Intervenção de Diana Ferreira na Assembleia de República

Direito à Vida Independente das pessoas com deficiência

Sr. Presidente,
Desde já, gostaria de começar por saudar o Bloco de Esquerda pelo tema que traz hoje aqui a debate, pela reflexão que nos convoca a fazer sobre esta matéria, saudando também todas as pessoas que estão presentes a assistir a este debate e saudando as organizações das pessoas com deficiência pelas ações e pelas lutas que têm desenvolvido na defesa dos direitos das pessoas com deficiência.
O Sr. Deputado Jorge Falcato interveio sobre as questões da vida independente, sendo esta uma matéria que o Bloco de Esquerda tem trazido para a discussão. Também o PCP tem intervindo sobre essa matéria. Aliás, apresentou uma iniciativa legislativa nesta Casa — que, infelizmente, foi rejeitada pela maioria PSD/CDS na anterior Legislatura — em que propúnhamos exatamente a criação de um projeto-piloto para um regime de apoio à vida independente em articulação e com o envolvimento das organizações das pessoas com deficiência para que fossem definidos os objetivos, os critérios, os tipos de resposta, a quantidade de apoios, a natureza dos apoios e os procedimentos e até a possibilidade de existência de uma futura prestação social de apoio à vida independente para as pessoas com deficiência agravada e com reduzida autonomia. Propúnhamos também nessa iniciativa a criação de um serviço-piloto de assistentes pessoais, com formação em várias áreas, designadamente assistência pessoal para cuidados de higiene e cuidados pessoais, de serviços domésticos, de serviços sociais, designadamente no que se refere ao apoio ao emprego, no acesso a equipamentos de desporto, de cultura, de lazer e no desenvolvimento da vida social, aliviando, assim, a pressão que existe sobre os membros da família, tal como o Sr. Deputado referiu da tribuna, e sobre outros prestadores de cuidados informais que, muitas vezes, tendo de prestar apoio aos familiares com deficiência, ficam impossibilitados de desenvolver uma atividade profissional. Fizemo-lo porque, no nosso País, o direito a uma vida autónoma, a uma vida digna e independente é negado a milhares de pessoas com deficiência e porque entendemos que a construção de uma sociedade que garanta a inclusão social e a integração exige medidas concretas que permitam às pessoas com deficiência viver com dignidade nas suas próprias habitações e participarem na vida das suas comunidades, junto da sua família, junto dos seus amigos, promovendo a sua autonomia e independência e, desta forma, permitindo que muitas pessoas com deficiência possam trabalhar sem recorrer ao auxílio da família e que outras consigam aceder ao emprego, que consideramos um aspeto central para a dignidade do ser humano. Sr. Deputado, falou-se sobre programas e projetos-piloto para a vida independente, mas importa também saber a opinião do Bloco de Esquerda sobre quais os passos que têm de ser dados para que os projetos-piloto passem a ser uma realidade na vida de todos os dias das pessoas com deficiência. É isso que se pretende de um projeto piloto, isto é, que, partindo de uma experiência, se alargue e se torne uma realidade decente na vida destas pessoas, aliás, um direito inalienável.
(...)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Sr.ª Secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência,
Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares,
Sr. Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social,
Gostaria também de colocar ao Sr. Ministro questões relacionadas com os projetos ou os programas-piloto da vida independente, designadamente gostaria de ter mais informação sobre o seu financiamento ou os valores que possam estar envolvidos no financiamento a estes mesmos projetos, o universo de pessoas com deficiência que serão abrangidas nestes programas-piloto e também qual a sua extensão a nível territorial, ou, se já estiver previsto, quais os locais de implementação destes projetos. Queria também levantar a questão que já colocámos ao Bloco de Esquerda, sobre a perspetiva da continuidade e do futuro destes programas-piloto, quando deixarem de o ser. Além destas questões relacionadas com a vida independente, importa também ao PCP reiterar as preocupações que temos relativamente às questões das acessibilidades. Sabemos que hoje há milhares de pessoas com deficiência que frequentemente não conseguem mover-se dentro das suas próprias cidades nem aceder a edifícios públicos. Aliás, não há muito tempo, e aqui bem perto, houve uma ação dinamizada pelas organizações das pessoas com deficiência que demonstrou exatamente as dificuldades de mobilidade na cidade de Lisboa, as barreiras que existem e que importa eliminar. O PCP apresentou na Assembleia da República uma iniciativa legislativa no sentido de se fazer um levantamento da realidade da situação das acessibilidades ao nível nacional, bem como de serem tomadas medidas para o cumprimento das adaptações previstas no Decreto-Lei n.º 163/2016, e importava saber da disponibilidade do Governo para estas propostas e a sua planificação a possíveis soluções.
Embora o Sr. Ministro já tenha aqui adiantado uma possível solução, importaria aprofundar esse conhecimento, até porque, recentemente, foi anunciado pela Sr.ª Secretária de Estado do Turismo duas linhas de investimento para adaptação de espaços públicos e para a reconversão e adaptação de hotéis e de alojamento turístico, de restaurantes e de outros espaços de animação turística. Gostaríamos de saber se, neste ou num outro investimento, está prevista alguma intervenção a nível de outro tipo de equipamentos e de espaços públicos, designadamente de educação, de saúde, culturais ou, mesmo, de outros serviços públicos. Entendemos que a adaptação de espaços como estes é fundamental para cumprir, no dia a dia das pessoas com deficiência, o seu direito à mobilidade. Gostaríamos ainda de fazer uma pergunta em relação ao trabalho — que é um pilar fundamental para a garantia da independência, da autonomia e da dignidade na vida de cada um —, designadamente no que respeita à adaptabilidade do posto de trabalho. Referimo-nos mais precisamente aos sinistrados do trabalho e muitas vezes à necessidade que existe de estes trabalhadores, no regresso ao seu local de trabalho, verem o seu posto de trabalho adaptado, o que muitas vezes, num conjunto de entidades públicas e privadas, não acontece, o que significa o desemprego para estes trabalhadores. Gostaríamos, portanto, de perceber o conhecimento do Governo sobre esta matéria e possíveis medidas a tomar. Por fim, coloco uma pergunta sobre os balcões da inclusão. Uma informação que chegou ao PCP e que importa também confirmar é referente ao atendimento, que só pode ser feito através da apresentação do atestado multiusos. Isto coloca também um problema aos sinistrados do trabalho e a pessoas com doença profissional, que têm incapacidade ou deficiência reconhecida pelo Tribunal de Trabalho e pelo ISS (Instituto de Segurança Social), mas não têm o atestado multiusos e têm de ter acesso a ele para poderem ir ao balcão da inclusão social. Queríamos confirmar esta informação e perceber a disponibilidade do Governo para tomar medidas no sentido de os balcões da inclusão darem resposta a todas as pessoas com deficiência e incapacidade.
(...)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo:
As preocupações com o agravamento das desigualdades sociais e das injustiças sentidas nos últimos anos, especialmente durante os quatro anos de governação do PSD e do CDS, no que toca a pessoas com deficiência, traduziramse em cortes nas prestações sociais, em pensões e em apoios baixíssimos às pessoas com deficiência.
Foi esta a preocupação que tiveram durante quatro anos.
Mas, como eu dizia, este agravamento das realidades sociais é sentida de forma mais acentuada pelas pessoas com deficiência, que são pessoas com mais carências económicas, sujeitas a uma maior degradação das condições de vida e que sofrem as mais violentas consequências do desemprego e da precariedade, o que as coloca nos grupos sociais mais atingidos pela pobreza e pela exclusão social. A grande maioria das pessoas com deficiência não está empregada, muitos não estão inscritos em centros de emprego, muitos vão passando de ação de formação em ação de formação sem encontrar uma solução concreta e definitiva de futuro. Falamos da necessidade de garantir o acesso ao emprego, e ao emprego com direitos. Falamos da necessidade de garantir o acesso à saúde, designadamente no âmbito de tratamentos, de terapias, da reabilitação física, de medicação, de ajudas técnicas e mesmo no do acesso a unidades e a equipamentos de saúde. Falamos da necessidade de garantir o acesso à educação, ao conhecimento, à cultura, cumprindo-se o direito constitucional das crianças dos jovens e das pessoas com deficiência. Falamos da necessidade de eliminar as barreiras físicas e arquitetónicas, as barreiras de comunicação e de informação, de derrubar as gravíssimas limitações no acesso aos transportes públicos e as limitações que continuam a existir em edifícios de habitação, de serviços públicos e de cultura, que não garantem o acesso a pessoas com deficiência. A garantia da acessibilidade está diretamente relacionada com o pleno exercício dos direitos sociais e políticos destas pessoas e, por isso, entendemos que a intervenção e as medidas a tomar nesta área devem ser transversais e multissetoriais. Os instrumentos jurídicos que sejam garante dos direitos das pessoas com deficiência já existem.
Vou terminar, Sr. Presidente. É preciso, sim, efetivar esses direitos, transportá-los para a vida e para o dia a dia dessas pessoas, traduzindo-os em medidas de combate à discriminação e à exclusão e garantindo o acesso ao trabalho e à proteção social, à saúde, à educação, à habitação, ao desporto e à participação ativa na vida política e social. Importa consagrar na vida concreta de todos os dias o que existe em lei, não no caminho de medidas assistencialistas e caritativas, que representam um profundo retrocesso político e social mas, sim, num caminho de progresso e de justiça social. Cá estaremos, como temos estado, para que a nossa intervenção dê resposta aos problemas das pessoas com deficiência, num caminho de uma vida autónoma, independente e digna, que é um direito inalienável de todos e de cada um.

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