Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral

Em defesa dos produtos regionais

Os últimos tempos trouxeram-nos, pela vontade de tudo uniformizar de um poder cada vez mais longe das populações e da realidade, uma acrescida preocupação com a preservação futura dos nossos produtos alimentares regionais que são uma das marcas da nossa identidade como povo e do ponto de vista do desenvolvimento local e regional um recurso que as populações utilizam para sua própria sobrevivência.

Os produtos regionais são hoje, para muitas comunidades e, por vezes, para concelhos e regiões inteiras do nosso país, particularmente para aquelas regiões do Portugal interior, que enfrentam graves problemas de desertificação e declínio económico e social em função de uma política nacional que subalternizou o mundo rural e o seu principal suporte de vida - a agricultura -, um dos últimos redutos para garantir um modo de vidas das suas populações.

Os produtos regionais, em defesa dos quais aqui nos reunimos, são não só um património cultural que é necessário defender e valorizar, como são um suporte complementar à viabilização do que resta da nossa agricultura e do mundo rural, mas também de muitas comunidades ribeirinhas que fazem da transformação dos produtos da pesca um complemento às suas actividades no mar ou no rio.

À volta da sua produção, confecção e comercialização se tecem relações sociais que são formas muito particulares de ser e de estar do nosso povo e pretexto para a celebração e para o convívio, para a grande festa que consolida e valoriza um património intergeracional e secular que nos prende à terra onde nascemos ou onde vivemos e nos desperta o desejo e a vontade de sempre a ela regressar.

Certamente muitos do que aqui estão e que em algum momento da sua vida abandonaram esta terra e este concelho não esqueceram a bela linguiça, o bucho ou a bexiga recheados ou a farinheira de sangue e o convívio à volta dos quais se cimentaram amizades para toda a vida.

São esses produtos tradicionais que fazem deste nosso país, um país pequeno em termos territoriais, também um país de grande riqueza e diversidade cultural que se expressa numa gastronomia ímpar da qual nos orgulhamos como povo e que têm nos produtos tradicionais, a marca distintiva da sua diferença e da sua qualidade.

É assim aqui no Couço, mas uns quilómetros mais abaixo ou mais acima e temos outra realidade distinta, como é o caso, por exemplo, de Almeirim, que à volta dos seus produtos tradicionais e da sua gastronomia – a sopa da pedra - afirmou uma imagem de marca do seu concelho que garante emprego e vida a muita gente.

Não somos dos que pensamos que são os produtos regionais, ao qual se junta como actividade o turismo a alternativa para garantir o desenvolvimento sustentado do país e que eles só por si podem compensar as enormes perdas resultantes da contínua degradação da nossas actividades produtivas, da agricultura, das pescas da industria, mas não podemos, nem queremos subestimar o seu contributo como elemento de afirmação cultural, essa espécie de cimento que a todos nos une, nem tão pouco o seu contributo para o desenvolvimento económico e social local e regional.

É por isso que estamos aqui, para simbolicamente, marcarmos uma posição que queremos abra caminho a uma reflexão e a um trabalho do nosso Partido com o objectivo de defender a nossa rica e diversificada produção artesanal e da nossa agro-industria regional de produtos alimentares, dando resposta aos novos problemas que se apresentam, nomeadamente com uma iniciativa legislativa.

É uma evidência que sem uma agricultura e um mundo rural vivo e florescente não é possível defender no futuro os produtos tradicionais, mas também é uma evidência que a normalização e estandardização impostas pelos gabinetes de Bruxelas, mais a pensar na grande produção industrial e nos interesses das multinacionais agro-alimentares, se não for contrariada pela vontade das nossas instituições nacionais, acabará por matar muitos dos nossos produtos tradicionais.

O governo português não pode aceitar acriticamente as minuciosas regras de Bruxelas que não são capazes de ver os povos na diversidade das suas culturas e aspiram a tudo controlar até ao mais ínfimo pormenor e ditar todas as regras no fazer e na confecção.

Pior, o governo português limitou-se a regulamentar apenas os aspectos sancionatórios.

Apenas cuidou de estabelecer as normas punitivas a quem não cumprisse as directivas de Bruxelas, abdicando de criar regras nacionais próprias adequadas à nossa realidade que com toda legitimidade o poderia fazer, quer para garantir a utilização dos métodos tradicionais na produção, transformação e comercialização dos produtos regionais, como para assegurar às empresas do sector alimentar fixadas em regiões com condições geográficas especiais, normas especificas de laboração.

Na realidade o governo do PS mais uma vez, tal como no passado PSD e CDS-PP, quando no governo, deixou livre curso aos processos de normalização dos produtos e das produções alimentares que levam à extinção do pequeno produtor e à morte das explorações agrícolas familiares, sem condições de competir com as grandes empresas agrícolas e agro-industriais.

Não está em causa a necessidade e a exigência de garantir regras de higiene e segurança alimentar na produção e comercialização dos produtos regionais tradicionais e na sua confecção, mas o olhar fundamentalista e proibicionista de tudo o que é resultado de anos e anos de experiência acumulada de um povo, para padronizar o que a vida tornou diferente em qualidade e sabor.

Querem fazer aos produtos regionais dos enchidos aos licores, dos doces aos vinhos, do presunto aos queijos, o que fizeram a alguns dos produtos agrícolas, por exemplo à maça, que é muito bonita por fora e toda muito calibradinha nas bancas do hipermercado, mas, em geral, de insosso paladar.

Processos que o excesso de zelo da polícia económica – ASAE – agravou com a falta de “bom senso” na aplicação da legislação existente inadequada à realidade nacional.

Fundamentalismo proibicionista que mata também os espaços de convívio nos mercados, festas e feiras tradicionais e cada vez mais o pequeno comércio de aldeia, onde o saneamento básico ainda não chegou, mas onde o fundamentalismo higienista impõe em muitas casos ridículas e impraticáveis exigências e para a solução dos quais não há o mínimo apoio.

Exigências que se transformam em pesadas punições e em multas em relação à manutenção de algumas práticas que eram próprias do mundo rural, como o abate em casa do porco ou do vitelo, mas esquece-se entretanto e passa-se por cima de uma realidade, contra a qual só praticamente o PCP se opôs e denunciou: - a destruição de uma grande parte da rede pública de abate que afastou os matadouros, nalguns casos, para mais de 100 quilómetros das explorações agrícolas, ao mesmo tempo que se liquidavam muitos dos serviços veterinários públicos.

Temos hoje um poder na Europa e no país que se apresenta com implacáveis propósitos moralizadores nas relações económicas em defesa da qualidade, mas que tem dois pesos e duas medidas quando se trata de regulamentar os interesses dos grandes, sejam empresas ou países.

Na actual reforma da Organização Comum de Mercado do Vinho a qualidade deixa de ser critério essencial, para continuar a permitir a mistura de vinho de diferentes países ou “martelar” a produção com a introdução de açúcar de beterraba se estas práticas interessam à Alemanha ou à França e ao grande sector da intermediação.

É bom que se diga aos portadores desta dupla moralidade que os grandes problemas sanitários do nosso tempo – vacas loucas, nitrofuranos ou gripe aviária – não são o resultado das práticas e métodos de exploração da pequena produção ou das unidades de exploração familiar, mas sim o resultado da agricultura intensiva e da grande produção agro-industrial aos quais são garantidos o máximo dos apoios e protecção.

É com uma política de apoio e defesa da nossa agricultura e às actividades derivadas e complementares que podemos potenciar os nossos recursos e responder positivamente à revitalização do mundo rural e à criação de emprego, num tempo em que o desemprego é um dos grandes flagelos sociais e que com o actual governo do PS atingiu proporções trágicas.

Política de apoio tão mais necessária quando vemos todos os dias a aumentar os preços das matérias-primas agrícolas, num país que cada vez importa mais do estrangeiro.

O crescente aumento dos preços do pão, do leite e de outros produtos alimentares, põe cada vez mais a claro as consequências ruinosas para o país da política de direita que andou a pagar para não se produzir e que deixou, nestes últimos anos, liquidar milhares de explorações leiteiras no país.

Políticas que abdicaram da especificidade da agricultura portuguesa que se impunha defender e que acabou por conduzir à desvalorização das actividades agrícolas e com elas ao desprezo das populações das nossas aldeias e das nossas vilas.

A desvalorização do mundo rural a que assistimos é o resultado de um conjunto de opções políticas concretas, mas onde as políticas agrícolas e a desvalorização das suas actividades têm um papel central.

O que se impunha e o que não vemos com este governo do PS são medidas de apoio à nossa agricultura e aos seus produtos e de combate aos problemas que estão a liquidar crescentes fatias da nossa agricultura, pecuária e floresta.
Combate às importações sem controlo, ao esmagamento das explorações em resultado dos elevados custos dos factores de produção, aos modelos de ajuda ao investimento que deixam de fora a pequena exploração.

Nuns casos são os atrasos nas ajudas, noutros é completa marginalização no acesso aos fundos dos pequenos agricultores, acabando com as indemnizações compensatórias para as explorações com menos de 1 hectare.

Na verdade os nossos principais sectores continuam a ser os menos protegidos e menos apoiados pelas políticas nacionais e comunitárias e o governo acabou com a ajuda à electricidade verde, enquanto mantém o gasóleo agrícola em valores elevados e incomparavelmente mais caros que os nossos concorrentes.

Com o actual governo do PS e a sua política o mundo rural e país interior estão cada vez mais condenados ao atraso e ao declínio.

Nestes três anos de governação do PS, ficou bem patente que não só segue o mesmo caminho de desprezo do mundo rural dos governos dos últimos anos, como acentuou todos os aspectos negativos de uma política que alimentou profundas desigualdades regionais e sociais e fragilizou as condições de vida das populações da maior parte do país.

Foram os cortes no investimento nas tarefas do desenvolvimento regional e local, ao mesmo tempo que desencadeou a mais brutal das ofensivas contra os serviços públicos essenciais ao bem-estar das populações.

As políticas neoliberais e a ofensiva do governo do PS de ataque aos serviços públicos colocam hoje um ainda mais sério problema ao desenvolvimento sustentado e equilibrado do território nacional.

O encerramento de centenas de escolas do 1ºciclo e jardins-de-infância, mas também de serviços de saúde, nomeadamente das urgências e as políticas de privatização das empresas públicas que têm levado ao encerramento e à diminuição da oferta de muitos serviços, deixam cada vez mais isoladas as populações destas regiões e mais frágeis os seus habitantes e territórios.
No que diz respeito à saúde não é só já o grave problema dos seus custos, com os cuidados de saúde cada vez mais caros para as populações, são as dificuldades no acesso pela distância e pela carência de meios humanos em muitos serviços com as consequentes longas listas de espera para certas valências e para cirurgias.
Problemas que se agudizam à medida que se intensifica o processo de desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde e se promove a privatização dos serviços públicos de saúde.
O governo do PS de José Sócrates todos os dias anuncia e promete uma vida melhor para os portugueses, mas é exactamente o contrário o que os portugueses sentem.

Os rendimentos do trabalho, as reformas, os pequenos rendimentos são sistematicamente esmagados e desvalorizados por uma política que corta nos salários e nas reformas e promove o aumento brutal dos preços dos bens e serviços essenciais que engordam o grande capital económico e financeiro que passou a dominar os aspectos essenciais da vida dos portugueses.

Reafirmámos aqui a nossa firme oposição às medidas e tendências que tendem impor a uniformização da nossa cultura material – os produtos que fazemos e o modo como os fazemos e consumimos, liquidando o que é diferente e genuíno.

Esta não é uma tendência que se quer impor apenas na vida económica e social, mas em todos os aspectos da nossa vida, nomeadamente na vida política, onde a par de um violento ataque à democracia e às liberdades democráticas, temos assistido à tentativa de moldar a organização e funcionamento dos partidos políticos aos critérios, concepções e interesses daqueles que nos últimos anos têm governado o país à vez.

Também aqui não aceitam o que é diferente e o que legitimamente quer ser distinto, quando impõem lá do alto das suas maiorias parlamentares Leis aos partidos que são um atentado à liberdade de organização e funcionamento das organizações políticas que por definição são associações de homens livres que definem para si, como homens livres que são as regras do seu próprio funcionamento e o programa e objectivos da sua organização.

Leis fabricadas pelo PS e PSD para imporem aos outros o seu próprio modelo de organização e funcionamento, visando particularmente o nosso Partido que têm e quer continuar a ter por vontade dos seus militantes uma natureza, características e objectivos diferentes do PS ou do PSD.

Leis que nas suas normas impõem aos partidos provas de existência que têm como pressuposto a devassa dos ficheiros partidários.

Somos e queremos ser o partido da classe operária e de todos os trabalhadores, portador de um projecto transformador da sociedade e não um mero instrumento de gestão dos interesses do grande capital e de um sistema que os perpétua.

Também contra a uniformização e estandardização partidárias se impõe ampliar a luta pela exigência da revogação de tais Leis.

O PCP que há muito afirmou tal exigência, decidiu a convocação para o próximo dia 1 de Março em Lisboa de uma marcha em defesa do direito à liberdade de organização partidária e de defesa de todas as outras liberdades democráticas.

Aproveitando estarmos aqui numa terra de heróicos lutadores pela liberdade e na presença de um povo que foi um firme e determinado combatente antifascista, queria daqui apelar a todos os militantes comunistas e a todos os outros democratas e anti-fascistas para a sua participação nessa importante iniciativa, que desejamos seja uma grande acção de protesto contra todos os abusos e em defesa de todas as liberdades democráticas.

A vida mostra que a luta é a saída incontornável para defender as liberdades e os interesses dos trabalhadores e do povo.

É por isso que dizemos: apoiem o PCP e lutem com o PCP para dar força à esperança e à mudança que há-de construir um país mais livre, mais democrático e mais justos para todos os portugueses.

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