Direito à habitação e ao emprego

 

 

 

Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral do PCP
Sessão Pública sobre «Direito à habitação e ao emprego»

Com a Revolução de Abril, as suas conquistas e a consagração de uma Constituição da República portadora de um projecto de sociedade avançado e progressista, alcançou-se um tempo novo, de avanços democráticos na sociedade portuguesa e que se traduziram na melhoria das condições de vida de centenas de milhares de jovens. Um tempo novo e de esperança que se viu cercado por um ataque que dura há mais de trinta anos por parte da política de direita e que não se conformou com o acervo de conquistas entretanto alcançadas. Trinta e quatro anos passados e mais de três milhões de portugueses já nasceram depois da Revolução.

A situação com que milhares desses jovens estão confrontados é a negação dos direitos de Abril, é a amarga realidade de uma política que falando do futuro, procura trazer de volta as dificuldades do passado. A situação com que hoje estão confrontadas as novas gerações de trabalhadores, isto é, mais de 35% da população activa, tem vindo a agravar-se.

Anos a fio de políticas de direita, de ataques aos direitos dos trabalhadores, de precarização das relações laborais, de desvalorização dos salários, de aumento do desemprego, de liquidação das funções sociais do Estado, de desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde e, sobretudo, de desenvolvimento de uma política de habitação, assente na imposição da ideia da necessidade de aquisição de habitação própria e de endividamento por parte dos jovens, conduziu a uma situação verdadeiramente dramática para quem está hoje a iniciar a sua vida activa.

No plano do emprego, são estas camadas aquelas que de uma forma mais evidente sentem na pele a instabilidade permanente decorrente da precarização das relações laborais e que comporta a crescente desvalorização dos salários, o alargamento do horário de trabalho, a conjugação de elevados níveis de exploração. A marca profunda das políticas de direita está aí, bem patente nos elevados ritmos de trabalho, nos duplos empregos, nos novos fluxos de emigração, nos contratos de um mês, nos falsos recibos verdes, nas empresas de trabalho temporário e de aluguer de mão-de-obra, ou nas ditas formações profissionais que se eternizam sem que melhorem as qualificações.   

E para muitos que, fruto das conquistas de Abril, viram alargados os seus níveis de escolaridade para patamares que as anteriores gerações nunca tiveram direito, não se pode dizer que a situação seja diferente.

São hoje mais de 40.000 os trabalhadores com formação superior que estão no desemprego, sem contar com os que desempenham funções muito abaixo das suas qualificações.

Não é o PCP que afirma, mas sim os próprios dados oficiais que revelam que a população jovem desempregada corresponde a mais de  metade do total da população desempregada, ou seja que são mais de 230.000 os jovens inscritos nos centros de emprego.

Não foi o PCP que descobriu, mas o INE que divulgou que o salário líquido dos trabalhadores jovens corresponde a menos 34 % da média nacional no escalão entre os 15 e os 24 anos, ou seja cerca de 468 €, e a menos 8% da média nacional no escalão entre os 25 e 34 anos, ou seja 668 € 

Quando apresentam este quadro de relações laborais como sinal dos tempos, como uma inevitabilidade decorrente da globalização capitalista, de uma economia moderna e competitiva, como um desafio e uma oportunidade para as novas gerações de trabalhadores sabemos que o que pretendem é o agravamento da exploração, é a tentativa de amarrar milhares de jovens à instabilidade, à precariedade permanente é, no fundo, apresentar como moderno, aquilo que é velho e caduco.

A ameaça que hoje está colocada por parte do Governo/PS de alteração para pior da legislação laboral, confirma a tentativa de um profundo retrocesso histórico nos direitos dos trabalhadores e um novo factor de condicionamento das condições de vida destas gerações.

O que o Governo PS pretende impor é a legalização da precariedade com a facilitação dos despedimentos, o alargamento do horário de trabalho, a diminuição das remunerações e a liquidação da contratação colectiva, isto é, procura dar cobertura a muito do que hoje já é praticado contra a lei e procura ir o mais longe possível na criação de uma nova geração de trabalhadores sem direitos .

Em vez de uma legislação de protecção dos trabalhadores, que institua o princípio que a um posto de trabalho permanente deve corresponder um contrato de trabalho efectivo, o Governo mantém todas as formas de trabalho precário e cria novas figuras jurídicas para o seu enquadramento.

Em vez de medidas para aplicar a legislação e penalizar o não cumprimento da lei pelo patronato, o Governo propõe o pagamento de avultadas verbas às empresas para aumentar os seus lucros à custa da segurança social e das receitas fiscais, na piedosa ideia de que daí resultaria a diminuição da precariedade.

Novas gerações que procuram legitimamente começar a sua vida activa, ganhar autonomia e independência financeira, sair da casa dos pais, ter filhos (quando essa é a sua opção) e andar para a frente com uma vida com um mínimo de dignidade.

Foi com a política de direita, protagonizada pelo PSD e PS,  que no plano da habitação se empurraram milhares de portugueses para a aquisição de habitação própria, levando a que hoje um milhão e seiscentas mil famílias tenham um empréstimo à banca.

A ausência de uma política pública de habitação, o favorecimento da especulação imobiliária, a política facilitadora de crédito num quadro em que ao longo de anos assistimos à desvalorização dos salários, a estratégia de marketing agressiva por parte da banca, o desaparecimento de mecanismos dinamizadores do arrendamento, como foi o caso do recentemente destruído Incentivo ao Arrendamento Jovem, mas sobretudo, uma política de favorecimento do capital financeiro e de transferência indirecta do rendimento dos trabalhadores para a remuneração da banca, levou a que o problema dos empréstimos para a compra de casa, agravados por um quadro de aumento progressivo das taxas de juro, constitua um dos principais factores de estrangulamento das condições de vida dos jovens.

Um problema tanto mais inaceitável quanto sabemos que existem mais de 650.000 fogos disponíveis, a par do crescente esvaziamento dos centros das cidades, que se vêem cada vez mais desertas e degradadas.

Um problema que, para as cerca de 900.000 famílias situadas entre os 20 e os 40 anos, assume a cada dia que passa uma maior gravidade. Pois é precisamente nestes escalões etários que o problema atinge maior gravidade, onde, mais de 56% das famílias entre os 30 e os 40 anos têm hoje empréstimos à habitação, com custos que representam mais de 30% do seu rendimento disponível. Dívidas à banca que no quadro geral correspondem a 129% de tudo aquilo que os portugueses ganham num ano.

Sabemos bem que a concessão de crédito pelos bancos não se orienta pelas necessidades de desenvolvimento do país, ou pela elevação das condições de vida da população, mas sim com o estrito objectivo de alcançar lucros e reduzir os risco do crédito.

Lucros da banca que subiram sempre dois dígitos nos últimos anos ao mesmo tempo em que os salários reais diminuíram, como confirma também a OCDE para o ano 2006, os salários em Portugal decresceram mais do que em qualquer outro país, ou seja, 2,6%.

Lucros que continuam protegidos pela política do Banco Central Europeu que ainda na semana passada decidiu uma nova subida, a nona em pouco mais de dois anos, perante o silêncio cúmplice da parte do Governo PS, que nada diz perante o facto de, neste período, assistirmos ao agravamento de 50, 100 e até 150 na prestação mensal ao banco.

Dêem as voltas que derem há um gravíssimo problema hoje em Portugal com as dívidas à banca para a aquisição de casa própria e o governo, perante esse problema, ou está do lado dos trabalhadores, dos jovens e das populações, ou está do lado da banca.   

No plano dos apoios à família crescem as dificuldades. Se é verdade que os baixos salários, os prolongados horários de trabalho, o desemprego são factores cada vez mais limitadores da opção de ter filhos, a crescente desresponsabilização do governo na rede de equipamentos sociais de apoio à infância e a sua transferência para as entidades privadas de solidariedade social tem vindo a gerar o aumento da comparticipação financeira das famílias, a crescente selectividade de ingresso nestas instituições, favorecendo as famílias de mais elevados rendimentos e o aumento das listas de espera na rede pública.

E apesar da lei considerar a protecção à maternidade, são também, em número crescente os exemplos em que gravidez significa o despedimento da jovem trabalhadora. Não se trata apenas de questionar que futuro para estas jovens gerações? Mas sim, que tempo presente é este, onde perante tanto lucro, tanto luxo, tanta abundância para uns poucos, se impõe a instabilidade do trabalho precário, o garrote das dívidas à banca, a angústia de não poder dar uma vida melhor aos seus filhos para a imensa maioria.

Como temos dito são tempos de uma violenta ofensiva. O capital, insaciável na sua voragem de lucros e acumulação capitalista, quer roubar o melhor da vida destas gerações e conta com um governo subserviente para alcançar esse objectivo.

E por isso, num momento em que o Governo/PS, ao mesmo tempo que procura sacudir a água do capote, dizendo que nada tem a ver com a grave situação social que percorre o país, o PCP reafirma que, mais do que nunca, é necessária uma ruptura com as políticas de direita para alterar com medidas de fundo a actual situação e garantir o direito à habitação e ao emprego, mas também medidas de emergência face à grave situação social que se instalou e agravou de forma substancial nos últimos tempos.

É a pensar na dramática situação que neste preciso momento os jovens enfrentam, que o PCP não pode deixar de insistir e a bater-se por propostas que, no imediato, atenuem e aliviem o enorme peso das dificuldades e dos encargos que de forma abrupta passaram a pender sobre os jovens e suas famílias.

Medidas que vão ao encontro dos problemas e causas que estão a influenciar a degradação das suas condições de vida. Medidas que sejam efectivamente de emergência para acudir à situação excepcional que as jovens famílias enfrentam e que de forma integrada respondam aos seus problemas e não tímidas medidas avulsas, a concretizar e com efeitos daqui a um ano, como aquelas que o primeiro-ministro recentemente esboçou. Medidas visando simultaneamente uma redução dos custos da habitação, mas também medidas de revalorização dos rendimentos do trabalho face à alta do custo de vida, de combate à precariedade e de apoio aos casais com filhos.

No que diz respeito à habitação os agravamentos consecutivos dos seus custos nos últimos meses, em consequência da sistemática subida da taxa Euribor, exigem que continuemos o combate pela justa e necessária proposta que o PCP apresentou no passado dia 26 de Junho e que visa aliviar estas famílias de uma parte dos encargos que hoje têm.

A medida que defendemos tem como ponto de partida o facto da banca, apesar das dificuldades da esmagadora maioria dos portugueses, continuar a obter lucros chorudos através da aplicação de uma taxa de lucro elevada que varia em função dos serviços que o cliente compra ao banco.

A proposta assenta em dois eixos centrais: a possibilidade do Estado intervir através do Banco Público - a Caixa Geral de Depósitos - como forma de regular o mercado neste momento de crise e o facto do Governo ter decidido implementar a partir do passado dia 1 de Julho, a taxa de referência de 5,428 máxima para o crédito bonificado, tendo como referência a Euribor a 6 meses acrescida de um spread de 0,5 pontos percentuais.

Desta forma teríamos o Estado, como único accionista da Caixa Geral de Depósitos, a definir como limite superior para os empréstimos de Crédito à Habitação Própria Permanente nesta instituição bancária, uma taxa de juro efectiva máxima o valor da Euribor a 6 meses acrescida de um spread de 0,5 pontos percentuais. A restante banca ou seguia a mesma estratégia ou seria confrontada com a fuga dos clientes para o Banco Público. Esta proposta considerando o valor da Euribor a 6 meses no dia da apresentação da proposta e a taxa efectiva cobrada pela Banca (cerca de 7%), a medida por si só significaria para um empréstimo de 100.000 euros pagos a 360 meses, uma poupança mensal de 102 euros e uma poupança no custo final do empréstimo de cerca de 37.000 euros. Se o empréstimo for a 600 meses então a poupança é respectivamente de 117 e 70.000 euros respectivamente.
Proposta que não é contraditória com a necessidade de implementar uma verdadeira política de arrendamento, com incentivos nomeadamente ao arrendamento jovem. Nesse sentido o PCP propõe o imediato alargamento dos critérios e dos meios dos incentivos ao arrendamento jovem, bem como o seu prolongamento aos jovens até 35 anos.

Outra medida mínima de combate, no imediato, à crise exige a consideração da reposição do poder de compra, posto em causa com os brutais aumentos dos bens e serviços essenciais destes últimos meses. O governo já reconheceu que o valor estimado para a inflação para este ano e que determinou o ajustamento dos salários ficou aquém da realidade, mas ficou-se apenas pelo reconhecimento.

É preciso, como propomos nas sete medidas urgentes que apresentámos para enfrentar a crise, o aumento geral dos salários, designadamente do salário mínimo nacional, que inclua um aumento intercalar para os trabalhadores da administração pública que reponha o poder de compra perdido. Tal como é urgente a alteração dos critérios para atribuição do subsídio de desemprego abandonando as medidas restritivas impostas pelo governo e que leva a que a maioria dos desempregados não tenham acesso ao respectivo subsídio.

Inadiável é a necessidade da implementação de um Programa Nacional de combate à precariedade e ao trabalho ilegal, instituindo esse objectivo como política do Estado. Programa a começar pelo combate à precariedade na Administração Pública, aplicando o princípio que as necessidades permanentes devem ser asseguradas com trabalhadores do quadro. O mesmo principio para aplicar a todas as actividades e em todos os sectores.

Também no apoio à família urge tomar medidas urgentes reforçando o investimento nos equipamentos sociais de apoio.

Não há solução na inversão da grave situação que se apresenta sem um forte investimento social, de forma a criar estruturas que permitam respostas integradas às crianças e famílias, nomeadamente com uma aposta forte numa Rede Pública de apoio à primeira infância e à infância com equipamentos de qualidade e a preços acessíveis para as famílias das camadas trabalhadoras. Forte investimento que promova a generalização da Rede Pública pré-escolar, que inclua a ocupação dos tempos livres, a par  do desenvolvimento de uma efectiva acção social escolar capaz de garantir às crianças do ensino obrigatório, designadamente de um suplemento alimentar completo, transportes escolares e, quando necessário, assistência médica escolar.

Somos dos que pensamos que as novas gerações têm direito a uma vida digna que lhes permita a sua realização profissional e pessoal.

Os jovens podem contar com o PCP e a JCP, como uma força que está ao seu lado e sente os seus problemas e integra as suas justas aspirações no seu projecto político.

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