Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Audição-Debate «Em Defesa da Região Demarcada do Douro»

Em defesa da Região Demarcada do Douro

Permitam-me que, antes de mais, saúde todos os presentes e agradeça os contributos, mesmo polémicos e divergentes, de todos e de cada um nesta Audição-Debate que aqui decorreu em Defesa da Região Demarcada do Douro e enquadrada na preparação da Conferência Nacional do PCP sobre Questões Económicas e Sociais.

Uma saudação e um agradecimento à Direcção e funcionários desta Escola que nos permitiu o espaço e condições para a realização deste debate. É sempre fascinados que revisitamos esta terra única de beleza, de carácter e de singularidade que a natureza nos legou e que a mão do homem moldou para se fazer reconhecida e meritoriamente Património da Humanidade.

E, é por isso que é doloroso constatar, como aqui algumas intervenções revelaram, que uma região que se tornou pioneira e percursora da demarcação das regiões vitivinícolas em todo o mundo e afirmou a sua especificidade de região vitícola, de qualidade ímpar, com um meticuloso e longo trabalho de dois séculos e meio, esteja a ser paulatinamente condenada pelo rolo compressor das políticas normalizadas, nacionais e europeias, pelo estrito interesse do grande comércio e pelas grandes multinacionais de bebidas e em prejuízo do pequeno viticultor e trabalhador rural durienses e das populações dos concelhos desta vasta região do Douro.

Não são de agora as preocupações do PCP com a negativa evolução e com a condução da política nacional em relação à Região Demarcada do Douro. Temos, particularmente nestes últimos vinte anos, chamado a atenção e agido com propostas para fazer frente a um inqualificável processo que, desde 1986, se desenvolveu e subverteu a arquitectura institucional e económica, consolidada em 250 anos de Região Demarcada, a que o 25 de Abril tinha dado uma dimensão democrática, nomeadamente com a consagração da eleição directa dos órgãos da Casa do Douro pelos muitos milhares de pequenos viticultores. Processo que retirou competências e atribuições à Casa do Douro e que contribui para sua degradação económica e financeira. Tal como temos firmemente combatido o conjunto de políticas e orientações que procuram destruir e apagar a marca distintiva e especificidade da região do Alto Douro Vinhateiro.

Políticas e orientações que sucessivos governos do PS e do PSD conduziram em nome dos falsos argumentos da necessidade da sua adequação, primeiro às regras da Comunidade Económica Europeia, depois à Política Agrícola Comum, à globalização e à Organização Mundial do Comércio e que se traduziram no claudicar da justa exigência da consideração da diferença e especificidade da Região Demarcada do Douro, para defender o Douro e a produção vitivinícola regional.

Políticas e orientações que, abdicando da peculiaridade deste território, abdicaram também da especificidade da agricultura portuguesa que se impunha defender e que acabaram por conduzir à desvalorização das actividades agrícolas e, com elas, ao desprezo dos próprios territórios que a suportam. A desvalorização do mundo rural a que assistimos e que tem nos crescentes fenómenos de desertificação, envelhecimento, declínio social, aprofundamento das assimetrias intra e inter regionais são o resultado de um conjunto de opções políticas concretas, mas onde as políticas agrícolas têm um papel central.

Políticas concretas que sustentam um círculo vicioso de desvalorização em espiral, contínua e mútua das actividades e dos territórios.

É assim que se justifica o desmantelamento das linhas ferroviárias desta região e o protelamento da renovação e modernização da linha do Douro do Porto à Régua, do Tua ou da ligação Pocinho-Barca d’Alva-Espanha. É este círculo vicioso que a política de direita alimenta ao abandonar à sua sorte as actividades produtivas que são suporte à vida à fixação das populações e que depois serve de justificação para o encerramento de serviços públicos de saúde, de escolas, de estações de correios, de serviços vários, como postos da GNR, Tribunais que se traduzem em novas fragilidades e factores de abandono e depreciação dos territórios.

É esta lógica que leva o actual Governo do PS, ao contrário do que havia proclamado em defesa do interior, a encerrar serviços de saúde, maternidades e urgências, como acontece nos Hospitais da Régua e de Lamego e se prepara para encerrar outros, como aqui foi informado, como é o caso dos SAP de Meda, Figueira de Castelo Rodrigo ou S. João da Pesqueira. É esta lógica e esta desastrosa política que já encerrou centenas de escolas no conjunto dos distritos que têm ligação ao Douro.

Educação e saúde que são alvo hoje da mais brutal ofensiva que se vai agudizar com a proposta do governo de Orçamento do Estado para 2008, com a despesa social a diminuir o seu peso pelo segundo ano consecutivo no total do Orçamento.

É preciso travar este processo. É preciso parar este círculo vicioso e inverter esta situação de permanente perda de actividades, de gente, de recursos, de património e de contínua degradação das condições de vida das populações.

Num país com significativas bolsas de pobreza, como as que encontramos aqui nesta região, o ataque aos serviços públicos de saúde, ensino e segurança social e o seu crescente encarecimento têm que ter nefastas consequências na vida das populações.

Há dias, o Instituto Nacional de Estatística veio, mais uma vez, dizer que Portugal é o país mais desigual da União Europeia e aquele onde o trabalho a tempo inteiro não liberta um homem ou uma mulher da pobreza. Uma realidade que não conheceu qualquer melhoria nos últimos dez anos e que se agravou nestes últimos quase três anos de governo do PS de José Sócrates que acentuou com o agravamento do desemprego, a manutenção dos baixos salários e as baixas reformas.

Aqui, nesta região, essa evidência estatística tem uma expressão muito concreta no crescente empobrecimento das suas populações, cujo índice do poder de compra quase não ultrapassa a metade da média do país.

Um incontornável ponto de partida na abordagem do Douro e dos seus problemas, é responder à seguinte interrogação: porque razão, o que é pode explicar, que produzindo esta região um produto valiosíssimo há séculos, o principal produto da exportações agrícolas do País, com um razoável e estável mercado externo, um produto único e de altíssima qualidade, e logo sem competidores à altura, a imensa maioria dos durienses é pobre, sempre foi pobre e continua pobre?

Esta pergunta em geral não é feita. E não é feita para não ter de ser respondida!!! É que a resposta põe a nu a falsidade das políticas agrícolas de sucessivos governos. Não basta a qualidade, não basta a exportação, não basta a competitividade, não basta o renome da marca comercial.

Se fosse esta a questão o povo do Douro era, e há muitos anos, dos mais ricos do País! O problema não é apenas da forma e dimensão da riqueza produzida.

A questão central é como se distribui a riqueza produzida, como se distribui a riqueza produzida pelos trabalhadores agrícolas e pelos pequenos agricultores durienses. E esta é há séculos mal distribuída. Dizer muito mal distribuída é ser muito generoso, porque há séculos é mais propriamente um roubo!

Não andaremos muito longe da verdade, se dissermos que, de cada 100 euros de valor acrescentado pelo trabalho dos durienses, ficarão 20 euros na Região. Os restantes 80 euros serão apropriados fundamentalmente pelo comércio exportador. Pelas velhas Casas Exportadoras de Gaia, de capital inglês e algumas portuguesas, hoje meia dúzia de grandes grupos de capital multinacional.

Ora as trocas e baldrocas das políticas de sucessivos governos do PS, bem presentes na actuação do PS/Sócrates, e do PSD com ou sem CDS, não fizeram mais do que manter e até agravar o domínio e o poder do comércio sobre a produção, com as inevitáveis consequências na distribuição da riqueza produzida.

É esse o significado profundo da ofensiva contra a Casa do Douro e o afã na sua completa destruição como sólido esteio de defesa da pequena produção. É esse o objectivo da liberalização do plantio da vinha e da destruição da regulamentação e disciplina do fabrico do vinho beneficiado, que se perspectiva com a reforma da OCM do Vinho.

A política do Governo/PS/Sócrates para o Douro fica marcada de forma simbólica, mas tão expressiva e duradoura como se inscrita a cinzel em marco de granito pombalino, pela dupla vinda, a convite do Ministro da Agricultura durante esta triste Presidência Portuguesa da União Europeia, de altas individualidades da União sem que em algum momento encontrassem o espaço para visitar a Casa do Douro.

É um acto de desassossego ou má consciência! Que mais que muitas palavras e discursos, denuncia as verdadeiras opções de classe, opções políticas do actual Governo: do lado dos poderosos, dos ricos proprietários do Douro, do lado do comércio, contra 30 000 viticultores durienses e inevitavelmente contra as populações da região e, como agora se diz, “com danos colaterais” para pequenos e médios empresários. Interessante este dedate. Por aqui passaram as contradições e a luta de classes.

As políticas que acabaram com a intervenção da Casa do Douro na regularização do mercado dos vinhos, que entregaram o vultuoso negócio das aguardentes às Casas Exportadoras, que proibiram o estabelecimento de preços indicativos no Comunicado das Vindimas. A política que permite encharcar do País por vinho de baixa qualidade, autêntica zurrapa. A política que conduziu a preços para as uvas e vinhos que não pagam a vindima!

Políticas que, com a dita reforma da OCM do Vinho, querem acabar com o que resta. E não se diga que no Douro vão haver regras específicas, porque o Douro, em particular os seus vinhos de mesa, não serão imunes ao que se passará no mercado vinícola interno e externo. Políticas que, até no que agora é apresentado tantas vezes como a salvação do Douro – o turismo – pretendem apagar a marca “DOURO” para a substituir por algo que ninguém sabe bem o que é: “Porto e Norte de Portugal”!!!

É uma evidência que a política de direita que tem no PRACE a centralização de serviços públicos e a sua privatização, no Programa Nacional para as Políticas do Ordenamento do Território uma orientação para o investimento do Estado cada vez mais no sentido da litoralização do país, nas políticas orçamentais restritivas o corta no investimento em obediência à cega obsessão do défice, em prejuízo do crescimento e do emprego, nas privatizações dos serviços públicos a fixação da rede de serviços segundo os critérios da pura rentabilidade do capital e do máximo lucro e não do interesse das populações, não só não está em condições de inverter e responder aos problemas do desenvolvimento do país interior, como há muito abdicou do dever constitucional da promoção da coesão de todo o território nacional e impedir que as regiões mais pobres fiquem cada vez mais pobres.

Políticas que o governo do PS de José Sócrates prossegue e que estão bem patentes na proposta de Orçamento de Estado para 2008. Orçamento que contínua a negligenciar o investimento, cuja evolução é ridícula face às necessidades da economia e do emprego e, particularmente às necessidades do desenvolvimento das regiões com as carências, como as da região do Douro. De pouco vale câmaras e juntas, certamente num gesto de boa intenção e vontade darem subsídios ao 2º. Filho das famílias para combater a desertificação, se continuar esta política de redução do investimento público, de desprezo dos sectores produtivos, de degradação dos serviços públicos e de desvalorização dos rendimentos do trabalho.

A realidade da Região Demarcada do Douro com os seus problemas específicos, revela bem quanto prejudicial é a actual situação de vazio de instrumentos de política de desenvolvimento regional e quanto tal situação é também uma causa impeditiva de resposta aos problemas da defesa e valorização da economia local e dos problemas das populações.

A inexistência de uma estratégia de desenvolvimento regional e de uma democrática participação das regiões e dos seus representantes na gestão dos fundos comunitários são factores que, juntamente com o adiamento da implementação da Regionalização, tem inviabilizado a elaboração e concretização de forma integrada e participada pelas populações de políticas concretas potenciadoras dos seus recursos, na base de Planos de Desenvolvimento Regional e de Ordenamento do Território capazes de expressar o querer, o sentir das populações e os seus interesses.

É para colmatar esse vazio que continuamos a colocar como uma urgência a implementação da Regionalização, não apenas porque se trata de um indispensável instrumento de promoção de políticas de desenvolvimento regional, de combate às assimetrias regionais e de aprofundamento da democracia, mas também para dar coerência a uma efectiva reforma da administração do Estado e de racionalização de serviços de forma a dar resposta às necessidades das populações.

O projecto de Resolução desta audição explicita e evidencia o conjunto de recursos e potencialidades que, devidamente aproveitadas e desenvolvidas, poderiam garantir a elevação da qualidade de vida das populações dos 23 concelhos da região Demarcada do Douro. Recursos e potencialidades, com destaque para os vinhos, mas também de excelentes produções de azeite e azeitonas de mesa, frutos secos, fruta e mel a que se acrescentam as potencialidades turísticas – termais, fluviais, hídricas, ecológicos e patrimoniais desta magnífica região.

Não podemos estar mais de acordo quando neste projecto de Resolução se afirma que estes recursos se devidamente potenciados e apoiados seriam inquestionavelmente o motor para o desenvolvimento sustentado da Região do Douro.

Nesta Audição ficou bem patente que não faltam recursos para a promoção do desenvolvimento regional e do país. O que falta é uma política que os potencie ao serviço do desenvolvimento de todos e com uma justa perspectiva de justiça social. Uma política que dê resposta à defesa da especificidade da Região Demarcada do Douro em todas as instâncias e em todas as suas vertentes e dimensões.

Uma política que devolva aos viticultores durienses e à Casa do Douro os seus direitos históricos e a reposição de um funcionamento democrático.

Uma política de forte investimento público que supere os actuais bloqueios e combate os processos de desertificação, virado para a defesa e o desenvolvimento das actividades produtivas regionais, tendo como referência o papel que as micro, pequenas e médias empresas têm na criação de emprego e na fixação das populações, para a criação de infra-estruturas de desenvolvimento e concretização dos projectos estruturantes, nomeadamente o alargamento e melhoramento da rede viária prevista no Plano Rodoviário Nacional com prioridade imediata para o IC26, o desenvolvimento do transporte ferroviário, designadamente com a duplicação e electrificação da Linha do Douro do Porto a Barca d`Alva, do Museu do Douro ou do Centro de Estudos do Alto Douro Vinhateiro, a valorização do Douro Património Mundial da Humanidade.

Uma politica de valorização dos rendimentos de quem trabalha. Fui cumprimentar as trabalhadoras do refeitório que nos serviram o almoço. A trabalhadora mais antiga, assumida votante do PS, mostrava-me o recibo do seu vencimento e o da cozinheira, um com 600 e outro com 400 euros mensais. Duas trabalhadoras que viram as suas carreiras congeladas e os seus salários desvalorizados. Por ali passam muitas desilusões e críticas ao governo mas lembram que saberão julgar nas próximas eleições. Oxalá não esperem por 2009.

A Conferência do PCP sobre a Situação Económica e Social realizar-se-á para mostrar que o actual caminho que a política de direita impõe não é único, que há alternativa e que há outras soluções capazes de resolver os problemas nacionais e garantir o desenvolvimento sustentado e equilibrado do país e melhores condições de vidas aos portugueses.

Uma Conferência em ruptura com o actual modelo de políticas económicas e sociais e que assume como um grande desafio o apontar do caminho para a inadiável tarefa de tirar o país da estagnação, da prolongada divergência e do atraso que o prende à cauda da Europa.

A construção de um Portugal mais desenvolvido e mais justo terá que assentar numa mudança profunda, numa ruptura com a política de direita que tem sido seguida e na concretização de uma nova política voltada para as necessidades do país e do povo português.

É nossa profunda convicção que Portugal não está condenado ao atraso. É possível inverter o caminho que tem sido seguido. É esse o objectivo da nossa intervenção e da nossa luta que tem na Conferência Nacional do PCP um exemplo da nossa vontade de promover a mudança. Assim o povo desta região saiba também tomar nas suas mãos a luta por um futuro melhor, uma luta pelo seu próprio futuro.

Diziam-me aquelas trabalhadoras que gostam muito de nos ouvir nos confrontos com Sócrates. Não fiquem só pelo gostar, lutem connosco, dêem mais força à nossa luta. Não desistam do Douro, desta região, deste país.

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