Intervenção de Agostinho Lopes na Assembleia de República

Douro - Um Desastre Anunciado

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Declaração política sobre as enormes dificuldades por que passam os vitivinicultores da Região do Douro

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
O Douro vive novamente uma crise de grandes proporções, centrada numa persistente e brutal quebra dos rendimentos dos vitivinicultores.
Todos os problemas acumulados pelas decisões políticas de sucessivos governos do PS, do PSD e do CDS-PP — onde avultam a retirada de funções e competências à Casa do Douro e, fundamentalmente, a proibição da sua intervenção no mercado como regulador de último recurso, o seu completo descalabro financeiro por causa dessas decisões, as «liberdades» no plantio e novos saibramentos, nas práticas culturais, no acesso ao benefício das grandes explorações, nomeadamente das pertencentes às empresas exportadoras, a liberalização e privatização do negócio das aguardentes… — convergiram com os prejuízos de intempéries e doenças da vinha (uma quebra média da produção na ordem dos 25%) e culminaram com
um Comunicado das Vindimas, fixando o quantitativo de mosto a beneficiar em 85 000 pipas, isto é, uma redução de 25 000 pipas relativamente à vindima de 2010!
Depois de anos sucessivos de redução dos preços na produção do vinho tratado e de pasto, preços que, em geral, não pagam granjeios e vindimas, os 40 mil pequenos vitivinicultores durienses enfrentam hoje a sua sobrevivência, a sobrevivência das suas famílias. Em muitos casos, é a ameaça de falência de pequenas explorações construídas com os pecúlios amealhados por uma vida de trabalho na emigração ou noutras actividades e regiões do País; é a falência dos que recorreram à banca para projectos apoiados por dinheiros públicos, incluindo jovens agricultores, e que irão ficar insolventes, sem capacidade para pagar a prestação da dívida!
A quebra brutal de rendimento, nomeadamente decorrente do corte das 25 000 pipas de benefício, é insustentável e injustificável!
Em 2010, cresceu a venda de vinho do Porto na exportação e no mercado nacional, acompanhada por subida dos preços na comercialização. Foi o que a Associação das Empresas de Vinho do Porto (AEVP) veio a esta Assembleia da República dizer, em 11 de Janeiro, na Comissão de Agricultura e Mar!
Ninguém pode dizer, como a Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território afirmou, na 5.ª feira passada, que foi «uma tentativa de correcção rápida de um erro cometido o ano passado com o excesso que foi as 110 000 pipas». Porquê? Porque o Comunicado de Vindima de 2011 afirma, no seu 1.º parágrafo, que «foram fixadas 110 000 pipas de mosto a beneficiar, o que permitiu anular os excedentes acumulados entre as quantidades produzidas e comercializadas», em 2010.
Aliás, a desorientação do Governo é total! Na audição de 27 de Julho, na Comissão de Agricultura e Mar, a Ministra, ao ser questionada do PCP sobre esta redução, respondeu que não era nada com o Ministério.
Depois, o Secretário de Estado afirmou, em Carrazeda de Ansiães, no dia 26 de Agosto, que foi um erro a decisão do IVDP (Instituto dos Vinho do Douro e Porto), levando-o mesmo a decidir exonerar o seu Presidente na 2ª feira, dia 29 de Agosto. Agora, a Ministra diz que o erro decorrente da fixação do benefício foi em 2010!
Então, porque é que demitiram o Presidente do IVDP?
Pior: o Governo começa a reproduzir os argumentos e as soluções das empresas exportadoras, dizendo que a Região Demarcada do Douro produz vinho a mais (80 000 pipas a mais!) e que a solução está no aumento da exportação, o que, aliás, já se sabe há séculos! Mas quem são os grandes responsáveis por essa produção a mais? Quem avançou com novos e grandes saibramentos, com a transferência de direitos de plantação, compra dos direitos das letras E e F nas zonas marginais e a sua transformação em vinhas A e B e com o uso (proibido) da rega? Chama-se a isto «fazer o mal e a caramunha»!
É necessário exportar mais — dizem os exportadores — e pedem mais 13 milhões de euros de dinheiros públicos. Mas, como assinala o Comunicado de Vindima, a conquista de novos mercados (países emergentes) só é feita a médio e a longo prazos e, se não forem tomadas medidas, os pequenos viticultores do Douro estarão todos mortos como produtores de vinho! Talvez seja o que alguns pretendem…
Porém, há vinho a mais no Douro quando o País importou, em 2009, 330 000 pipas de vinho e produtos vínicos e quando, em 2010, foram importadas 20 000 pipas de aguardente vínica para o benefício e apenas 17% foi aguardente nacional?!… E na presente vindima vamos pelo mesmo caminho!…
Há que arrepiar caminho e com urgência, sendo necessárias medidas de emergência para o Douro: a convocação de uma reunião extraordinária da Comissão Interprofissional do IVDP, no sentido de uma revisão do quantitativo a beneficiar para o valor de 2010 pipas, com a possível consideração de, pelo menos, 10 000 pipas em regime de bloqueio; a mobilização dos 8 milhões de euros que o Governo do PS sacou ilegitimamente do Instituto dos Vinho do Douro e Porto para uma intervenção extraordinária nos mercados de vinhos generosos e de pasto; a concretização das indemnizações dos prejuízos verificados na região; a criação de uma linha de crédito de longo prazo que permita às cooperativas pagarem as aquisições aos seus associados sem degradar os preços e pagar os atrasos; uma acção persuasora do Governo junto das casas
exportadoras e de outras grandes empresas do comércio para, com as medidas atrás referidas, se alcançarem preços médios da ordem de 300 euros/pipa nos vinhos de pasto e de 1250 euros/pipa no vinho generoso e a intervenção do IVDP e do Governo na regularização urgente do comércio de aguardentes.
Com este propósito, o PCP entrega hoje mesmo na Mesa um projecto de resolução.
Srs. Deputados, estes problemas arrastam-se há décadas.
Ano após ano a situação foi-se agravando perante a completa insensibilidade do poder político,
concretamente dos partidos que têm assumido responsabilidades sucessivas nos governos do País.
É tempo de dizer «Basta!». Estamos a tempo, se o quisermos, se houver vontade política, de responder aos problemas dos pequenos vitivinicultores durienses e de salvar os construtores e os que suportam o património mundial da humanidade que é o Douro e que todos dizemos defender.
A não ser assim, certamente que um dia destes o leito do rio Douro vai transbordar e não vai ser de água.
Nos 250 anos que a região demarcada leva de vida, isto aconteceu mais do que uma vez, voltará a acontecer se não forem tomadas as medidas que propomos.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado,
Agradecendo as suas questões, começo pela relativa ao estudo.
O que sabemos é que o Secretário de Estado anunciou a criação de um grupo de trabalho onde
estranhamente não estão presentes os representantes da Casa do Douro. Que grupo é este se os problemas da vitivinicultura duriense vão ser transferidos para as autarquias do Douro? É uma situação esquisita, mas, com a vinda do Sr. Secretário de Estado a esta Assembleia, conforme aprovado na Comissão de Agricultura e Mar, com certeza, teremos oportunidade de esclarecer a questão.
É uma evidência a possibilidade de o Governo intervir através do presidente do IVDP. O que é de estranhar é que, tendo o Secretário de Estado declarado a sua oposição à decisão que tinha sido tomada pelo IVDP, oposição essa que levou à exoneração, extremamente rápida, do presidente do IVDP — aliás, estranhamente, à margem dos próprios Estatutos do IVDP e sem consultar as profissões, o que obrigatoriamente devia ter feito —, depois não seja capaz de tomar a medida que nós acabámos de propor, que é a da convocação de uma reunião extraordinária da Comissão Interprofissional do IVDP e de corrigir aquilo que tem a corrigir.
Não nos venham com argumentos da impossibilidade de corrigir aquilo que foi mal feito, porque quem pôde decidir aquilo pode certamente corrigir para o contrário, sobretudo se houver uma alteração de posição como, aparentemente, havia da parte do Governo.
Sr. Deputado, gostaria, no entanto, de ter ouvido aqui o Deputado do Grupo Parlamentar do PS, sobretudo um Deputado do distrito de Vila Real, onde uma parte significativa da Região Demarcada do Douro está implantada, fazer um acto de contrição, dizer alguma coisa, pelo menos, relativamente aos erros sucessivos cometidos pelos governos do PS ao longo destes 30 anos na Região Demarcada do Douro.
Gostaria de o ouvir, pelo menos, considerar que vão deixar de fazer aquilo que fizeram em governos sucessivos: dizer uma coisa enquanto são oposição e, depois, chegar ao governo e fazer exactamente o contrário, como, infelizmente, aconteceu ao longo destes seis anos e com as consequências que estão à vista no Douro e que, hoje, os senhores também lamentam.
Gostaria, pelo menos, que reconsiderassem que foi ilegítimo o saque de 8 milhões de euros feitos ao IVDP pelo governo anterior e que o Governo actual deverá devolver, sob pena de
estar a penalizar fiscalmente, de estar a tributar a região demarcada duas vezes.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Luís Fazenda,
Obrigado pelas questões que me colocou.
É evidente que não há quaisquer razões para esta fixação do número de pipas a benefício — basta olharmos para a evolução dos valores da venda de vinho generoso em 2010, que foi a que tive oportunidade de referir da Tribuna! Aliás, a associação das casas exportadoras, em Janeiro deste ano, veio à Assembleia da República falar do aumento da venda nos mercados nacional e estrangeiro, e do aumento dos preços de venda dos vinhos generosos. Agora, dizem-nos que durante o 1.º semestre deste ano houve uma queda de vendas… Bom, esperemos! Não comecemos é a tirar conclusões através dos dados do 1.º semestre para o ano todo de 2011!… Aliás, depois, há ainda toda a possibilidade — como foi proposto por um dos representantes da lavoura — de uma parte do vinho beneficiado ficar em regime de bloqueio, isto é, armazenado como futura reserva, permitindo a sua não entrada no mercado de imediato, não aumentando,
desde já, o volume de vinho no mercado, o que permitiria responder aos problemas ou aos perigos que alguns referem.
Todavia, julgamos que essa medida não chega e que seria necessária uma intervenção do Estado, do IVDP, da Casa do Douro e do IVV.
Extraordinário é assistirmos hoje a aqueles que liquidaram, em 2003 — e já estávamos na União Europeia há muitos anos!… —, a capacidade de a Casa do Douro funcionar como regulador de último recurso, intervindo no mercado de vinho, dizerem que não é possível essa intervenção… É extraordinário! Corta-se a capacidade de intervenção da Casa do Douro e, hoje, diz-se que isso não é possível. É possível e até há uma verba disponível para essa intervenção, como referi na minha intervenção, ou seja, basta utilizar os 8 milhões de euros que foram sacados do IVDP e que, espero, este Governo devolva ao Douro, e fazer uma intervenção relativamente ao vinho generoso e ao vinho de pasto!!
Não é possível — dirão alguns —, de acordo com as regras da União Europeia, fazer intervenções deste tipo! Então que intervenções se fazem ao nível de todas as outras produções agrícolas?!… Porque é que isso não é possível ao nível do vinho? É possível, o Governo devia fazê-lo e, depois, se fosse necessário, justificaria essa intervenção junto da União Europeia em função da especificidade e dos problemas dramáticos que atravessam a região duriense!
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Abel Baptista,
Faz muita diferença estar no governo ou na oposição… É um facto!
Gostava que o Sr. Deputado fosse capaz de ler tudo aquilo que disse ao longo destes últimos seis anos nesta Assembleia da República relativamente ao Douro.
Gostava que o Sr. Deputado dissesse, de facto, quais são as propostas ou as afirmações demagógicas que fazemos.
Relativamente ao problema da Casa do Douro, o Sr. Deputado não leu inteiramente o projecto de resolução, porque se o tivesse feito teria verificado que propomos, a par de um plano de emergência consubstanciado nestas seis medidas — e são para já, não para o mês de Outubro, são para o mês de Setembro! —, um conjunto de outras medidas que devem ser tomadas a curto e a médio prazos entre as quais o saneamento financeiro da Casa do Douro, previsto em resoluções aprovadas nesta Assembleia da República por unanimidade, inclusive a que foi proposta pelo CDS, começando pelo pagamento à Casa do Douro dos vários milhões de euros pela utilização do cadastro do IVDP. Portanto, se ler o nosso projecto de resolução verificará que isso está aqui apresentado, Sr. Deputado!
Depois, o Sr. Deputado acha que uma linha de crédito para as cooperativas não vale a pena, porque as cooperativas estão todas falidas. O Sr. Deputado pode, provavelmente, ter dados que eu não possuo, o Governo pode já ter-lhe fornecido esses dados, mas a situação das cooperativas no Douro, como, aliás, um pouco por todo o País, é muito difícil — aliás, era estranho que os vitivinicultores durienses, os sócios dessas cooperativas estivessem a viver esta situação há longos anos, particularmente deste o ano de 2010, e as cooperativas desses associados não estivessem a viver grandes dificuldades…
Mas, Sr. Deputado, não estão, tanto quanto eu saiba, todas as cooperativas falidas! Há algumas falidas!…
Infelizmente a dificuldade financeira levou-as ao estrangulamento completo, provavelmente a par, em algumas delas, de problemas de gestão. Mas, Sr. Deputado, isso não quer dizer que não seria possível a criação de uma linha de crédito para que essas cooperativas pudessem resolver muitos dos problemas que estão a estrangulá-las financeiramente, concretamente a existência de vultosos stocks de vinho generoso, permitindo-lhes guardar esses stocks e até pagar preços razoáveis na actual vindima e actuarem como factor de correcção.
O Sr. Deputado esquece-se de que o CDS apresentou, no início da anterior legislatura, um projecto de resolução onde a primeira medida urgente era a da criação de uma linha de crédito de longo prazo para a agricultura nacional, ou excluíam as cooperativas desse projecto?
O Sr. Deputado vem falar em a Casa do Douro passar a ter capacidade de intervenção, mas esquece-se que foi outro governo do PSD e do CDS que, em 2003, retirou essa competência à Casa do Douro.
A Casa do Douro tinha essa competência, não precisava que lha dessem! Hoje precisa de a recuperar, o que, como o Sr. Deputado sabe, há muito tempo que defendemos nesta Assembleia, em todas as nossas propostas apresentadas sobre a região do Douro.
Sr. Deputado, a situação de indignação, de desespero, de angústia em que vivem os vitivinicultores durienses exige que os senhores não façam ouvidos moucos, porque senão a situação pode degradar-se seriamente, com as vossas responsabilidades, uma vez que passaram anos a falar de pequenos agricultores e estão a desprezar completamente a situação dos pequenos vitivinicultores do Douro.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Luís Pedro Pimentel,
Quando falam em novas reformas institucionais na Região Demarcada do Douro é razão para começarmos a ficar assustados, porque foi com sucessivas reformas institucionais da Região Demarcada do Douro que, desde 1995, no último governo do Prof. Cavaco Silva, do PSD, a região viu a sua situação dramaticamente agravada.
Naquela que correspondia a uma regulação de mercados do comércio e da produção fina, concluída após 250 anos de experiência da região demarcada mais antiga do mundo, foram feitas rupturas que só tiveram um significado, o de desequilibrar completamente a força — que até ali estava equilibrada, sobretudo pela Casa do Douro — entre os interesses dos 40 000 pequenos vitivinicultores e os interesses das grandes casas exportadoras, de Gaia.
Essas reformas sucessivas, em nome da criação de uma organização interprofissional, que nunca foi levada a cabo, com prejuízos terríveis para a Casa do Douro, que sucessivos governos, vossos e do PS, nunca foram capazes de assumir, não assumindo inclusive o que haviam protocolado com a própria Casa do Douro, levaram a que a região se encontre hoje no estado lastimável em que se encontra. Daí a nossa preocupação com uma nova grande reforma do Douro.
Sr. Deputado, é uma evidência que a decisão do IVDP foi errada, e tanto o foi que o Sr. Secretário de Estado teve ocasião de dizer e até tomou uma medida aparentemente consentânea com a decisão tomada pelo IVDP: Mas depois não se percebe: toma uma medida e não corrige?!
Tendo um papel de fiel da balança na cúpula deste órgão interprofissional, não toma as medidas para corrigir o erro de uma pessoa que consideram que errou, de tal maneira que a exoneraram?
Gostaria de ouvir a bancada do PS dizer se está de acordo connosco quanto à correcção do erro, se está de acordo com a devolução dos 8 milhões de euros que o governo anterior «sacou» ao IVDP e que pertencem à Região Demarcada do Douro. Pergunto ainda se está de acordo connosco relativamente ao problema da especulação da aguardente vínica, se está de acordo connosco no sentido de uma intervenção junto da exportação, no sentido de elevar significativamente os preços dos vinhos.
Ora, Sr. Deputado, sobre isso não o ouvi dizer nem uma palavra e espero que quando discutirmos o nosso projecto de resolução o aprove.

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