Intervenção de Carlos Carvalhas, Secretário-Geral, Iniciativa “Em defesa dos direitos das mulheres, contra as discriminações e pela participação em igualdade”

Em defesa dos direitos das mulheres, contra as discriminações e pela participação em igualdade

Os efeitos da vaga neoliberal e da globalização capitalista têm tido particulares incidências nas condições de vida da mulher, como têm vindo a revelar as estatísticas internacionais, os relatórios da ONU e de outras agências internacionais.

Podemos mesmo afirmar que, em muitos países os avanços formais e legislativos quanto à igualdade de homens e mulheres e à proclamação de princípios como, a trabalho igual salário igual, foram acompanhados na prática, de regressões sociais.

O desemprego, o desemprego de longa duração, as reformas antecipadas, as desigualdades de rendimento, a precariedade, a insegurança social e a pobreza têm atingido particularmente as mulheres.

Nas questões dos salários, pausas e horários de trabalho, as diferenças são escandalosas. Também no nosso país se pode afirmar que o agravamento da situação social e a liquidação ou redução de direitos se situa em boa parte no feminino.

A degradação da situação social e a redução do nível de vida têm também implicações na instabilidade afectiva e no aumento da violência familiar e conjugal.

No plano da participação em igualdade os avanços têm sido tímidos, designadamente na representação política, mostrando que as grandes proclamações de princípios e as grandes afirmações sobre a paridade, não são depois traduzidas na prática.

A degradação social tem vindo a ser acompanhada pela difusão, a partir do governo de direita, de uma ideologia conservadora e reaccionária, designadamente da parte de alguns ministros, como é o caso do Ministro da Segurança Social. Esta traduz-se depois em vários planos e influência outros campos com a publicidade em que a mulher é cada vez mais transformada em objecto de sedução e a seduzir nos papéis tradicionais, designadamente no papel de “fada do lar”.

A luta contra as velhas e as novas discriminações do género tem tido uma significativa expressão nas lutas antiglobalização neoliberal e é necessário que continue e se amplie. Ainda no plano internacional é também necessário denunciar a mentira com que nos tem sido apresentada por exemplo, a guerra do Afeganistão no campo da emancipação da mulher e chamar a atenção para o Iraque em que, depois da ocupação, se tem assistido ao avanço do integrismo e do fundamentalismo religioso com as suas incidências particularmente negativas em relação às mulheres.

No Afeganistão, passados os primeiros dias, passadas as primeiras imagens de mulheres que se desembaraçavam da opressão dos talibans, vê-se agora que com os monjahidines reinstalados no poder a situação não é melhor do que a do regime deposto, sem que se note qualquer preocupação visível dos americanos. Pode-se mesmo dizer que os únicos avanços em direitos e na prática que as mulheres afegãs tiveram se verificaram com os governos de inspiração marxista e socialista.

De facto, como vários comentadores têm assinalado, passado um ano de ocupação americana do Afeganistão a violência em relação às mulheres não tem diminuído, tem aumentado!

Do mesmo modo, no Iraque, o risco que se corre de novas regressões no campo dos direitos e da prática em relação às mulheres é real, desmascarando também neste campo a dita democratização do Iraque à americana, que aliás nunca mostrou preocupações com os seus aliados da Arábia Saudita e dos Emiratos da região quanto à vergonhosa situação das mulheres.

No nosso país a problemática feminina e a participação da mulher em igualdade não pode ser subalternizada na nossa luta global e são particularmente preocupantes o desemprego, os despedimentos e as deslocalizações que se conjugam cada vez mais no feminino.

Entretanto, no plano legislativo foram aprovadas, pela maioria de direita, leis que representam perigosos passos na liquidação de direitos civilizacionais que foram uma importante razão de luta das portuguesas e do movimento feminino ao longo do século XX e que fazem parte do importante património legislativo construído após o 25 de Abril.

O Código de Trabalho, recentemente aprovado na Assembleia da República, representa um gigantesco retrocesso na legislação laboral, em particular para as trabalhadoras, agravando (e institucionalizando) as injustiças já existentes. Entre muitos outros aspectos, permite o alargamento da jornada de trabalho de pais e mães com crianças pequenas até às 12 horas por dia e 60 horas por semana; interfere com o direito a férias, aumenta a precariedade laboral, não consagra períodos diários de amamentação e aleitação, não garante o pagamento das faltas por assistência a filhos com deficiência profunda, reduz a protecção no despedimento de grávidas e lactantes.

Importa, ainda, reter que das quarenta e seis matérias carentes de regulamentação em que se destacam o horário de trabalho, a maternidade-paternidade, o trabalho de menores, trabalhadores portadores de deficiência, trabalho a tempo parcial, descanso semanal e feriados, retribuição mínima, salários em atraso, fundo de garantia salarial, despedimentos, comissões de trabalhadores, reuniões de trabalhadores, greve e arbitragem, são matérias que o Governo e os representantes das grandes confederações têm deixado claro que se vão bater para que se vá mais longe no retrocesso relativamente ao que está contemplado no Código de Trabalho.

As alterações às leis laborais são um ataque ao direito ao trabalho e ao próprio trabalho como fonte de direitos, com profundas consequências na situação e no estatuto das trabalhadoras: pretende-se uma mão-de-obra e uma mão de obra feminina barata, sem direitos, adaptável às flutuações conjunturais e a ser usada a tempo inteiro, a tempo parcial ou no desemprego.

Por outro lado, como se sabe, os baixos salários das mulheres determinam um baixo nível de protecção social em várias situações ao longo da sua vida: nos valores dos subsídios de desemprego, de doença, de maternidade e também no valor das pensões e das reformas. Também a Lei de Bases de Segurança Social, aprovada pela actual maioria, a serem concretizados os seus objectivos estratégicos – transformação do actual Sistema Público num Sistema residual com redução do número de beneficiários e dos seus benefícios – terá forte e negativo impacto na protecção social em importantes segmentos de trabalhadoras e de mulheres em situações de exclusão social e de pobreza.

O conteúdo da Lei de Bases da Família, aprovada na generalidade, pela actual maioria corresponde à tentativa de consagrar na lei teses conservadoras e retrógradas do CDS-PP ou seja, um determinado modelo de organização familiar, baseado na família tradicional sem atender à diversidade hoje existente.

Este conjunto de leis concretiza concepções que se traduzem na perpetuação da divisão de papeis sociais entre mulheres e homens no seio da família e designadamente:

Dando novos passos no aprofundamento da vulnerabilidade do estatuto da trabalhadora – mão-de-obra mais barata e sem direitos – retirando-lhes direitos em função da maternidade e na reorientação das políticas de solidariedade social por via da transferência das responsabilidades sociais – do Estado e da sociedade – para o indivíduo, para as famílias (com acrescidas responsabilidades para a mulher), para a comunidade e para as entidades privadas no que diz respeito ao apoio aos idosos, à infância, à deficiência profunda, ao combate à pobreza e à exclusão.

Transferindo as responsabilidades sociais do Estado e da Sociedade no que diz respeito à função social da maternidade, apoio à infância à juventude e aos idosos, para as famílias, para a comunidade e para as entidades privadas.

Isentando empresas de cumprirem os seus deveres na protecção da maternidade-paternidade com a impunidade perante tratamentos discriminatórios das(os) trabalhadores(as).

No que respeita à interrupção voluntária da gravidez e contrariando as diversas recomendações internacionais, mantém-se a perseguição policial e judicial bem como a penalização das mulheres que se vêem obrigadas a recorrer ao aborto clandestino. Isto apesar de publicamente o Governo afirmar cinicamente que não pretende que as mulheres sejam punidas. Esta realidade, que afecta todas as mulheres e lhes retira capacidade de decisão numa situação em que esteja em causa o direito a uma maternidade consciente e responsável penaliza muito especialmente as mulheres de baixos recursos financeiros, que não têm condições de interromper uma gravidez no estrangeiro assegurando a protecção da sua saúde e da sua privacidade. É, uma situação de grande injustiça e também de grande hipocrisia, que não desistimos de denunciar e dar combate.

Acresce, entretanto o incumprimento da legislação em matéria de educação sexual e planeamento familiar, com as consequências conhecidas. Portugal detém, na União europeia, a segunda maior taxa de gravidez na adolescência.

Para aqueles e aquelas que possam julgar que estamos a ver com tintas negras a situação da mulher no nosso país em consequência das políticas de direita deixamos alguns questionamentos:

– é, ou não verdade que, a existência de um vasto património de conquistas e de leis emanadas dos ideais do 25 de Abril relativas à igualdade de direitos e de oportunidades, não tem sido condição suficiente para que a grande maioria das mulheres tenham delas um maior reflexo no seu dia a dia, enquanto cidadãs, trabalhadoras e mães?

– é ou não verdade que, não obstante a crescente participação das mulheres no mundo de trabalho esta é persistentemente acompanhada por uma desigual distribuição de mulheres e homens por actividades profissionais e níveis hierárquicos, pela enorme representação das mulheres em grupos desqualificados, pela desvalorização ao nível das tarefas que desempenham e pela desvalorização dos salários que auferem mesmo em sectores onde a sua participação é maioritária?

– é, ou não verdade que, a maternidade e as faltas por assistência à família originam, de forma persistente, tratamentos discriminatórios, condicionando à mulher o acesso ou a manutenção no emprego, designadamente no que diz respeito às jovens trabalhadoras?

O prosseguimento destes perigosos caminhos, sem denúncia, sem resistência e sem luta, designadamente, por parte das mulheres portuguesas teria consequências muito negativas no presente e para o futuro. É por isso indispensável o reforço da intervenção das mulheres e do movimento feminino visando travar e inverter este caminho de retrocesso.

E, é urgente e necessário que as mulheres façam ouvir a sua voz e que se reforce a sua luta organizada e que esta seja também assumida pelos movimentos sociais e de massas contra as consequência da política de direita na sua situação, enquanto cidadãs, trabalhadoras e mães dando-se maior visibilidade à sua luta em curso no momento actual.

Da nossa parte, continuamos empenhados neste combate, procurando envolver um cada vez maior número de militantes – mulheres e homens – na luta contra a política deste Governo e na defesa, aprofundamento e promoção dos direitos das mulheres garantindo a sua participação em igualdade.

Para o PCP o direito das mulheres à igualdade e a sua emancipação é condição para a democratização e humanização de toda a sociedade e é um combate que deve dizer respeito a todo o Partido quer nas suas lutas mais imediatas, quer na sua luta mais geral pelo aprofundamento da democracia política, económica, social e cultural.

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