Dia Mundial da Criança

 

Declaração de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral do PCP
Dia Mundial da Criança

Assinala-se hoje por todo o planeta, o Dia Mundial da Criança. Indo ao encontro dos mais genuínos propósitos que deram origem à sua criação, o PCP vem juntar a sua voz à daqueles que por todo o mundo continuam a luta pela efectivação dos direitos das crianças, nomeadamente os seus direitos à protecção, a cuidados e atenções especiais, ao desenvolvimento integral e à felicidade, como o proclamaram os Estados Membros das Nações Unidas em meados do século passado, reafirmados posteriormente na Declaração e na Convenção dos Direitos da Criança.

Tratava-se, com a consagração deste dia às crianças de todo o mundo e aos seus direitos, do reconhecimento por parte dos países de que há crianças que vivem em condições particularmente difíceis, a quem importa garantir condições de vida digna visando o seu desenvolvimento harmonioso, num mundo mais humano e mais justo.

Neste ano de 2007, em todos os países, milhões de crianças continuam a viver em condições de extrema pobreza, vítimas da fome, sem cuidados médicos, sem acesso à educação e muitos outros problemas que expressam situações de humilhação e violência contra as crianças, a quem são negadas oportunidades para se desenvolverem plenamente, com liberdade e com dignidade.

Também aqui, no nosso país, muitos dos direitos da criança continuam a ser ignorados. Muitos milhares de crianças são também vítimas de subnutrição, fome e insucesso escolar, de falta de assistência médica, de protecção e de meios de lazer adequados.

Portugal é dos países onde cresce a pobreza infantil, mantendo uma das mais altas taxas da União Europeia, enquanto ocupa também um dos últimos lugares na tabela do “bem-estar educativo”.

A situação social e laboral conheceu um novo agravamento nestes dois anos de governo do PS, em que pesa o elevado desemprego que contínua a crescer, a redução dos rendimentos do trabalho e do poder de compra dos trabalhadores e suas famílias. A degradação desta situação amplia-se com uma ofensiva sem precedentes contra os direitos sociais, com impactos muito negativos na saúde, na educação e no sistema de protecção social, acentuando as desigualdades, agravando a situação das crianças e aumentando o número de crianças e jovens em risco.

A melhoria da situação das crianças e jovens exige o reforço da intervenção do Estado que não pode continuar a demitir-se das suas responsabilidades na promoção dos seus direitos.
 
O PCP tem apresentado um conjunto de propostas específicas visando a defesa e promoção dos direitos das crianças que urge concretizar, mas a alteração da gravidade da situação, nomeadamente o combate à pobreza infantil que atinge 23% das crianças portuguesas, exige uma profunda alteração nas políticas económicas e sociais, a criação de adequadas condições de vida e de trabalho dos pais e a melhoria das condições de vida das famílias.

Há, contudo, um problema que quisemos tornar particularmente evidente neste dia 1 de Junho: a situação vivida por cerca de meio milhão de crianças do 1º ciclo do ensino básico.

É neste vazio de políticas credíveis para a infância que avaliamos, nos planos político e pedagógico, o conjunto de medidas que estão a ser implementadas no 1º ciclo do ensino básico. Medidas que têm sido apresentadas como indispensáveis ao desenvolvimento destas crianças, como as chamadas «escola a tempo inteiro» e «actividades de enriquecimento curricular», as promessas de generalização do programa de inglês que não se concretizam nos 1º e 2º anos. Em nossa opinião estamos perante uma mentira de grandes proporções, apoiada num conjunto de dificuldades e insuficiências identificados há muito neste nível de ensino, na falta de respostas sociais do Estado às dificuldades da grande maioria das famílias que o prolongamento do horário escolar não resolve, com consequências no processo ensino-aprendizagem destas crianças que hoje ainda não é possível determinar em toda a sua extensão.

Disse a Ministra que «as mudanças no 1º ciclo são impressionantes e alimentam o nosso optimismo. O horário alargado, as actividades, as melhores condições de trabalho e as refeições quentes, por exemplo, vão permitir melhorar os resultados num espaço de tempo mais curto do que alguma vez pudemos imaginar». Com o número de alunos a aumentar, mais 21 000 do que no ano anterior, menos 8239 professores e 1600 escolas encerradas, a Ministra afirmou que estes são “resultados positivos de políticas” que levou a cabo.

Não podia ser mais clara. O objectivo de reduzir o investimento no 1º ciclo do básico – objectivo prioritário –, está conseguido. O que a Ministra não diz é que com as medidas, quer no conteúdo quer na forma, que tem vindo a tomar e que em muitos aspectos não respeitam a Lei de Bases do Sistema Educativo e vão contra a própria Constituição da República Portuguesa, não está a dignificar este nível de ensino enquanto suporte fundamental de aprendizagens futuras.

Bem gostávamos de nos enganar, mas o tempo e a vida encarregar-se-ão de fazer a avaliação das desastrosas medidas do governo. Decisões políticas que não acompanham, longe disso, o impulso que foi dado com a Revolução de Abril, o empenhamento dos professores e de algumas autarquias na valorização deste nível de ensino.

Não estamos apenas perante a concretização de políticas que são o resultado da obsessão pelo défice das contas públicas. Estamos perante uma opção mais profunda cuja matriz ideológica não engana: desresponsabilizar de forma crescente o Estado, abrindo desta forma espaço à penetração do sector privado no “negócio da educação”, percurso que tem sido acompanhado em simultâneo pelo desenvolvimento da tese de que também neste sector se deve deixar o mercado funcionar e, desta forma concorrencial, hierarquizar a qualidade de escolas e professores, deixando aos pais a opção da escolha entre público e privado, a ser paga pelo Estado.

Os números são muito esclarecedores: no ano lectivo de 2004/2005 num total 504.412 de alunos matriculados no 1º ciclo do básico, 90,1% estudavam no público e 9,9% no privado, enquanto 2005/2006 num total de 467.061 alunos, 89,8 % frequentavam o ensino público e 10,2 % o ensino privado. Neste mesmo período o número de escolas públicas do 1º ciclo passou de 7571 para 7441.

Se tivermos em conta que só no ano passado encerraram mais de 1600 escolas do 1º ciclo e que para este ano já estão sinalizadas pelo menos mais 900 escolas para fecharem portas, então não é difícil prever que no ano lectivo de 2008/2009 com menos 45,7% das escolas públicas que existiam em 2005/2006, estas alterações serão ainda mais significativas.

A política de abate de escolas anunciada como uma medida que visa dar mais qualidade ao ensino, sustentada na ideia de que são as escolas de maior dimensão que têm melhores condições de sucesso, não tem apenas consequências no plano pedagógico. Esta medida irresponsável rompe com qualquer critério razoável de desenvolvimento equilibrado do ponto de vista regional e acelera o processo de desertificação humana em vastas regiões do país. A concretizar-se o encerramento de mais 900 escolas, isto significa que, a partir do final deste ano lectivo, mais de 50% das escolas da região Centro e do Alentejo desaparecem da rede escolar. Aqui tem prevalecido a tese de que “se não existir nada, então justifica-se que nada exista”.

À política cega de encerramento de escolas, o PCP contrapõe uma abordagem séria da reorganização do parque escolar tendo em conta critérios pedagógicos e de desenvolvimento local, que não interrompa o diálogo inter-geracional fundamental para manter a identidade cultural de um povo, com a preocupação de o Governo e as Autarquias Locais garantirem e regularem esta reorganização, mantendo a unidade do sistema sem procurar uniformizá-lo.

A iniciativa privada mantém o direito de se constituir como alternativa para os cidadãos que a ela, de livre vontade, queiram aderir, não podendo, no entanto ser potenciada pelo constrangimento da rede pública.

O ex-ministro da educação do PSD, David Justino, em conformidade com o projecto educativo da direita, defendia que tinha chegado o momento em que a «escola deixava de ser da igualdade e passava a ser a escola da liberdade». Queria ele dizer que estavam criadas as condições para a liberdade de optar entre a escola pública e a privada paga com os dinheiros públicos. Apesar de ter optado por caminhos diferentes, também nesta área o PS está a concretizar o objectivo da direita.

Mas como é possível ter estabilidade e sucesso quando, para além do encerramento de milhares de escolas, são conhecidas as graves lacunas no plano da estrutura e conteúdos curriculares, particularmente no 1º Ciclo do Básico?

Matérias importantes do currículo do 1º ciclo do Básico passaram para as chamadas «actividades de enriquecimento curricular» (AEC), de oferta obrigatória mas de frequência facultativa, sem que tenham sido criadas as condições em boa parte das escolas (só na AML 27% das crianças não têm AEC). Por outro lado, a carga horária a que são sujeitas as crianças entre os seis e os dez anos, é uma das maiores na Europa. Assim, o governo do PS não só está a por em causa o direito constitucional de acesso e sucesso escolar em igualdade, como está a desferir um ataque sem precedentes contra a escola pública e os direitos de docentes e não docentes.

Uma análise rigorosa da situação que se vive em todo o país, permite concluir que são falsas as afirmações de responsáveis do Ministério da Educação sobre o “êxito” deste programa. De facto, o que podemos hoje concluir é que estamos perante o empobrecimento do currículo do 1º ciclo e uma regressão no plano pedagógico face ao que já existia e que está consagrado na Lei de Bases do Sistema Educativo.

Com as AEC vive-se uma situação de oferta obrigatória e frequência facultativa, com a agravante de se atribuir um papel secundário aos Agrupamentos de escolas na sua dinamização, o que significa um retrocesso na autonomia das escolas, impedindo a construção de uma verdadeira escola a Tempo Inteiro, desvalorizando desta forma a Escola Pública.

A escola a tempo inteiro que defendemos é uma escola pública de qualidade que não termina às 15 horas, onde as crianças têm tempo e espaço para actividades lúdicas e informais.

É uma escola que não condiciona o necessário convívio familiar e social. É um espaço e um tempo onde o aluno e o professor gostam de estar, ponto de partida para qualquer sucesso.

É uma escola que aposta no desenvolvimento das competências, com o professor da turma coadjuvado por equipas multidisciplinares em interacção consigo.

Uma escola verdadeiramente inclusiva, apostada em ajudar à integração de todos os alunos com problemas, com equipas de apoio integradas por psicólogos e assistentes sociais a trabalharem interligadas com os Centros de Saúde.

A política de educação deve garantir o direito de acesso à escola e ao sucesso escolar, em equidade, às crianças do nosso país. Ao contrário do que foi afirmado ontem na Assembleia da República pelo Primeiro-ministro, não se está a construir uma escola exigente e de sucesso. Não basta o computador e o acesso à banda larga para que os cidadãos tenham acesso ao conhecimento.

É fundamental aumentar os níveis de qualidade da formação dos portugueses. Para tal é necessário um sistema de ensino cujo paradigma deve ser não uma formação orientada e dirigida pelos interesses do capital, assente num modelo de desenvolvimento de baixas qualificações e de baixos salários mas a formação de indivíduos preparados para a vida activa mas e com consciência crítica para a intervenção na vida política e social do país.
 

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