Projecto de Lei N.º 649/XV/1.ª

Determina a reversão do processo de reforma e redução de eficácia dos licenciamentos ambientais, revogando o Decreto-Lei n.º 11/2023, de 10 de fevereiro

Projeto de Lei n.º 649/XV/1.ª

Exposição de motivos
Desde os primeiros passos que foram dados em matéria de avaliação de impacte ambiental e de licenciamento ambiental, aplicado a atividades e projetos que se prevê poderem causar efeitos adversos sobre o ambiente e as populações, que estes processos são tomados pelos grupos económicos como um entrave ao desenvolvimento económico e ao investimento.

Contudo, volvidos mais de 20 anos sobre o primeiro diploma relativo ao regime jurídico da Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) dos projetos públicos e privados suscetíveis de produzirem efeitos significativos no ambiente, foram realizados acentuados progressos em matéria de proteção do ambiente, tendo presente que no exercício das diferentes atividades económicas há que respeitar a qualidade de vida, há que respeitar a salvaguarda de recursos e há que respeitar os valores ambientais em presença.

Foi a legislação em matéria de avaliação de impacte ambiental que tem contribuído para que, ao longo destes anos, sejam adotadas medidas para mitigação de impactes, que sejam implementados programas de monitorização que permitem o seguimento dos efeitos que determinadas atividades e projetos têm sobre os diversos fatores do território em que se inserem, visando assegurar níveis de qualidade do ar compatíveis com a salvaguarda da saúde humana e ecossistemas, reduzir os níveis de ruído, proteger ecossistemas e espécies ameaçadas, proteger massas de água, etc.

Neste sentido, considerar que a avaliação de impacte ambiental e/ou o licenciamento ambiental, prejudica a competitividade do país e dificulta a atratividade do investimento nacional e estrangeiro, é considerar que a salvaguarda do ambiente, das culturas dos povos e da qualidade de vida das populações podem ser sacrificados face a escolhas puramente economicistas e à apetência para o negócio.

É certo que se pode caminhar no sentido da simplificação de procedimentos e de eliminação de processos redundantes – e nesta matéria há mesmo melhorias que podem ser introduzidas, com ganhos reais para os proponentes e para os serviços da administração pública.

No entanto, estes aspetos não podem ser o respaldo para introduzir na legislação ambiental, simplificações de análise, ou facilitar de forma menos cuidada a aprovação de projetos que podem vir a causar dano, em especial se não for exigida a adoção de práticas ambientalmente adequadas.

A alteração que o Decreto-Lei n.º 11/2023, de 10 de fevereiro vem introduzir em matéria de avaliação ambiental, constitui um retrocesso no caminho da sustentabilidade ambiental e da salvaguarda dos valores ambientais e das populações já que, sem serem apresentadas razões técnicas efetivas, se vem isentar de avaliação de impacte ambiental, ou de uma avaliação ambiental preliminar, um conjunto significativo de projetos, que pelas suas características, não se pode assumir, sem mais, que não produzem dano para o ambiente.

A opção por excluir da designada análise caso a caso um largo conjunto de projetos industriais dos sectores de indústria alimentar, indústria têxtil, dos curtumes, da madeira e do papel e da borracha, quando estes se localizarem em parques ou polos industriais que distem mais de 500 m de zonas residenciais e ocupem uma área inferior a 1 hectare, não defende as populações.

Haverá certamente projetos que pelas suas características não terão de facto grande interferência sobre o meio envolvente, mas haverá certamente outros casos onde tal não se verifica, seja por via das emissões atmosféricas, seja por via de afetação de massas de água, seja por via da afetação da qualidade de vida das populações em resultado até de atividades conexas. A opção imediata isentar estes projetos da análise caso a caso reduz a proteção do ambiente que tanto se tem vindo a reclamar.

Por isso, quando no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 11/2023, de 10 de fevereiro, se afirma que o mesmo “visa iniciar a reforma de simplificação dos licenciamentos existentes, através da eliminação de licenças, autorizações, atos e procedimentos dispensáveis ou redundantes face à tutela dos recursos ambientais, simplificando a atividades das empresas sem comprometer a proteção do ambiente”, tal não corresponde à realidade – fica em falta a análise preliminar de impactes e fica em falta a obrigação de se adotarem práticas ambientalmente mais sustentáveis por via da aplicação de medidas de minimização de impactes ou de medidas de monitorização da influência dos projetos sobre a envolvente, sempre que justificadas.

Mas para além da eliminação da necessidade de avaliação caso a caso de certos projetos de caráter industrial, o diploma aprofunda o retrocesso em matéria de avaliação de impactes quando exclui liminarmente da análise alterações ou ampliações de determinados projetos industriais que tenham sido anteriormente submetidos a AIA, desde que não se altere a atividade em causa e desde que a área de projeto não ultrapasse certos limites. Porém nenhuma restrição é colocada em termos de capacidade instalada – esta até pode duplicar, não havendo obrigatoriedade de avaliar as repercussões que essa alteração induzirá.

Mas o caminho de simplificação dos negócios não fica apenas pelos aspetos já mencionados.

Fazendo referência aos princípios da designada economia circular e à necessidade de descarbonização da sociedade, passa agora a estar excluída da avaliação de impacte ambiental os projetos para a produção de hidrogénio e os parques fotovoltaicos até 100 hectares desde que fora de áreas sensíveis, num claro favorecimento dos grupos económicos do sector energético que, com o argumento da exploração de fontes renováveis de energia, lhes são proporcionados maiores ganhos.

No caso dos projetos associados ao hidrogénio verde, destaca-se que a exclusão da AIA é independente da dimensão dos projetos, podendo significar a não aplicação de quaisquer medidas de mitigação e compensação face à deposição de resíduos resultantes da eletrólise de água salgada, nomeadamente a deposição de lamas salinas. Sendo certo que é importante diminuir a dependência dos combustíveis fósseis com a promoção de alternativas energéticas, a necessidade de apostar nas energias renováveis e promoção de capacidade industrial não justifica tudo. A pressão sobre solos em áreas ambientalmente sensíveis ou com aptidão agrícola tem aumentado muito e estas simplificações processuais podem não garantir a salvaguarda da capacidade de produção agrícola, nem a defesa de zonas ambientalmente sensíveis, nem a necessária discussão pública dos processos. Para estes projetos é preciso ter em conta a afetação de solos em regime da Reserva Agrícola Nacional ou em perímetros de rega, de solos integrados no regime da Reserva Ecológica Nacional e áreas de floresta autóctone.

O procedimento de AIA não pode ser encarado como um mero processo burocrático, mas sim como uma forma de assegurar minimização, mitigação e compensação de impactes e que estes projetos não interfiram negativamente com os valores presentes na sua envolvente ou com a qualidade de vida das populações.

É preciso reconhecer que a Avaliação de Impacte Ambiental não pode ser tomada como um entrave ao desenvolvimento económico. A Avaliação de Impacte Ambiental é um processo destinado a garantir que as intervenções sobre os territórios respeitam o ambiente, a utilização racional de recursos e defende as populações. Não é uma forma de impedir licenciamentos ou de os dificultar, é antes um mecanismo para assegurar de que as intervenções são feitas de forma adequada, recorrendo às melhores práticas, em prol do futuro.

E não se pode assumir, tal como se faz no Decreto-Lei n.º 11/2023, de 10 de fevereiro, que o procedimento de Avaliação Ambiental Estratégica substitui a Avaliação de Impacte Ambiental. São diversos os exemplos em que é em fase de Projeto de Execução, submetido a avaliação de impacte ambiental, que os impactes ambientais são detalhados, devidamente avaliados e acompanhados das medidas de minimização necessárias. A ser assim considerado, e por absurdo, poder-se-ia considerar que a Avaliação Ambiental Estratégica para o Plano do Novo Aeroporto de Lisboa, substitui o procedimento de avaliação de impacte ambiental para o Projeto que vier a desenvolvido em Projeto de execução – o que é que tal implicaria em termos de ruído, de impactes sobre ecossistemas, das questões da colisão de aeronaves com aves, poluição atmosférica, entre outros tantos fatores cuja avaliação concreta e detalhada é fundamental para corrigir efeitos adversos. Mas a suposta simplificação de procedimentos não se esgota no procedimento de avaliação de impacte ambiental – vai mais longe, com alterações em matéria de licenciamento ambiental, em matéria de licenciamento de utilização de recursos hídricos, em matéria de gestão de resíduos urbanos e em matéria de licenciamento de edifícios.

No que respeita ao licenciamento ambiental, uma vez mais se pretende evitar o escrutínio das atividades sujeitas ao regime de Proteção e Controlo Integrados de Poluição, nomeadamente em matéria de adequação dos processos às melhores práticas disponíveis.

A opção por isentar a revalidação da licença ambiental ao fim de dez anos, permite que quando os promotores não quiserem, não ficam obrigados a melhorar as condições de laboração no sentido de se obterem ganhos ambientais. Uma vez mais é a perspetiva economicista e de defesa do lucro que vence a batalha. Em matéria de aproveitamento de recursos hídricos particulares, transforma-se o processo de licenciamento numa mera comunicação prévia sem que se obrigue à consideração alargada dos efeitos dessas utilizações, ou que seja acautelada a utilização mais racional do recurso.

E quanto ao regime jurídico de deposição de resíduos em aterro, o diploma vem permitir que, nos aterros para resíduos não perigosos, se proceda à humidificação dos resíduos através da reinjeção de lixiviados ou de concentrado da unidade de tratamento avançado por membrana, tendo como objetivo desonerar os operadores dos custos com o transporte e encaminhamento dos mesmos para destino final adequado. Nesta matéria nada é referido quanto à adequada operação destas infraestruturas, seja em termos dos lixiviados, seja em termos de produção de biogás e respetiva rede de extração.

Desonera os custos de transporte, mas permitem-se alterações em matéria de deposição de resíduos e da sua adequada operação. Sendo o volume disponível para a deposição de resíduos em aterro um bem escasso, tendo em contaa complexidade destas estruturas e os impactes ambientais que induzem, ocupar este volume com lixiviado que poderia ser encaminhado para outro destino, vai em contraciclo ao que ambientalmente se reclama, permitindo que os grupos que já ganharam com a privatização do sector, possam ganhar ainda mais, à custa da salvaguarda dos solos e da qualidade de vida das populações envolventes.

O caminho traçado no Decreto-Lei n.º 11/2023, de 10 de fevereiro, é de aligeirar a análise ambiental de um conjunto de atividades e projetos, beneficiando projetos industriais, mas não protegendo o ambiente, a qualidade do território e as populações.

Acresce ainda as preocupações acerca da dispensa de obrigatoriedade de integração de projeto de instalação de gás na construção de novos edifícios, que pode privar os cidadãos da possibilidade de optar, no futuro, quanto à fonte energética e aos equipamentos a utilizar nos edifícios, incluindo opções renováveis.

No espírito deste diploma a avaliação ambiental é um aspeto que se deve contornar para permitir mais negócio e investimento. Ao mesmo tempo, é também assumido que os tempos de análise por parte das entidades oficiais com responsabilidade ambiental, são um aspeto desfavorável para os promotores dos Projetos. Mas o que este diploma não refere é o caminho que foi sendo traçado ao longo do tempo para esvaziar os serviços públicos de profissionais, dificultando o cumprimento dos prazos de avaliação, por falta de profissionais. Não serão as entidades que atrasam os processos; o que atrasa os processos é a falta de vontade de sucessivos Governos para repor trabalhadores em número suficiente para que se possa responder em tempo às solicitações e missões que lhes estão acometidas.

Em matéria de avaliação ambiental, ao invés de se progredir na avaliação de impactes cumulativos, na dignificação da participação pública, na maior abrangência de projetos a avaliar como forma de proteger o ambiente e as populações, reduz-se o escopo de análise, reclamada pelos grupos económicos, que não cessam de encontrar formas de obter maiores lucros. Na verdade, o que os grupos económicos poupam com este novo regime, pagarão as populações e o ambiente, com juros, em matéria de posterior remediação do que não foi acautelado.

Com este enquadramento, no sentido de reverter os aspetos desfavoráveis do novo quadro de licenciamento em matéria de ambiente e ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º
Objeto

A presente lei determina a reversão do processo de reformae redução de eficácia dos licenciamentos ambientais, revogando o Decreto-Lei n.º 11/2023, de 10 de fevereiro.

Artigo 2º
Norma revogatória

É revogado o Decreto-Lei n.º 11/2023, de 10 de fevereiro Artigo 3º
Norma repristinatória Pela presente Lei são repristinados:

a) O Decreto-Lei n.º 169/2001, de 25 de maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 155/2004, de 30 de junho;

b) O Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio;

c) O Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de março, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 199/2015, de 16 de setembro;

d) O Decreto-Lei n.º 169/2012, de 1 de agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 165/2014, de 5 de novembro, pelo Decreto-Lei n.º 73/2015, de 11 de maio e pelo Decreto-Lei n.º 39/2018, de 11 de junho;

e) O Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de agosto;

f)O Decreto-Lei n.º 151-B/2013, de 31 de outubro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 152- B/2017, de 11 de dezembro;

g) O Código do Procedimento Administrativo, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, na sua redação dada pela Lei n.º 72/2020, de 16 de novembro;

h) O Decreto-Lei n.º 97/2017, de 10 de agosto, na sua redação dada pela Lei n.º 59/2018, de 21de agosto;

i)O Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de dezembro, alterado pela Lei n.º 69/2018, de 26 dezembro, pela Lei n.º 41/2019, de 21 de junho e pelo Decreto-Lei n.º 86/2020, de 14 de outubro;

j)O Decreto-Lei n.º 30/2021, de 7 de maio, na redação dada pela Lei n.º 10/2022, de 12 de janeiro;

k) O Decreto-Lei n.º 15/2022, de 14 de janeiro, na redação dada pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro.

Artigo 4º
Entrada em vigor

A presente Lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.