Intervenção de Jorge Machado na Assembleia de República

Devolução de prestações sociais - Inaceitável, desumano, injusto e ilegítimo

Recomenda ao Governo a suspensão imediata do processo de cobrança de montantes atribuídos a título de prestação social
(projeto de resolução n. 181/XII/1.ª)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Inaceitável, desumano, injusto e ilegítimo — assim classifica o PCP o comportamento do Governo PSD/CDS que corta nas pensões de miséria e que exige a milhares de beneficiários a devolução de elevados montantes que receberam a título de prestações sociais.
O Governo decidiu, recentemente, alegando uma lei de 2007, proceder a um corte significativo nas reformas de milhares de idosos. Em causa está um complemento de reforma, que agora é eliminado e que representa, em muitos casos, cerca de 100 €. Assim, reformas de 400 ou 500 €, que já são de miséria, passam para 300 ou 400 €, deixando milhares de reformados numa situação ainda mais difícil.
Na verdade, o Governo sabe muito bem que o custo de vida aumentou muito, aliás, ele é um dos principais responsáveis por esse aumento, e mesmo assim corta nas reformas. É esta a «sensibilidade social» do Governo: milhões para os mais ricos e mão pesada e cortes para os que já passam dificuldades!
Por outro lado, o Governo notificou milhares de beneficiários de prestações sociais para devolver dinheiro que supostamente foi «indevidamente» pago pela Segurança Social.
Importa referir que muitos destes casos representam erros da própria Segurança Social e que as pessoas que receberam estas prestações sociais fizeram-no de boa-fé, acreditando que tinham direito ao dinheiro que recebiam da Segurança Social.
Assim, não é legítimo exigir a devolução de verbas que a Segurança Social pagou, por erro, em 2007, 2008 ou 2009.
A culpa é de sucessivos governo que degradaram os serviços da Segurança Social, deixando-os sem os recursos técnicos e humanos para evitar estes erros.
Um caso concreto torna claro o problema: uma reformada, a quem a reforma foi reduzida de 533 para 418 €, foi notificada para devolver, em 30 dias, cerca de 5000 € devido às prestações que recebeu desde 2007.
Ora, esta pessoa não sabia, nem tão pouco tinha a obrigação de saber, que a Segurança Social lhe estava a pagar mais que devia, pelo que é obsceno exigir a devolução deste dinheiro.
Mas como este há outros casos, que todos os dias chegam ao conhecimento do Grupo Parlamentar do PCP, de beneficiários do subsídio de desemprego que são notificados para devolver prestações de 2007, pessoas que receberam abono de família e agora são notificadas para devolver todo o dinheiro ou mesmo beneficiários do Rendimento Social de Inserção que, passado um ano, quando já não recebiam RSI, recebem uma carta para devolver todas as prestações pagas.
Importa referir que estamos a falar de prestações sociais de 100 ou 200 € por mês e de reformas de 300 ou 400 € que não permitem viver com dignidade.
Se, nas vergonhosas palavras do Sr. Presidente da República, 1300 € não chegam para as despesas, então não é aceitável tirar 100 e a quem recebe 400 ou 500 € de reforma tal como não é aceitável exigir a devolução das prestações pagas a quem muitas vezes tem de optar entre comer ou comprar remédios!
Assim, o PCP apresenta um projeto de resolução para que o Governo suspenda imediatamente este processo de cortes e de cobrança de dívidas e proceda ao perdão de todas as dívidas com a exceção das que comprovadamente resultem de dolo e má-fé dos beneficiários.
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Os Grupos Parlamentares do PS, do PSD e do CDS utilizam o mesmo argumento nesta discussão, repetindo, aliás, o argumento utilizado pelo Sr. Ministro, isto é, «as pessoas que paguem em prestações». E a pergunta que vos quero deixar, claramente, é esta: como é legítimo exigir a uma pessoa que recebe 418 € de reforma, e que foi notificada para pagar 5000 € em 30 dias, que pague em 36 prestações o que corresponde a 138 € por mês?! Como é legítimo exigir às pessoas que têm 200 € ou 300 € de prestação social que paguem em prestações? Não é legítimo!
Mais: há aqui um conjunto de argumentos, utilizado, nomeadamente, pelo CDS-PP, que não corresponde à verdade.
Nas situações de fraude, como é óbvio, exigimos a devolução, mas a verdade é que a grande maioria das situações são de erros da própria segurança social e não por culpa das pessoas!
Que legitimidade tem o Governo para exigir a devolução de verbas de 2007, 2008 ou 2009 por erros cometidos pela segurança social? Não é legítimo! Portanto, entendemos que não é possível pedir o dinheiro a essas pessoas.
Depois, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados — e com isto concluo —, é verdadeiramente extraordinário ver o PSD e o CDS-PP de «peito feito», «costas largas», «muita força para com os reformados», «nem 1 € mal gasto», «mão pesada», «cortes»… Pois é! O que isto contrasta com os grandes grupos económicos, que continuam a receber milhões e milhões do vosso Governo, com a banca, que recebe 12 000 milhões de euros, com os grandes grupos económicos, que recebem benefícios fiscais, com o Grupo Pingo Doce, que vai para a Holanda para não pagar impostos! E os Grupos Parlamentares do PSD e do CDS-PP «assobiam», «tocam viola», porque não querem saber dos grandes grupos económicos! Mas, quando é para exigir meia dúzia de tostões a quem vive com grandes dificuldades, o PSD e o CDS-PP têm muita coragem para exigir o que não é legítimo às pessoas.

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