Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

Derrotar a Troika - Defender a fruição e democratização do acesso às artes

Senhora Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,

O momento em que a Assembleia da República discute os projetos hoje apresentados pelo PS e pelo BE é de grande preocupação no que toca à política do cinema e do audiovisual, como aliás, podemos dizer, sucede com todo o sector da cultura. É num contexto de profunda instabilidade para o sector e de irresponsabilidade política para com a produção cinematográfica nacional que discutimos dois projetos que partilham o mérito de trazer à Assembleia da República o debate sobre o Cinema e o Audiovisual em Portugal, debate necessário, particularmente numa altura em que o fim do financiamento à produção cinematográfica se anuncia pelo Governo da direita.

Depois de ter remetido a Cultura para o plano do mercado, colocando a produção artística nacional à mercê das leis da selva e em pé de igualdade com as grandes produções e os bens culturais de oferta massificada, o Governo vem também anunciar que desiste de uma política de Cinema e do Audiovisual, que cancela os apoios ao Cinema em 2012 e que alguns dos projetos aceites em 2011 não serão apoiados como esperado.

O financiamento da produção cinematográfica em Portugal tem por base uma perspetiva, que o Projeto de Lei do Partido Socialista, pese embora o seu mérito, não recusa. Essa perspetiva é a de que ao Estado não cabe o financiamento direto da produção e o estímulo concreto à produção e criação, mas apenas a regulação de um regime de cobrança e distribuição de taxas, ao contrário do que sucede com outras expressões culturais e artísticas. Todavia, o Projeto de Lei agora em discussão, amplia a base de recolha de contribuições e estabelece normas para a gradual extinção do FICA, questões que constituem necessidade objetivas e que merecem o apoio do Partido Comunista Português mas que, contudo, nos remete para uma necessária e profunda discussão na especialidade dada a vacuidade de muitos artigos que passam um cheque em branco para o Governo legislar como bem entenda.

Estamos certos de que a criação do FICA não concretizou, como aliás se previa, os objetivos a que se propunha e que afinal de contas não passou de um mecanismo de entrega aos privados do controlo sobre o investimento em Cinema e Audiovisual, na medida das suas estritas ambições, tantas vezes diversas do interesse nacional.

Nesta altura, em que o Governo PSD/CDS deixa bem claro o desprezo que tem pela Cultura em geral e pela produção cinematográfica nacional em particular, o anúncio da Proposta de Lei sobre financiamento do cinema não pode negar à Assembleia da República e a quem trabalha na área o direito aos legítimos contributos. Mesmo sem apoios estatais, a realização cinematográfica em Portugal tem vindo a registar obras de grande mérito, muitas reconhecidas internacionalmente, votando-as, contudo, ao desconhecimento do público português. A fruição das obras nacionais deve-se à atitude incansável de muitos cineclubes e agentes privados que entendem que este não pode ser apagado.

São centenas de realizadores que não abdicam da sua vontade e do seu sonho, realizando um verdadeiro serviço público, e totalmente dependentes da boa vontade dos privados, de mecenas que patrocinem projetos que dependam unicamente dos seus gostos.

O PCP não pode deixar de enfatizar a qualidade da produção cinematográfica portuguesa, desconhecida da maioria das pessoas dado que os filmes não circulam pelas grandes distribuidoras para quem os apoios nunca faltam, de todos os agentes envolvidos na sua realização, produção e divulgação, num quadro em que se vão encerrando salas de cinema por todo o lado, especialmente no interior, vão acabando os festivais de cinema por falta de financiamento, se vão empurrando cineastas, sonoplastas, atores, para o estrangeiro ou para o abandono da sétima arte.

O Grupo Parlamentar do PCP assume e renova o seu compromisso com a produção artística nacional, como elemento fundamental para a democracia e para a fruição e democratização do acesso às artes, em particular do cinema. Numa altura de recessão profunda provocada pelas políticas de direita, pela submissão ao pacto de agressão da troika, é mais do que nunca urgente convocar todos para a defesa da cultura, particularmente os que nesse sector intervêm diariamente, incontornável que é – independentemente dos Projetos ou Propostas de Lei que venham a ser apresentados – o facto de estarmos, a cada dia que passa sob o pacto de agressão e sob a ocupação da troika estrangeira, mais longe da cultura e cada vez mais distantes da democracia, obstáculos ao caminho de destruição que as troikas, doméstica e invasora, querem trilhar no nosso país.

Disse.

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