentadas em sede de Orçamento do Estado, demonstram. Mas isto exige afrontar!

É urgente garantir o acesso ao crédito bancário em condições favoráveis!

É preciso não permitir que vá por diante, como pretendem PS, PSD e CDS, a legalização da acção predatória de uma plataforma como a UBER, em prejuízo de milhares de taxistas do País, destruindo um sector de base nacional.

É necessário uma efectiva fiscalização da concorrência que penalize e impeça abusos de poder dominante e de dependência económica.

É urgente salvaguardar o acesso a fundos comunitários, onde os MPME devem ter prioridade e condições simplificadas de acesso, em vez do habitual favorecimento às grandes empresas, muitas delas estrangeiras, que ficam com a fatia de leão destes fundos.

É necessário avançar na desburocratização e simplificação das relações do aparelho de Estado, inclusive, como há muito é reivindicado, com a criação de um serviço específico no IAPMEI para micro e pequenos empresários. Relação com o Estado, onde fica bem visível a diferença entre o poder das multinacionais e dos grupos monopolistas e a fragilidade em que são colocadas as MPME, de que é exemplo mais recente, o chamado Regime Geral de Protecção de Dados e as ameaças e multas brutais que podem recair sobre as pequenas empresas. É preciso avançar também com a utilização do potencial dos mercados públicos – cantinas de serviços públicos por exemplo – da contratação pública e centrais de compras do Estado para dar saída à produção das MPME.

É necessário avançar com a alteração do Decreto-Lei 12/2013 para um efectivo apoio social aos pequenos empresários com descontos para a segurança social e que se vejam obrigados a encerrar os seus estabelecimentos.

É necessário dar também concretização a medidas que foram aprovadas - como a extinção do PEC e a sua substituição por critérios justos de tributação fiscal ou a descida do IVA da Restauração nas bebidas, ou mesmo a Isenção da Revisão Legal de Contas para micro e pequenas empresas – mas que o Governo tem vindo sucessivamente a adiar, revelando que só a luta e intervenção das MPME poderá vencer as resistências que o governo PS continua a exibir. Sublinhamos com particular preocupação a questão do PEC e o risco efectivo, de, a não serem tomadas medidas urgentes, defraudar as expectativas que foram justamente criadas. Risco que não pode ser afastado, sobretudo quando olhamos para os sucessivos atrasos ou para a constituição da Comissão para pôr fim ao PEC, e só vemos aí as grandes confederações patronais que nunca se preocuparam seriamente com o problema, mas não a vossa Confederação, a CPPME ou outras estruturas mais representativas dos pequenos empresários. Esta é também uma batalha que todos temos de travar, nós PCP e as associações de MPME, para que se concretize o que já está decidido em Diário da República, bem como a Resolução da Assembleia da República, que, por proposta do PCP, foi aprovada no passado dia 21 de Dezembro, com as suas oito Recomendações ao Governo, aprovadas por unanimidade.

É não só necessário, como possível, ir mais longe na resposta a mais de um milhão de pequenos empresários, 99% do tecido empresarial nacional, vector nuclear da economia do País, fonte de milhares de postos de trabalho e da resposta às necessidades de bens e serviços de qualidade dos portugueses e portuguesas.

Para o PCP, os seus problemas, não podem ser resolvidos, e essa é uma linha vermelha, pela sua clandestinização, mergulhando na economia informal, “paralela”, “de vão de escada” – já hoje com uma dimensão inaceitável – cuja sobrevivência, acontecendo pela redução de custos decorrentes de obrigações legais – fiscais, ambientais, laborais etc -, acaba por pôr em causa, por concorrência desleal, a vida de milhares de pequenos empresários que cumprem as suas obrigações para com o Estado e a sociedade portuguesa!

Mas isso exige que o Estado responda aos problemas da actividade dos que todos os dias cumprem essas obrigações e dão uma valiosa contribuição para a criação de riqueza no País.

Estes últimos anos, mostram que com a luta dos trabalhadores e do povo, que com a intervenção e as reclamações dos MPME, é possível travar o regresso aos piores dos momentos vividos com o anterior governo PSD/CDS, mas também abrir portas para respostas a velhas reivindicações dos MPME, como a extinção do PEC!

Da parte do PCP, esse continuará a ser o sentido da nossa intervenção e luta. Por esse País dizem-nos muitas vezes: continue a lutar por nós. Sim, mas não esqueçam a luta pelos vossos interesses. Não posso deixar de dizer, que ela terá tantos mais resultados, quanto a vossa luta, a luta das vossas organizações de classe, como a CPPME e dezenas de outras, avançar e se aprofundar. O grande capital mais do que receio da luta, tem medo da luta organizada. Numa concepção integrada e dialéctica, é com mais organização que se melhora a intervenção, e é com mais intervenção que a organização se reforça.

Não posso deixar de dizer que a vossa proximidade ao PCP, foi e é uma condição necessária para que o PCP possa responder melhor aos vossos interesses e anseios, às vossas reclamações. Não posso deixar de dizer também que, quanto mais influente e forte for o PCP, incluindo no plano eleitoral e na relação de forças parlamentar, em melhores condições estaremos de vos defender, sabendo que simultaneamente defendemos a economia nacional e o País! Nesta fase da vida política nacional, sabemos o que queremos e ao que vamos. Nunca desistimos, nem desistiremos de um combate antes de o ter travado! Não vamos perder nenhuma oportunidade para alcançar novos avanços da reposição, defesa e conquista de direitos, designadamente, para o MPME!

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