Projecto de Resolução N.º 2046/XIII

Em defesa da plena soberania nacional em matérias de política fiscal

Em defesa da plena soberania nacional em matérias de política fiscal

Os impostos têm como objetivo central o financiamento do Orçamento do Estado e das escolhas políticas, económicas e sociais, desempenhando ainda uma importante função redistributiva visando garantir uma repartição mais justa e equitativa da riqueza nacional.

A capacidade de criar, alterar ou extinguir impostos e de determinar a sua natureza, âmbito e limites é um elemento central da soberania de um Estado. Abdicar, mesmo que parcialmente, desta capacidade, transferindo-a para entidades supranacionais, compromete a soberania do Estado, limitando as suas escolhas, designadamente no que diz respeito ao exercício das suas funções, incluindo as funções sociais, e à definição de políticas de repartição de riqueza.

No âmbito do processo de integração capitalista da União Europeia, moldado aos interesses dos grandes grupos económicos e financeiros, importantes competências soberanas dos Estados-membros foram sendo paulatinamente “transferidas” para instituições da União Europeia.
As competências em matéria fiscal não escaparam a este processo de concentração do poder político e económico nas instituições supranacionais da UE, determinado e em função dos interesses das suas grandes potências. Com o alegado objetivo de garantir o bom funcionamento do mercado único, a União Europeia assumiu competências, embora limitadas, em matérias de tributação indireta.

Mais concretamente, o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, no seu artigo n.º 113, determina: «O Conselho, deliberando por unanimidade, de acordo com um processo legislativo especial, e após consulta do Parlamento Europeu e do Comité Económico e Social, adota as disposições relacionadas com a harmonização das legislações relativas aos impostos sobre o volume de negócios, aos impostos especiais de consumo e a outros impostos indiretos, na medida em que essa harmonização seja necessária para assegurar o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno e para evitar as distorções de concorrência».

O facto de estas competências serem atualmente limitadas, não deve iludir o facto de que há um processo em curso para as alargar, quer no âmbito, quer na forma de deliberação, limitando ou mesmo privando os Estados-membros de um instrumento fundamental de exercício da soberania e de afirmação da sua independência.

No imediato, o objetivo da Comissão Europeia parece ser o de substituir, nas deliberações do Conselho sobre matérias fiscais, a exigência de unanimidade por uma maioria qualificada no processo de decisão.

Entende o PCP que o princípio da unanimidade não deve ser posto em causa. Este princípio, que coloca os Estados em pé de igualdade no processo decisório, constitui um instrumento imprescindível de defesa dos interesses nacionais, contra a imposição supranacional de orientações e decisões contrárias a esses interesses. Passar da aprovação por unanimidade para maioria qualificada é passar de uma situação em que o voto de um país tem a capacidade de salvaguardar a sua soberania, para uma situação em que passam outros a determinar as opções quanto às suas políticas. É passar de uma situação em que cada país vale o mesmo no processo de decisão para um cenário em que o voto de alguns dos países maiores vale mais do que o voto de outros países mais pequenos. Ou seja, o fim do princípio da unanimidade apenas reforçará o poder das principiais potências, com destaque para a Alemanha, acentuando assim a desigualdade entre os Estados-membros já hoje existente em termos de poder decisório na União Europeia.

Depois de perder a sua soberania monetária e cambial, com o Euro, depois de ver fortemente limitada a soberania orçamental, com a panóplia de regras e de constrangimentos associados ao Pacto de Estabilidade e Crescimento e ao Tratado Orçamental, depois de perder o poder de controlo e de supervisão do respetivo sistema bancário, com a União Bancária, pretende-se agora usurpar a Portugal a soberania no plano fiscal, limitando ou privando o Estado de capacidade de intervenção ao nível do investimento público, da redistribuição da riqueza e da prestação pública de serviços e bens de qualidade.
Portugal não só não deve alienar novas parcelas de soberania, como deve recuperar aquelas que foram alienadas no passado, em particular aquelas respeitantes a matérias fiscais.

Pelo exposto, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte resolução:

Resolução
A Assembleia da República recomenda ao Governo que adote as diligências necessárias, junto das instituições da União Europeia, ao reconhecimento de que as matérias de política fiscal são uma competência soberana e exclusiva dos Estados-membros, rejeitando uma qualquer alienação desta competência soberana para as instituições supranacionais da União Europeia promovendo a revogação de normas dos tratados da União Europeia que disponham em sentido contrário.

Assembleia da República, 14 de março de 2019

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