Encontro com Educadores e Professores

 

Encontro com Educadores e Professores

Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP

Permitam-me que comece por vos
agradecer terem acedido ao nosso convite e assim podermos partilhar convosco as
nossas preocupações que resultam de uma avaliação muito negativa e preocupada
que fazemos do estado da educação e do ensino em Portugal que é hoje muito
marcado pelos efeitos da prolongada ofensiva de matriz neoliberal, sustentada
numa profunda limitação das funções sociais do Estado.

Preocupações que, no essencial, estamos
convictos, são acompanhadas pela generalidade dos professores e educadores,
como tem sido confirmado pela dimensão do movimento de indignação e protesto
que se verifica em todo o país e nos motivos que sustentam esta luta.
Indignação e protesto centrados não apenas no corte de direitos e na
desvalorização da profissão docente, mas também em torno da defesa da Escola
Pública de qualidade e inclusiva, de uma escola onde sejam garantidas as
condições de trabalho e de estudo e sejam reforçados os princípios da autonomia
e da gestão democrática.

O Governo do PS tem procurado nos
últimos dias, com a divulgação apressada de estatísticas, mascarar a realidade,
como se "dados estatísticos" fossem o primeiro e grande objectivo de uma
política educativa séria. A estatística de um sucesso escolar baseado na
desqualificação das aprendizagens, na quebra de qualidade de práticas e da
exigência pedagógicas, é um logro intencional. Não é este, certamente, o
caminho de uma educação para o futuro.

A escola que temos em Portugal, longe
de corresponder às exigências de qualidade e de real sucesso que a democracia e
o desenvolvimento do país exigem, continua a ser reprodutora e consolidadora
das desigualdades sociais, empurrando boa parte dos estudantes para claras
zonas de insucesso escolar e abandono precoce que, muitas vezes, são mascarados
com currículos alternativos de diversa índole. Esta é uma realidade que está
bem patente na opção pela generalização de vias profissionalizantes no Ensino
Secundário, segundo uma concepção elitista do ensino, separando o conhecimento
(só acessível a alguns) da aquisição de competências ligadas às necessidades do
capital.

O acesso à educação e as condições para
o sucesso escolar não são iguais para todas as crianças e jovens portugueses. O
Governo do PS encerrou mais de 2700 escolas, muitas delas com mais de 10
alunos, ao contrário do que afirma. As condições de trabalho são, em muitas
escolas, deficientes em instalações e equipamentos educativos adequados. Em
consequência, a vida nas escolas é menos atraente para quem nelas estuda e
trabalha com graves consequências no processo ensino-aprendizagem.

Nestes últimos três anos o Governo
ignorou sistematicamente a Lei de Bases do Sistema Educativo e a própria
Constituição da República, insistindo numa estratégia de desresponsabilização
do Estado nesta área social fundamental, desvalorizando a Escola Pública
enquanto instrumento para a concretização do preceito constitucional que obriga
o Estado a garantir o direito ao ensino de todos os portugueses, com garantia
do direito à igualdade de oportunidades e êxito escolar.

Recuperando no essencial o projecto
educativo da direita, consubstanciado na Lei de Bases imposta na Assembleia da
República por PSD e CDS-PP e vetada em 2003 pelo Presidente da República de
então, num quadro de grande contestação social, o Governo do PS tem vindo a
proceder a uma "reforma" inconstitucional do sistema educativo. Este é, de
facto, o período mais negro da história recente do país no sector da educação e
do ensino e consubstancia um retrocesso muito significativo. As consequências
desta política constituirão, no futuro, um forte condicionamento ao nosso
desenvolvimento.

Um estudo recente concluía que ao ritmo
actual, Portugal precisaria de 60 anos para alcançar a escolaridade média da
U.E. de 2005, caso o Governo do PS não continuasse a desinvestir na educação. A
política de desinvestimento no ensino público e, objectivamente, de degradação
da sua qualidade, é acompanhada pela deslocação dos apoios do Estado para o
ensino privado nos vários níveis escolares, tornando-se cada vez mais evidente
que o Governo do PS está a introduzir no sistema de ensino uma orientação
estreita, utilitarista e economicista, segundo o princípio de que "quem quer
educação deve pagá-la". Desta forma está posto em causa o princípio
constitucional da igualdade de oportunidades, o direito a uma formação de
qualidade e a uma qualificação para todos.

É neste contexto que consideramos que a
pressa com que o Governo procura impor um conjunto substancial de alterações no
sistema educativo, cujos objectivos foram meticulosamente ponderados, não têm
que ver apenas com o calendário eleitoral mas principalmente com a opção de
submeter e formatar o sistema educativo aos desígnios do capital, amputando-o
do objectivo da formação integral do indivíduo, base essencial para a
participação na vida social e política e para o exercício da cidadania.

O país tem assistido nas últimas
semanas à maior demonstração de indignação e protesto por parte dos professores
e dos educadores. A luta atingiu níveis de participação como nunca tinha
acontecido anteriormente. As dezenas de manifestações e concentrações que têm
vindo a realizar-se em todo o país, com uma participação que até hoje já
ultrapassou as quatro dezenas de milhar, confirmam que a política educativa do
Governo do PS não tem o apoio da esmagadora maioria dos professores, elo
principal do sistema educativo contra os quais qualquer "reforma" fracassará.

Perante esta evidência o Governo do PS
tem procurado, através duma campanha que devia envergonhar os seus executores,
denegrir a imagem dos docentes, dividir a comunidade educativa e procurar fazer
passar a mensagem de que na génese da indignação e do protesto estão apenas
interesses corporativos.

Ainda ontem, um dos mais fieis
apoiantes da política de direita que tem vindo a ser realizada pelo Governo do
PS, escrevia num dos seus artigos de opinião que, e passo a citar, "tínhamos
escola e professores a mais e qualidade e produtividade a menos" indiciando no
seu artigo que estas são as causas dos "vergonhosos indicadores nacionais".

Nada mais falso! À parte qualquer
comentário sobre a legitimidade que tem ou não para tecer comentários sobre o
direito à indignação dos educadores e professores que se sentem feridos na sua
dignidade profissional, coisa que pelos vistos não consegue entender, o
analista de serviço "esquece" dois pormenores relevantes. O primeiro é o facto
de o PS ter tido ao longo dos últimos 30 anos, a responsabilidade exclusiva das
pastas da educação e do ensino superior durante 13 anos, o que o coloca como um
dos partidos que mais contribuiu para a degradação a que o sistema educativo
chegou. O segundo é que todos os estudos consideram as condições sócio-económicas
das famílias como a principal causa para o insucesso e abandono escolares, pelo
que não podem ser atribuídos aos professores e ao seu desempenho esta
responsabilidade mas sim a todos aqueles, incluindo o actual Governo, que têm
contribuído para que o país seja o campeão das desigualdades e da exclusão
social no quadro da União Europeia.   

O primeiro dos deveres profissionais
dos professores é para com os seus alunos e consiste em dar o melhor do seu
saber científico e pedagógico, em disponibilizar toda a sua dedicação à
instrução e formação das crianças, dos jovens com quem partilham, ano a ano, um
tempo muito importante das suas vidas.

O papel dos professores é essencial e
decisivo em todo o processo de desenvolvimento, reforma e inovação do sistema
educativo, mas as suas condições de trabalho e de formação continuam a ser
particularmente deficientes, precárias e não estimulantes, em muitas situações.

É neste quadro que professores e
educadores têm assumido, perante o povo português, quase como um imperativo
nacional, que a situação em que se encontra o sistema educativo em Portugal não
permite realizar esse dever e é, em absoluto, desmotivante e impeditivo de um
ensino de qualidade e de uma vida escolar bem sucedida para todos os alunos.

É neste contexto que a luta por
interesses imediatos não se desliga da luta em defesa da Escola Pública e por
condições que permitam o sucesso escolar de qualidade.

Como muitas vezes os professores e as
suas organizações têm referido durante as acções de protesto, a luta contra
este modelo de avaliação de professores que mais não procura do que criar uma
barreira administrativa à progressão na carreira e não valorizar o mérito, a
luta contra o modelo de gestão que visa liquidar o que resta da  gestão democrática nas escolas, a luta contra
o encerramento de escolas, a luta contra a valorização da certificação em
detrimento da qualidade das formações, entre outras, é parte integrante da luta
em defesa da Escola Pública como um instrumento ao serviço, de facto, da
"colectividade e dos seus utentes e beneficiários".

Só com uma Escola Pública e de
qualidade acompanhada de medidas que garantam a 
progressiva gratuitidade de todos os níveis de ensino, esta pode
contribuir para o desenvolvimento integral dos portugueses e do país. A
educação e o ensino, para além do seu valor próprio para cada indivíduo,
constituem nas circunstâncias históricas actuais de Portugal um dos factores
estratégicos para o desenvolvimento. Um desenvolvimento que se quer nas suas
várias dimensões - económica, social, cultural, científica, política e
ambiental. 

Estas são preocupações suficientes para
que os portugueses se coloquem ao lado da comunidade educativa e, neste momento
particularmente difícil, ao lado dos professores, em defesa da escola pública
da qual depende, em grande medida, a real igualdade de oportunidades educativas
e o direito a uma formação de qualidade e a 
uma qualificação para todos. É com este entendimento que manifestamos a
nossa solidariedade para com os professores e educadores na Marcha do dia 8 de
Março, que apelamos à presença solidária dos que defendem o direito ao ensino
como direito da democracia.

É com o objectivo de contribuir para a
resolução dos problemas que afectam o nosso sistema educativo que o Grupo Parlamentar
do PCP tem vindo a desenvolver, no plano legislativo, um conjunto de propostas
e requereu uma interpelação ao Governo sobre política educativa que está já
agendada para o próximo dia 18.

Democratizar e desenvolver a educação e
o ensino, com o objectivo de garantir uma efectiva igualdade de oportunidades
de acesso e sucesso educativo a todos os portugueses, em todos os níveis da
educação e do ensino, é um desafio que só pode ser vencido com a comunidade
educativa e, em particular, com os professores.

O PCP, ao mesmo tempo que manifesta uma
vez mais a sua solidariedade para com os professores e educadores e o apoio à
sua luta até que o Governo pare com a ofensiva, não pode deixar de chamar a
atenção para a exclusiva responsabilidade do Governo do PS, em particular do
Primeiro Ministro, pela continuação de uma situação que afecta gravemente o
funcionamento das escolas e está a acarretar prejuízos escolares para os
alunos.

 

 

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