Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral

Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial

Assinalamos com esta cerimónia o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, proclamado pelas Nações Unidas em 1966, no seguimento do massacre de Sharpville na República da África do Sul, então sob o domínio do violento e hediondo sistema racista do “apartheid”.

Com esta sessão evocativa queremos, em primeiro lugar, recordar e homenagear os mártires desse dia 21 de Março de 1960, as centenas de habitantes desse bairro negro sul-africano, vitimas da mais brutal violência policial, mas também todos aqueles que ao longo da história, e com mais evidência e visibilidade neste último século, têm dedicado com o seu trabalho militante, em muitas circunstâncias, arriscando a própria vida e liberdade no combate à discriminação racial e à xenofobia, pelos direitos fundamentais e a dignidade de todos homens que queremos livres e iguais em direitos.

Em segundo lugar reafirmamos a nossa decidida e firme disposição de continuar a luta contra todas as formas de opressão, dominação e exploração seja de classe, raça, cor, religião ou política e pela construção de uma sociedade livre de discriminações, justa e solidária.

Reafirmamo-lo neste dia que a comunidade internacional reserva para denunciar e chamar a atenção para um flagelo humano que permanece e que ainda marca duramente o mundo e as sociedades contemporâneas.

É verdade que muita coisa mudou, em resultado da luta, no contexto das nações e no seio de cada país nestes últimos quarenta anos que nos separam da decisão da ONU de consagrar este dia à luta contra a discriminação racial, incluindo o desaparecimento do ignóbil sistema do “apartheid” na África do Sul.

Mas bastaria fixarmo-nos, por um momento, em relação à forma como certas forças reagem e respondem à actual crise do sistema capitalista e à agudização da nossa própria crise interna para verificarmos como os promotores do racismo, continuam o seu trabalho de criação de “bodes expiatórios” para alimentar a divisão dos oprimidos na base do medo, do egoísmo, da ameaça, para manter o seu domínio político-ideológico e o sistema de exploração que é fonte e campo das mais desumanas práticas de discriminação racial.

Os imigrantes têm sido as principais vítimas dessas várias formas de racismo, umas subtis, outras explícitas e que alguns tudo fazem para o manter latente na nossa sociedade e que a crescente precarização do mundo laboral e da vida e o brutal aumento do desemprego alimentam, tal como alimentam as dificuldades crescentes da maioria da população e as desigualdades sociais, cada vez mais evidentes com a agudização da crise do capitalismo e com o aprofundamento da sua natureza exploradora.
Vemos como as cabeças do monstro renascem constantemente e quanto vigilantes e activos precisamos de estar para lhes cortar o passo. Insinua-se aqui o que em Inglaterra se disse explicitamente e ainda recentemente, contra o direito ao trabalho dos trabalhadores portugueses.

Vemos como se alimentam hostilidades e se procuram responsáveis à volta da mesma ideia do trabalho para os de cá, dos excessos de quotas para trabalhadores imigrantes ou da exigência da “utilização de mão-de-obra portuguesa como critério chave na escolha do investimento público” e se explora o aumento da violência e da insegurança pública estigmatizando territórios e pessoas em função da cor da pele. 

Quem ouviu o que disseram os principais dirigentes do PSD e CDS-PP nestes últimos quinze dias não pode deixar de se indignar pelo cariz xenófobo das suas afirmações. A direita mais retrógrada por essa Europa fora e cá, procura uma base social, política e eleitoral de apoio a partir de um discurso racista, de culpabilização dos imigrantes por tudo ou quase tudo o que de mau sucede na sociedade e que tem a complacência e, em muitos casos, a conivência dos partidos da social democracia.

Isso tem sido particularmente evidente na implementação de medidas de natureza securitária que atinge em especial os imigrantes de origem africana.

A ideia de construir uma “Europa fortaleza” que visa essencialmente os cidadãos africanos e que tem nas equipas de intervenção rápida nas fronteiras dos diversos países, nos centros de detenção para imigrantes – autênticas prisões -, os exemplos de uma política comum de imigração europeia desumana que cria novos e mais agravados problemas à legalização e à integração.

É no quadro de uma hipócrita política de classe que se esconde atrás dos argumentos de uma inexistente política de imigração de “portas escancaradas” que na Europa se refinam com a aplicação de novos meios e novos métodos as políticas que concretizarão na prática a ideia dessa “Europa fortaleza” por cima dos mais elementares direitos dos imigrantes.

Ao contrário de outros, não olhamos os imigrantes como invasores, como inimigos, à volta dos quais se tenham que erguer muros de protecção, como crescentemente vai acontecendo.

Para nós as razões essenciais do fenómeno migratório, residem no aumento das desigualdades a nível mundial, na cada vez maior concentração da riqueza nas mãos de uma minoria e delapidando os recursos de nações, condenando os povos respectivos à miséria, à fome e ao desemprego. 

Povo de emigrantes, com uma Diáspora de cerca de cinco milhões espalhados por todos os continentes, nós, os portugueses estamos bem colocados para compreender e apoiar os que, junto de nós, procuram um emprego, um salário, uma vida digna e quando nos lembramos das discriminações humilhantes que tantos portugueses sentiram e sentem ainda em muitos dos países para onde emigram.

No entanto, não foi essa a principal característica das políticas adoptadas em Portugal ao longo de muitos anos, fortemente restritivas e marcadas por práticas policiais gravosas para os imigrantes que foram um bloqueio à imigração legal e acabaram por promover o crescimento da imigração ilegal com consequências sociais e humanas muito negativas para vida dos imigrantes e em prejuízo do próprio país.

É nestas circunstâncias também que é preciso reafirmar com muita clareza e muita firmeza que em pleno século XXI não podem caber mais atitudes e formas de procedimento retrógradas que têm por base a classificação preconceituosa dos homens em função da sua cor de pele ou da sua origem.

Não basta, como tantas vezes acontece, aceitar formalmente e proclamar a validade e importância da Declaração Universal dos Direitos do Homem, nomeadamente os que indicam que “ todos os seres humanos nascem livres e iguais em direitos” e sem distinção alguma, não só da raça e da cor, mas de muitas outras, é preciso que na prática isso aconteça e aqueles que tanto falam em “Direitos Humanos” não só abandonem a sua política de dois pesos e duas medidas, como abdiquem do fomento de práticas e propostas de nítido cariz xenófobo e que objectivamente marcam negativamente o outro, o diferente, o imigrante e se traduzem, afinal, em formas inaceitáveis de legitimação do racismo e da exploração.

É porque sabemos que esta realidade persiste e, em certos momentos se agrava, como agora acontece que é necessário continuar o combate em defesa dos direitos dos imigrantes, nomeadamente pela exigência do reconhecimento, por Portugal, da convenção da ONU sobre “Protecção dos direitos de todos os trabalhadores migrantes e membros das suas famílias”.

Uma importante Convenção Internacional, em relação à qual o PCP apresentou na Assembleia da República, em Setembro de 2006 um projecto de resolução visando a sua Ractificação pelo Estado Português que inexplicavelmente foi rejeitada em 11 de Julho do ano passado com os votos contra do PS e CDS-PP e abstenção do PSD.

É porque sabemos que a vida se tornou mais difícil para todos e o desemprego entre os imigrantes cresceu 37% neste último ano, ao mesmo tempo que prolifera o trabalho clandestino que mais se impõe agir e tomar medidas efectivas para garantir os mesmos direitos a todos os trabalhadores e as mesmas condições de protecção social.

É porque sabemos que milhares de imigrantes continuam a aguardar a sua regularização, agravando ainda mais a sua condição de mão-de-obra barata e desprovida de direitos e remetidos para a exasperante situação de insegurança e clandestinidade, que se impõem novas medidas para superar as insuficiências da Lei da Imigração e da Lei da Nacionalidade, mas também propostas e medidas que permitam atacar de forma decidida o recurso ao trabalho clandestino por parte do patronato, o que passa por uma maior e melhor intervenção da Inspecção-geral do Trabalho.

O PCP sempre considerou que o combate eficaz à imigração ilegal passa por viabilizar a imigração legal, acabando com o absurdo sistema de “quotas” constante da “lei de estrangeiros” e por adoptar critérios mais flexíveis de entrada em Portugal para quem pretenda exercer uma actividade profissional.

É porque sabemos que os sucessivos governos e a sua política de direita e prática governativa, criaram enormes desigualdades sociais e autênticos “guetos”, onde se alojam milhares de homens e mulheres e suas famílias em condições desumanas e discriminados no acesso a formas e condições de vida dignas, geradoras de insatisfação e revolta que não se podem resolver com a repressão policial, mas com medidas políticas de integração e com o reforço do investimento e acções de reabilitação urbana que respondam de forma efectiva à solução dos problemas sociais existentes e integrem esses territórios marginalizados no restante espaço urbano.

Medidas que superem não só as suas condições desumanas de habitação, mas também o direito a cuidados de saúde de qualidade, à segurança social, à cultura e ao desporto a pensarmos nas jovens gerações das famílias imigrantes.

Jovens nascidos em Portugal e que frequentam as nossas escolas, mas crescem e formam-se como homens e mulheres em condições extraordinariamente difíceis. Crescem em territórios estigmatizados, sem condições de apoio social e estudam em escolas, elas mesmo também estigmatizadas, com programas desadequados da realidade social onde estão inseridas, por falta de apoios adequados. Escolas que têm que ser apoiadas com uma política de educação baseada numa concepção multicultural da sociedade portuguesa que valorize as diversas identidades, o respeito pela diferença e o efectivo diálogo e convivência entre culturas.

O PCP lembra que, tal como a Carta das Nações Unidas, também a nossa Constituição da República estabelece que todos devem poder usufruir dos direitos humanos e das liberdades fundamentais sem distinção de cor, língua ou religião, para que todas as crianças, mulheres e homens possam viver numa situação de dignidade, igualdade e paz.  

Desde há muitos anos que o PCP tem vindo a lutar, com as associações de imigrantes, pelo reconhecimento pleno dos direitos dos imigrantes em Portugal e tem orgulho de ter tido um conjunto de iniciativas políticas e legislativas, nomeadamente a primeira lei aprovada em Portugal contra a discriminação racial, mas também iniciativas próprias sobre a Lei da Nacionalidade e sobre a Lei da Imigração.

Algumas das nossas propostas não vingaram totalmente.

Nas actuais leis permanecem aspectos negativos que são estruturantes da legislação vigente e com os quais o PCP não se identifica e que permanecem como propostas do PCP e de luta para uma política de imigração mais humana e mais justa.

Para nós, para o PCP, os trabalhadores portugueses e imigrantes devem ser iguais em direitos e a luta pela igualdade tem de ser um objectivo central de uma verdadeira política democrática de imigração. Igualdade com os demais cidadãos nos direitos sociais e laborais e igualdade no direito de participação política.

O PCP continuará ao lado dos imigrantes e das suas associações na luta pelo seu direito a uma integração plena na sociedade portuguesa e contra todas as discriminações para que possamos dizer, cumprindo o nobre desejo e o sentir de António Gedeão expressos nesse poema que nos deixou e que diz:

“ Minha aldeia é todo o mundo.
Todo o mundo me pertence.
Aqui me encontro e confundo
Com gente de todo o mundo
Que a todo o mundo pertence.”

Viva a luta pela eliminação da discriminação racial!

  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Central