Intervenção de

Dia Internacional e dia Nacional da Mulher - Intervenção de Odete Santos na AR

Declaração política a propósito do dia Internacional da Mulher

 

Senhor Presidente
Senhores Deputados

O dia 8 de Março deste ano, precisamente o ano em que se comemoram 150 anos de luta de operárias têxteis de Nova Iorque por melhores salários e pela redução das horas de trabalho, pode dizer-se que começou no dia 11 de Fevereiro. Com a vitória do Sim, reforçou-se a luta das mulheres pela efectivação dos seus direitos fundamentais. O modelo de Estado invasor através do Código Penal, da reserva da vida privada, tornando público o direito à intimidade, tem como uma outra face da mesma moeda, o Estado demissionista privatizando tarefas fundamentais estreitamente conexas com os direitos fundamentais das mulheres, entre os quais o direito à igualdade. Além, o Estado é um intruso. Aqui, o Estado abre mão das suas obrigações. Tudo ao invés, como ao invés está o mundo.

E é por isso que o sabor precioso da vitória do SIM, se completa com a luta das mulheres portuguesas, à semelhança do que acontece noutros países, no mundo inteiro, com a luta pelo progresso.

As mulheres portuguesas conheceram até muito tarde o amargo sabor da repressão que só o 25 de Abril arredou. O 8 de Março, como dia que é ao mesmo tempo dia Internacional e dia Nacional da Mulher - dia reprimido pelo Fascismo – serve também para recordar os tempos em que a própria discriminação da Mulher estava inscrita na Constituição de 1933.

Os tempos em que nem sequer gozavam plenamente do direito de voto. Os tempos em que a guerra colonial e a fuga a salto para outros países, as deixou sozinhas, numa viuvez prematura.

Mas também os tempos retratados por Maria Velho da Costa in Revolução e Mulheres – "Elas trouxeram alento e sopa aos quartéis e à rua. Elas encheram as ruas de cravos."

É perpetuando essa memória – Nemesis não permitirá que dos escombros do passado ressuscitem os fantasmas – é perpetuando essa memória que as mulheres portuguesas continuam a luta contra políticas que perpetuam as discriminações e as desigualdades.

Hoje, em vários países do mundo, na Europa seguramente já que nos encontramos no Ano Europeu pela Igualdade de Oportunidades, se falará na teimosa persistência da discriminação.

Usando sempre o eufemismo da Igualdade de Género, para não falar das reais causas do triunfo das desigualdades.

Não se trata de nenhuma modernidade.

O Género representa afinal a recuperação de uma ideia antiga: o ideia da biologia, como se fosse nesta e nas proclamadas diferenças naturais entre os dois sexos, que residisse a explicação para a persistente discriminação das mulheres. Como se nada significasse aquela frase célebre de Simone de Beauvoir: Não nascemos mulheres, tornamo-nos mulheres.

Como se na base dessa discriminação não estivesse afinal a deterioração das condições de vida das trabalhadoras e dos trabalhadores. A degradação dos seus direitos. A precarização do emprego. O desemprego. A privatização de funções sociais do Estado. Uma política de classe – dirigida agora pelo neoliberalismo capitalista contra o mundo do trabalho. Aliás a escolha do dia de luta das operárias têxteis de Nova Iorque, como dia Internacional da Mulher tem o significado de considerar fundamental e primordial para a luta das mulheres a luta contra a política da classe dominante e opressora.

A palavra classe é assim substituída pelo eufemismo género e seguramente que o FMI e o Banco Mundial não hesitarão em proclamar neste dia 8, como o fizeram o ano passado, a necessidade de continuar a investir em políticas de género.

A verdade, é que as políticas que são conduzidas a nível da União Europeia, mostram tendências de estagnação e mesmo agravamento da situação das mulheres.

Um relatório divulgado muito recentemente pela agência Eurofoundation, revela a persistência a até agravamento das diferenças salariais entre homens e mulheres.

Segundo tal relatório:

     As diferenças salariais embora tenham diminuído, muito lentamente, até 2004, conhecem desde essa altura uma tendência de crescimento. A Alemanha é o país de maior afastamento. Em Portugal a diferença entre os dois sexos é de quase 20%

     Quase 50% das mulheres encontram-se no segmento do mundo do trabalho com menores salários

     No segmento com melhores salários estão 40% dos homens e 20% das mulheres

     As mulheres concentram-se fundamentalmente em dois sectores: educação e saúde (34%) por um lado e comércio por outro (17%) mas mesmo nestes dois sectores feminizados concentram-se no segmento dos melhores salários mais homens do que mulheres

     Segundo o Relatório os piores salários das mulheres devem-se fundamentalmente ao facto de serem as mais afectadas pelo trabalho a tempo parcial. Com efeito, na União Europeia apenas trabalham nesse regime 7% dos homens, para 30% das mulheres.

     E não se trata de trabalho que voluntariamente se procure. Mas de trabalho que é o possível, que é o que se encontra, e com o qual, aliás se acena para conciliação da vida familiar com a vida profissional. Obrigação que recai sempre sobre as mulheres.

Em Portugal a vida das mulheres portuguesas conhece agravamentos.

Os últimos dados do Eurostat revelam que a taxa de risco de pobreza aumentou de novo, em especial a pobreza feminina sempre superior à dos homens.

O fosso entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres, que já era maior relativamente à média da União Europeia, tornou a aumentar. Em 2005 os mais ricos tiveram em rendimentos 8,2 vezes mais do que os mais pobres. A média na União Europeia é de 4,9.

A taxa de precarização, que afecta sobretudo as mulheres, subiu em Portugal de 19,5 % para 20,6%.

No final de 2006, segundo os dados do INE, verificou-se que a taxa de desemprego tinha aumentado sendo a taxa de desemprego feminino de 9% (sem correcções).

Paralelamente, continuamos a assistir à degradação do SNS. Ao encerramento de maternidades, à ameaça de encerramento de urgências. Tudo isto diz sobretudo respeito às mulheres, porque, para além do mais, são elas que cuidam da saúde da família. Do companheiro, dos filhos e dos idosos.

Tendo elas uma maior esperança de vida, a subversão do sistema de segurança social, reserva-lhes uma velhice especialmente difícil.

Estas e outras situações de que não há tempo para falar (para quando a alteração do Código do Trabalho), e a sua capacidade de luta e resistência, explicam a sua presença em massa na grande manifestação do passado dia 2 de Março. O maior protesto até hoje realizado contra as políticas de direita.

Porque, como diz em poema Pablo Neruda

Elas brigam por aquilo que em que acreditam
Elas levantam-se para a injustiça
Elas não levam não como resposta
Quando acreditam que existe melhor solução

Disse

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