Intervenção de

Educação sexual nas escolas - Intervenção de João Oliveira na AR

 

Regime de aplicação da educação sexual nas escolas

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

O compromisso do PCP com a luta pelo direito à educação sexual nas escolas e pelo direito à saúde reprodutiva não é novo.

As diversas iniciativas que o Grupo Parlamentar do PCP tem apresentado ao longo dos anos nesta área e o trabalho desenvolvido pela JCP junto dos estudantes e dos jovens dão conta da importância que reconhecemos à matéria e do empenho que colocamos no seu tratamento.

O PCP, numa iniciativa pioneira, apresentou, em Março de 1982, um projecto de lei que, pela primeira vez, reconhecia o direito à educação sexual e ao planeamento familiar.

Seguiram-se-lhe novas iniciativas legislativas em 1983 e em 1999, tendo o PCP contribuído de forma decisiva para o enquadramento legislativo da educação sexual.

Também no âmbito da saúde sexual e reprodutiva, o PCP tem vindo a apresentar várias iniciativas legislativas, garantindo não só a efectividade da educação sexual mas também a promoção da saúde sexual e reprodutiva e a protecção da maternidade e paternidade enquanto funções sociais.

Na opinião do PCP, a educação sexual nas escolas é um elemento central da política de promoção da saúde sexual e reprodutiva.

Apesar de prevista na legislação portuguesa desde a publicação da Lei n.º 3/84, e consolidada no âmbito da Lei n.º 120/99, a concretização da educação sexual nas escolas tem sido bloqueada por sucessivos governos.

Recorrendo aos mais variados métodos e argumentos para justificar o incumprimento reiterado da lei, PS, PSD e CDS têm sacrificado o cumprimento da lei e o interesse nacional a compromissos partidários, assumidos em prejuízo da resolução dos problemas do País e do respeito pelos direitos dos jovens.

Os efeitos desta actuação irresponsável estão à vista: mais de 25 anos depois da publicação da primeira lei que consagrou o direito à educação sexual, alguns dos indicadores de saúde justificam a necessidade e a urgência da implementação efectiva da educação sexual nas escolas. O Relatório do Centro de Vigilância Epidemiológica das Doenças Transmissíveis do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, relativo à situação existente a 31 de Dezembro de 2007, dá conta do flagelo da infecção com VIH/SIDA por transmissão sexual.

Também os dados sobre a saúde dos jovens, publicados em 2006 pela Divisão de Saúde Materna, Infantil e dos Adolescentes da Direcção-Geral da Saúde, apesar de registarem a tendência de diminuição da gravidez, maternidade e paternidade adolescentes, relativamente à maternidade referem que «no que respeita às idades mais jovens, constatou-se, nos 20-24 anos, um abrandamento da expressão dessa tendência,...» - de decréscimo - «... tendo havido, inclusive, um ligeiro aumento nos anos de 1999 e 2000; no grupo 15-19 anos, a progressão decrescente do respectivo valor parece esbater-se a partir de 1996, havendo ligeira oscilação num sentido e noutro».

Esse estudo dá ainda conta de preocupantes taxas de frequência incompleta da escolaridade obrigatória, certamente relacionadas com o insucesso e abandono escolar motivados pela situação de gravidez ou maternidade e paternidade precoces.

O PCP entende que a actual legislação em vigor contém já os vectores essenciais para a necessária acção governamental.

O projecto de lei que hoje discutimos (projecto de lei n.o 634/X) apresenta, por isso, duas linhas de acção.

Uma, de aperfeiçoamento da lei no sentido de assegurar a sua adaptação à realidade e de aprofundamento de direitos. Outra, exigindo do poder executivo o seu cumprimento, estabelecendo um processo concreto para a implementação da educação sexual nas escolas. Entendemos que o carácter transversal da sexualidade na vida deve ser reflectido no processo educativo, atravessando as diversas disciplinas curriculares e podendo assumir uma vertente não curricular, inserida livremente pelos estabelecimentos de ensino nos trabalhos circum-escolares, associativos e extracurriculares.

Continuamos a defender e a propor um modelo de educação sexual transversal e interdisciplinar, que coloque a sexualidade e a saúde reprodutiva como um conteúdo nuclear em cada disciplina e que não permita o isolamento teórico da matéria em causa, prevenindo também o aumento da carga horária dos estudantes ou a diminuição da carga horária já prevista para as diversas disciplinas em cada ano de escolaridade.

Não partilhamos, por isso, das propostas que apontam para a abordagem da educação sexual numa disciplina específica criada para o efeito ou para o seu enxerto numa área curricular que certamente redundaria na diminuição do seu papel.

Para que não haja lugar a novos adiamentos ou retrocessos, como aquele que parece desenhar-se no seguimento do relatório do Grupo de Trabalho de Educação Sexual da Direcção-Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular, o PCP propõe que, já no próximo ano lectivo, seja implementado um programa interdisciplinar de educação sexual com currículo adequado. Propomos a constituição de um gabinete de atendimento que, a par da intervenção curricular, constituirá uma verdadeira estrutura de educação sexual e de apoio à sexualidade, contribuindo para a saúde sexual e reprodutiva e para o direito a uma sexualidade livre e consciente dos nossos jovens.

O PCP propõe ainda, no âmbito dos estabelecimentos com ensino secundário, a disponibilização gratuita e universal de contraceptivos, nomeadamente preservativos e contraceptivos orais.

Considerando fundamental o envolvimento das unidades públicas de saúde na aplicação e desenvolvimento da educação sexual nas escolas, propomos a contratualização das actividades relacionadas com a educação sexual nas escolas com o Ministério da Saúde, com vista a assegurar o respectivo financiamento.

O projecto de lei do PCP, que agora discutimos, no seguimento do trabalho pioneiro e audaz que temos conduzido em matéria de educação sexual, representa a continuidade natural das nossas propostas e objectivos e responde às justas reivindicações e aspirações colocadas pela luta dos estudantes dos ensinos básico e secundário.

Esperamos, por isso, que esta Assembleia contribua, com a sua aprovação, para a alternativa de progresso que propomos.

(...)

Sr. Presidente,

Sr.as e Srs. Deputados:

De facto, esta tarde de discussão na Assembleia da República é sui generis.

O Partido Socialista, que tantas vezes acusa o PCP de nunca apresentar alternativas, hoje, em relação a dois projectos de lei do PCP, conseguiu dizer, em relação ao subsídio de desemprego, que somos demasiado ambiciosos na concessão do subsídio de desemprego e, em relação à educação sexual, que somos pouco ambiciosos!

Srs. Deputados do Partido Socialista, então, temos uma lei relativa à educação sexual aprovada desde 1984; passaram 24 anos sobre a publicação daquela lei, até hoje a implementação da educação sexual nas escolas está por fazer e é pouca ambição querermos que, ao fim de 24 anos, a educação sexual seja implementada nas escolas?!

Não é! É uma ambição, uma grande ambição, que mantemos desde 1982, que foi quando apresentámos o primeiro projecto de lei.

O problema, aqui, é que, quando se quer «encanar a perna à rã», passe a expressão, arranjam-se todas as desculpas e todos os governos têm arranjado todas as desculpas.

E uma das desculpas mais eficazes para ir empatando este processo é a da constituição de grupos de trabalho, de grupos de estudo, de investigações, que, não existindo a vontade efectiva de implementar a educação sexual nas escolas, têm redundado naquilo que se vê, no incumprimento reiterado de uma lei por mais de 24 anos.

De uma vez por todas, clarificamos a nossa grande ambição, que é a de, ao fim de 24 anos, continuarmos a insistir para que seja implementada a educação sexual nas escolas.

E é com esta ambição que teremos toda a abertura, obviamente, para discutir as propostas que o Partido Socialista há-de vir a apresentar sobre esta matéria, na esperança, Sr.ª Deputada Luísa Salgueiro, de que, entre estas poucas ambições que todos temos aqui, finalmente, ao fim de 24 anos, possamos, de uma vez por todas, cumprir a lei e implementar a educação sexual nas escolas.

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