Projecto de Lei N.º 766/X

Derrogação do sigilo bancário

Derrogação do sigilo bancário

(Décima nona alteração à Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro e Sexta alteração ao Decreto-Lei n.º 62/2005, de 11 de Março)

1. Introdução

O País tem assistido a um intenso debate sobre o combate à corrupção e ao enriquecimento ilícito, e também sobre os instrumentos que poderão permitir melhorar as condições em que o Estado pode travar esse combate, designadamente os que se prendem com a derrogação do sigilo bancário. Neste último aspecto, as diferentes posições tendem a perder a racionalidade aconselhável ao tratamento daquilo que, essencialmente, é uma questão de democracia, de cidadania e de transparência numa sociedade que se deseja e defende mais justa e desenvolvida. Foram sempre estas as razões que motivaram o PCP a apresentar as soluções e propostas que foi levando a todos os debates orçamentais nesta legislatura, para além de as ter também tratado no âmbito de iniciativas legislativas autónomas. Não nos move – nem podia mover a um Partido que só na X legislatura apresentou, em múltiplas ocasiões, várias propostas para a eliminação do sigilo bancário - nenhuma intenção de aproveitar o actual período pré eleitoral, nem o afã que parece querer transformar as questões políticas em corridas para ganhar uma qualquer “camisola amarela”.

Importa, neste contexto, recordar os aspectos essenciais da evolução do pensamento e das soluções apresentadas pelos diferentes partidos ao longo da actual legislatura. É isso o que nos propomos também fazer com a apresentação deste Projecto-Lei.

2. Antecedentes legislativos

O sigilo bancário foi consagrado em 1975 através da Lei Orgânica do Banco de Portugal, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 644/75, de 15 de Novembro, e reforçado pelo Decreto-Lei n.º 729-F/75, de 22 de Dezembro. Várias outras resoluções governamentais reforçaram posteriormente o princípio do sigilo para “assegurar o interesse do cidadão”, acabando mesmo o Decreto-Lei n.º 475/76, de 16 Junho por penalizar a violação do sigilo.

A evolução legislativa prosseguiu nos anos subsequentes sempre com a mesma orientação de reforçar o sigilo bancário, (Decreto-Lei n.º 2/78, de 9 de Janeiro, Despacho Normativo 357/79, entre outros exemplos possíveis). Só alguns anos mais tarde esta tendência é pontualmente travada, estabelecendo a Lei 45/86, de 1 de Outubro, pela primeira vez, algumas excepções e conferindo alguns poderes, embora muito restritos e condicionados, à Alta Autoridade contra a Corrupção. Mais tarde, o Decreto-Lei 298/92, de 31 de Dezembro, permite novas excepções relativas a informações a prestar ao Banco de Portugal e à Comissão do Mercado de Valores Imobiliários. A excepção conferida à CMVM é particularmente relevante pois permite-lhe investigar e produzir provas sobre situações duvidosas para os interesses do mercado mobiliário, através da derrogação do sigilo bancário, sem que tenha previamente de se socorrer de qualquer autorização ou de se submeter a qualquer permissão de instância judicial.

Contraditoriamente (ou talvez não), quer o Código do Procedimento e de Processo Tributário, quer a Lei Geral Tributária mantêm a administração pública, em especial a administração tributária e fiscal, totalmente impossibilitada de aceder a informações bancárias reservadas para comprovar e determinar situações fiscais duvidosas de contribuintes. A regra geral continua, assim, a ser a manutenção do sigilo bancário, não se permitindo que a administração fiscal possa usar os mesmos poderes de acesso a informações bancárias que são concedidos às instituições de supervisão.

Nos últimos anos foi entretanto aprovada alguma legislação que alarga, embora de forma insuficiente, senão mesmo paralisante, a capacidade da administração fiscal aceder à informação bancária: o Decreto-Lei 6/99, de 8 de Janeiro, definiu condições para requerer informação protegida pelo sigilo bancário, constituindo a primeira vez que se estabeleceu a possibilidade da administração tributária poder passar a aceder a certa informação sob reserva de sigilo bancário; a Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro, estabeleceu normas para a quebra do sigilo profissional no âmbito do combate generalizado à criminalidade económica, permitindo o acesso a informação fiscal perante indícios de determinados crimes; a Lei n.º 30-G/2000 que alterou a Lei Geral Tributária, (estabelecendo condições de derrogação do sigilo bancário e obrigações de apresentação de informação fiscal relevante), e o Código do Procedimento e de Processo Tributário, (estabelecendo condições para o processo especial de derrogação, incluindo no caso de recursos interpostos pelo contribuinte); finalmente, a Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro, Lei do Orçamento do Estado para 2005, introduziu algumas alterações adicionais às já introduzidas pela Lei 30-G/2000 na Lei Geral Tributária, passando a prever, de forma condicionada, a derrogação do sigilo bancário noutras situações.

3. Iniciativas legislativas e propostas durante a X Legislatura

3.1. Da parte do Governo surgiu nesta legislatura uma proposta de lei, a Proposta de Lei n.º 85/X, que alterava o “Código de Procedimento e de Processo Tributário para instrução de reclamação graciosa”.

Esta Proposta desceu à 1.ª Comissão, de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e à 5.ª Comissão, do Orçamento e Finanças, tendo sido publicada em Diário da Assembleia da República, II Série A n.º 132/X/1, de 29 de Julho de 2006.

Para serem debatidas em conjunto com a iniciativa legislativa do Governo, deram entrada algum tempo depois, em Setembro de 2006, dois Projectos Lei, um do Bloco de Esquerda, com o nº 315/X - “Determina a derrogação do sigilo bancário como instrumento para o combate à fraude fiscal”, outro do PSD, ao qual foi atribuído o n.º 316/X – “Derrogação do sigilo bancário para efeitos do combate à fraude e à evasão fiscal”.

O debate das três iniciativas legislativas ocorreu no dia 6 de Outubro de 2006, sendo todas remetidas sem votação, para as duas atrás citadas comissões parlamentares, tendo, na circunstância sido elaborado pela Comissão de Orçamento um relatório apenas sobre a Proposta de Lei do Governo já que os dois outros projectos-lei não deram entrada na Comissão em tempo útil para o efeito.

A Proposta de Lei do Governo pretendia alterar o artigo 69.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, e suas posteriores alterações, com o objectivo de flexibilizar o levantamento do sigilo bancário em caso de apresentação de reclamação graciosa pelos contribuintes. Para tal, a Proposta de Lei estabelecia que, havendo a apresentação de uma reclamação graciosa por parte de um contribuinte, o órgão instrutor da mesma passaria a ter direito de acesso à informação e documentos bancários relativos à situação tributária objecto de reclamação, independentemente do consentimento do contribuinte e sem necessidade de autorização judicial.

Sobre esta matéria, o Programa do Governo assumia como objectivo a adopção de um “regime igual às melhores práticas europeias, nomeadamente em matéria de sigilo bancário para efeitos fiscais”. No entanto, por ocasião da discussão em Plenário do Relatório sobre o Combate à Fraude e à Evasão Fiscais, em 1 de Março de 2006, o Governo, através do Ministro de Estado e das Finanças, recuou de forma muito significativa, anunciando na altura a intenção de apresentar, durante o primeiro semestre daquele ano, uma proposta que, “à semelhança de regimes já adoptados na União Europeia, iria consagrar o levantamento do sigilo bancário na sequência da apresentação de uma reclamação”.

No próprio Relatório do Orçamento do Estado para 2006, era manifestada a intenção de propor uma alteração à lei vigente no sentido de que, “à semelhança do regime belga, se pudesse associar a contestação administrativa de actos tributários ao necessário acesso à informação protegida pelo sigilo bancário, na exacta medida em que fosse essencial para a decisão administrativa”. O Governo considerava que “tal seria, também, um meio de dissuadir a litigância menos sustentada”.

Concretamente, a Proposta de Lei procedia ao aditamento de três novos números ao artigo 69.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, com o seguinte teor:

- O n.º 2 passava a consagrar o direito de o órgão instrutor da reclamação ordenar o acesso à informação e documentos bancários relativos à situação objecto da reclamação, sempre que se justificasse face aos factos alegados pelo reclamante e independentemente do seu consentimento;

- O n.º 3 passava a estabelecer que, para o efeito, o órgão instrutor solicitaria ao reclamante, por simples via postal, para no prazo de dez dias úteis fornecer a informação e os documentos bancários relevantes para a apreciação da reclamação;

- O n.º 4 passava a prever que, caso a informação solicitada não fosse fornecida no prazo indicado, ou fosse considerada insuficiente, o órgão instrutor procederia à notificação das instituições de crédito, sociedades financeiras e demais entidades, instruída com a decisão de acesso à informação e documentos bancários, as quais deveriam facultar os elementos solicitados no prazo de dez dias úteis.

Quanto ao Projecto de Lei do BE, estabelecia um aditamento ao Artigo 79º do Decreto-lei nº 298/92, de 31 de Dezembro, com as respectivas alterações. Inspirava-se na Directiva sobre Poupança para propor “ mecanismos de acesso a informação relevante sobre operações de depósitos e aplicações financeiras ou similares realizadas nas instituições financeiras, para uso exclusivo de combate à evasão e fraude fiscais”. Concretamente, propunha:

- acrescentar uma alínea ao número dois do artigo 79º do Decreto Lei 298/82, de 31 de Dezembro, (que estabelece o regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras), que passaria a dispor: “ao Ministério que tutela a administração tributária, no âmbito da sua actividade de fiscalização da compatibilidade entre os movimentos e operações das instituições financeiras e as declarações fiscais dos contribuintes” permitindo assim que a Administração Fiscal passasse a deter o mesmo poder de acesso a informações bancárias que já detinham o Banco de Portugal e a CMVM;

- criar um novo dispositivo legal para acesso a informação abrangida pelo sigilo bancário articulado nos seguintes aspectos:

- A administração tributária passava a poder aceder a informação relevante sobre operações de depósitos e aplicações financeiras dos contribuintes, permitindo verificar a compatibilidade entre os totais dos depósitos e aplicações e o total dos rendimentos declarados para efeitos de pagamento do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares;

- passava a competir ao Ministério das Finanças fixar as regras de processamento da informação e aplicação do segredo profissional que é requerido no tratamento daquela informação.

Finalmente o Projecto de Lei do PSD tinha por objectivo alterar completamente o artigo 63º-B da Lei Geral Tributária aprovada pelo Decreto-lei nº 398/98, de 17 de Dezembro, e sucessivas alterações.

Invocando também a necessidade de uma crescente cooperação entre as administrações tributárias dos diferentes países, em especial no seio dos países da OCDE, o PSD afirmava reconhecer como indispensável um claro reforço do poder de derrogação do sigilo bancário por parte das administrações tributárias, defendendo a necessidade de ir ao encontro das melhores práticas já assumidas por outros países, com especial destaque da Espanha, da Finlândia, da Alemanha e dos EUA.

Constatando que, na legislação vigente, as condições para a decisão de derrogação do sigilo bancário, previstas no artigo 63-B da Lei Geral Tributária, são em muitas situações estabelecidas de forma condicionada, sujeitas a restrições ou, em certos casos, passíveis de “exigências adicionais, à autorização judicial expressa e à audição prévia do visado”, o PSD afirma que os países da OCDE mais avançados nesta matéria “já legislaram no sentido de eliminar a generalidade das restrições assinaladas”.

É neste contexto que o PSD se propõe manter apenas uma das restrições existentes, a que respeita a informações prestadas para justificar o recurso ao crédito. O artigo 63º B da Lei Geral Tributária passaria então a ter a seguinte redacção:

“1 – A administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos, sempre que o solicite para combater a evasão ou fraude fiscais.

2 – Excepcionam-se do disposto no número anterior as informações prestadas para justificar o recurso ao crédito, e que sejam irrelevantes para o combate à fraude e evasão fiscais.

3 – Os pedidos de informação a que se refere o número 1 são da competência do director geral dos Impostos ou do director geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais de Consumo, ou seus substitutos legais, sem possibilidade de delegação.

4 – O incumprimento das obrigações estabelecidas neste artigo não pode fundar-se no sigilo bancário”.

Para bem se aquilatar do conteúdo e significado das alterações propostas pelo PSD, transcreve-se de seguida o texto integral do artigo 63-B da Lei Geral Tributária, na sua redacção da altura

Artigo 63.º-B

Acesso a informações e documentos bancários

1- A administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos:

a) Quando existam indícios da prática de crime em matéria tributária;

b) Quando existam factos concretamente identificados indiciadores da falta de veracidade do declarado.

2- A administração tributária tem, ainda, o poder de aceder directamente aos documentos bancários, nas situações de recusa da sua exibição ou de autorização para a sua consulta:

a) Quando se trate de documentos de suporte de registos contabilísticos dos sujeitos passivos de IRS e IRC que se encontrem sujeitos a contabilidade organizada;

b) Quando o contribuinte usufrua de benefícios fiscais ou de regimes fiscais privilegiados, havendo necessidade de controlar os respectivos pressupostos e apenas para esse efeito.

3- A administração tributária tem, ainda, o poder de aceder a todos os documentos bancários, excepto às informações prestadas para justificar o recurso ao crédito, nas situações de recusa de exibição daqueles documentos ou de autorização para a sua consulta:

a) Quando se verificar a impossibilidade de comprovação e qualificação directa e exacta da matéria tributável, nos termos do artigo 88º, e, em geral, quando estejam verificados os pressupostos para o recurso a uma avaliação indirecta;

b) Quando se verificar a situação prevista na alínea f) do artigo 88.º ou os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente, para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de riqueza evidenciadas pelo sujeito passivo, nos termos do artigo 89.º-A;

c) Quando seja necessário, para fins fiscais, comprovar a aplicação de subsídios públicos de qualquer natureza.

4- As decisões da administração tributária referidas nos números anteriores devem ser fundamentadas com expressa menção dos motivos concretos que as justificam e são da competência do director-geral dos Impostos ou do director-geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, ou seus substitutos legais, sem possibilidade de delegação.

5- Os actos praticados ao abrigo da competência definida no número anterior dependem da audição prévia do contribuinte nos casos previstos nos n.os 2 e 3 e são susceptíveis de recurso judicial com efeito meramente devolutivo, excepto nas situações previstas no n.º 3, em que o recurso possui efeito suspensivo.

6- Nos casos de deferimento do recurso previsto no número anterior, os elementos de prova entretanto obtidos não podem ser utilizados para qualquer efeito em desfavor do contribuinte.

7- As entidades que se encontrem numa relação de domínio com o contribuinte ficam sujeitas aos regimes de acesso à informação bancária referidos nos n.os 1, 2 e 3.

8- O acesso da administração tributária a informação bancária relevante relativa a familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte depende de autorização judicial expressa, após audição do visado, obedecendo aos requisitos previstos no n.º 4.

9- O regime previsto nos números anteriores não prejudica a legislação aplicável aos casos de investigação por infracção penal e só pode ter por objecto operações e movimentos bancários realizados após a sua entrada em vigor, sem prejuízo do regime vigente para as situações anteriores.

10- Para os efeitos desta lei, considera-se documento bancário qualquer documento ou registo, independentemente do respectivo suporte, em que se titulem, comprovem ou registem operações praticadas por instituições de crédito ou sociedades financeiras no âmbito da respectiva actividade, incluindo os referentes a operações realizadas mediante utilização de cartões de crédito.”

Entretanto, o PCP apresentou várias propostas de alteração e de aditamento ao artigo 63.º B da Lei Geral Tributária, essencialmente centradas nos seguintes aspectos:

- derrogação do sigilo bancário, sem pendência de consentimento, nos casos de dívidas à Segurança Social, (dando assim continuidade ao proposto nos Projectos de Lei 66/IX e 376/IX que tinha apresentado na anterior legislatura e que tinham então sido rejeitados pela maioria PSD/CDS, não obstante ter contado com os votos favoráveis do PS, do BE e dos Verdes), aditando uma nova alínea ao número um do supra citado artigo. O registo da votação do PSD, relativamente àqueles dois projectos votados na IX Legislatura, mostra bem a profunda alteração de posição deste partido nesta matéria, facilmente verificável no texto do projecto-lei 316/X, atrás citado. De igual forma, embora em sentido contrário, se posicionou desta vez o Partido Socialista, que tendo viabilizado por duas vezes aquela alteração, acabou desta vez por rejeitar todas as propostas que o PCP fez.

- eliminação dos números cinco e seis e alteração do número oito do mesmo artigo 63º-B com o objectivo da derrogação do sigilo bancário prevista nas situações aí descritas deixar doravante de estar condicionada ou poder ser objecto de impugnações judiciais com efeitos suspensivos.

O PCP apresentou também propostas de alteração ao Decreto-Lei 62/2005, de 11 de Março, que transcreveu para o direito interno a “Directiva Poupança”, propondo que também passasse a ser obrigatória a informação dos rendimentos (juros) de poupanças das pessoas singulares com residência em território nacional.

Os restantes partidos acabaram também por apresentar propostas de alteração em sede de especialidade, quer à proposta de Lei do Governo, quer aos seus próprios projectos de lei. O BE abandonou o texto que criava um novo dispositivo para acesso a informação abrangida pelo sigilo bancário e, em sua substituição, apresentou também um novo articulado para o artigo 63º-B da Lei Geral Tributária, seguindo de perto o proposto no Projecto de Lei 316/X, da autoria do PSD, densificando os números 1 e 2 e apresentando um novo número 4. O PS veio propor uma alteração ao artigo 110º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, para também permitir a possibilidade de acesso a informação bancária relevante nas situações em que tenha havido impugnação judicial; aditou uma alteração ao artigo 63.º-A da Lei Geral Tributária para obrigar as instituições de crédito e sociedades financeiras ao dever da comunicação de transferências transfronteiriças para algumas entidades com regimes de tributação especial; e aditou uma alínea nova ao número um do artigo 63º-B da mesma LGT para proceder à eliminação do sigilo bancário nas situações em que não houvesse entrega de declaração de rendimentos. O PSD alterou substancialmente a sua proposta, abandonando o anunciado objectivo de proceder a uma alteração profunda do artigo 63º-B da Lei Geral Tributária, e passando a propor apenas alterações ao número um da actual redacção desse artigo: acrescentou duas alíneas, uma para derrogar o sigilo bancário, sem dependência de consentimento, nas situações em que não tenha sido efectuada qualquer declaração, (passando a identificar-se com a alteração também proposta no mesmo artigo pelo PS), outra para derrogar o sigilo bancário quando tal se mostre necessário ao combate à evasão e fraude fiscal, mas mantendo sem qualquer outra alteração ou aditamento o actual texto dos restantes números do referido artigo da LGT.

O texto final de substituição da Proposta de Lei do Governo foi apenas aprovado com os votos do Partido Socialista, tendo sido suscitada a verificação preventiva da constitucionalidade do novo diploma pelo Presidente da República. O Tribunal Constitucional acabou por dar razão às dúvidas suscitadas pela Presidência da República – dúvidas que já tinham sido suscitadas em diversas ocasiões durante as diferentes fases do debate, mormente por causa das soluções adoptadas pelo Governo e pela maioria PS determinarem o levantamento do sigilo bancário apenas para quem reclamasse ou impugnasse as decisões de liquidação da administração tributária.

Devolvido o documento ao Parlamento, o Partido Socialista nunca mais tomou qualquer iniciativa para o corrigir ou expurgar das inconstitucionalidades apontadas.

3.2. No âmbito do Orçamento do Estado para 2009, o Governo, em articulação com a bancada do PS, introduziu uma alteração, anunciada como elemento para combater a evasão fiscal. Sem retomar nenhuma das alterações da lei considerada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, nem sequer a alteração ao artigo 63º-A da Lei Geral Tributária que visava obter informação das instituições financeiras sobre “transferências transfronteiriças” tendo como destinatários entidades sediadas em “paraísos fiscais”, o Governo procede então a alterações de forma e de redacção dos números um e dois do artigo 63.º A da LGT. No último destes casos, a alteração aprovada restringe o âmbito pois que a informação sobre o “valor dos fluxos de pagamento com cartões de crédito”, aí prevista, passa a abranger apenas os sujeitos passivos com rendimentos da categoria B de certos sectores de actividade, em vez de poder abranger os sujeitos passivos com rendimentos da categoria B, independentemente do sector de actividade.

3.3. No Orçamento Rectificativo aprovado em Julho de 2005, na sequência da entrada em funções do actual Governo, o PCP, e também o BE, apresentaram propostas de alteração visando alargar também aos residentes em Portugal a obrigação das instituições bancárias e financeiras informarem a administração tributária sobre os rendimentos das poupanças depositadas. O PCP alterava os artigos 1.º e 15.º do Decreto-Lei n.º 62/2005, de 11 de Março, que tinha transposto de forma insuficiente e insatisfatória a Directiva 2003/48/CE, conhecida por “Directiva Poupança”.

3.4. O mesmo foi sucedendo nos sucessivos processos orçamentais, nos anos de 2006, 2007, 2008 e 2009.

Durante o debate para a aprovação do Orçamento do Estado para o ano de 2006, o PCP, para além de retomar as propostas apresentadas em sede do Orçamento Rectificativo de 2002, referidas no ponto anterior, volta a insistir com a alteração dos artigos 63.º-A e 63.º-B da Lei Geral Tributária, propondo a eliminação das informações protegidas pelo sigilo bancário previstas nesses artigos, dando seguimento ao que antes tinha sido legislado na Lei 30-G/2000, de 29 de Dezembro, e que tinha sido objecto de várias iniciativas legislativas do PCP, durante a nona legislatura. Por sua vez, o BE, nos debates orçamentais relativos aos Orçamentos do Estado para 2006 e para 2007, apresentou exclusivamente propostas para obrigar ao registo e caracterização das transferências financeiras superiores a dez mil euros, propondo a sua comunicação obrigatória ao Ministério das Finanças e ao Banco de Portugal.

Para o Orçamento do Estado de 2008, o PCP apresentou uma proposta para alteração do artigo 63.º-B da LGT, que correspondia às alterações apresentadas no debate da Proposta de Lei que o Governo apresentara em 2006/2007 (ponto 3.1.) e que acabou por ser considerada inconstitucional. Com soluções concretas, o PCP pretendia evitar as impugnações com efeitos suspensivos na eliminação do segredo bancário. Porém, neste debate orçamental, o PCP apresentou pela primeira vez uma outra proposta para alterar também o artigo 63.º-C da mesma Lei Geral Tributária, o qual passaria a permitir igualmente, nas mesmas condições e circunstâncias previstas no artigo 63.º-B, o acesso a informações bancárias, para fins fiscais, das contas exclusivamente afectas à actividade empresarial. O BE, entretanto, reproduzia a proposta dos dois anos anteriores (relativa às transferências financeiras), e o texto integral da proposta de alteração ao artigo 63.º-B da LGT e do artigo 79.º do Decreto-Lei 298/92, de 31 de Dezembro, que já apresentara no debate da frustrada proposta de lei do Governo, atrás citada.

Para o Orçamento do Estado de 2009 e para o recente Orçamento Rectificativo, aprovado em Janeiro de 2009, quer o PCP, quer o BE voltam a apresentar as mesmas soluções e propostas, acima referidas, que haviam apresentado no debate relativo ao Orçamento do Estado de 2008. Quem aparece pela primeira vez com propostas nesta matéria é o PSD que, para o Orçamento do Estado para 2009, apresentou uma proposta de alteração do artigo 63.º-B da LGT, acrescentando duas alíneas ao seu número um, e passando a permitir o acesso a informações bancárias quando não tenha sido efectuada qualquer declaração ou quando se torne indispensável ao combate à evasão e fraude fiscal. Retomou assim integralmente as propostas de alteração apresentadas pelo PSD no debate na especialidade da proposta de lei do governo que o Tribunal Constitucional viria a considerar inconstitucional.

4. A necessidade de derrogação do sigilo

Quinze dias atrás, o Parlamento discutiu e aprovou o Projecto de Lei 712/X, do BE, que “determina a derrogação do sigilo bancário como instrumento para o combate à fraude fiscal”. As alterações propostas nesta iniciativa reproduzem sem qualquer alteração os conteúdos das propostas apresentadas por este partido ao Orçamento de 2008, 2009 e ao recente Orçamento Rectificativo, de modificação do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária e de aditamento ao artigo 79º do Decreto-Lei 298/92, de 31 de Dezembro.

Entretanto, o Governo apresentou uma iniciativa legislativa anunciada para combater o “enriquecimento ilícito” através de uma majoração de taxas aplicáveis. Não obstante não se conhecerem ainda os contornos exactos desta iniciativa, já que ela não deu, até ao momento, entrada na Assembleia da República, parece tratar-se de uma opção insensata já que, no fundo, não criminaliza o enriquecimento ilícito, passando apenas a multá-lo de forma mais pesada. Um crime desta natureza não pode nunca ser suportado (legalizado) através do pagamento de uma taxa mais elevada. Um crime desta natureza mina as bases do regime democrático, tem que ser combatido tal como é, como um crime.

Neste âmbito, o PCP apresentou uma iniciativa legislativa para tipificar e criminalizar o enriquecimento ilícito que foi debatida e rejeitada pelo PS, em conjunto com uma outra sobre o mesmo tema, da autoria do PSD, durante o último agendamento potestativo deste partido.

Quanto à derrogação do sigilo bancário, instrumento essencial para combater a evasão e a fraude fiscal, para detectar e combater crimes de branqueamentos de capitais, de tráficos diversos e de sustentação do terrorismo, entende o PCP que é tempo de permitir que a eliminação do segredo bancário possa ser usada, caso existam fundamentadas dúvidas da administração fiscal, para todos os sujeitos passivos, individuais ou colectivos, em igualdade de circunstâncias.

Não é aceitável que quem é candidato a beneficiário do Rendimento Social de Inserção ou ao Complemento Solidário para Idosos tenha obrigatoriamente que aceitar a derrogação do segredo bancário e permitir o acesso indiscriminado às respectivas contas bancárias, (se é que tais sujeitos passivos têm rendimentos passíveis de permitir a detenção e manutenção de qualquer conta bancária), e, por outro lado, quem, por exemplo, aufere benefícios fiscais ou apoios de fundos comunitários continue a beneficiar de uma situação de condicionamento, que na prática redunda em impedimento, de acesso a informações bancárias mesmo quando existem fundadas dúvidas da administração fiscal sobre a respectiva situação tributária. Tendo sido confrontado com a impossibilidade de apresentar formalmente e fazer debater as suas propostas durante o debate potestativo que o BE agendou, o PCP entende que é ainda tempo de o fazer.

Por isso o PCP apresenta neste Projecto-Lei diversas alterações aos artigos 63.º, 63.º-A, 63.º-B e 63.º-C da LGT, que permitem abarcar na derrogação do sigilo bancário os sujeitos passivos em sede de IRS e em sede de IRC, tal como sempre o temos.

Propomos a caducidade do sigilo bancário através de iniciativa não delegável e devidamente fundamentada do director-geral dos Impostos ou do director-geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo. As alterações propostas permitirão, nuns casos, o acesso, naquelas circunstâncias, à informação bancária dos sujeitos passivos sem pendência de consentimento, noutros casos, o acesso a informação bancária de sujeitos passivos ou de pessoas e familiares com relação especial com o contribuinte, sempre depois de audição prévia obrigatória e igualmente enquadrada pela fundamentação atrás referida.

Propomos, no entanto, ir ainda mais longe, apresentando também outras alterações legislativas que reponham algumas ideias que têm sido apresentadas ao longo desta legislatura, seja as que dizem respeito à obrigação de reporte à Administração Fiscal de transferências de capitais para paraísos fiscais, seja a de tornar obrigatória a informação, para fins fiscais dos juros obtidos por poupanças de residentes em território nacional.

Assim, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP, abaixo assinados, apresentam, ao abrigo das disposições regimentais e constitucionais aplicáveis, o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1.º

Alteração à Lei Geral Tributária

Os artigos 63.º, 63.º-A, 63.º-B e 63.º-C da Lei Geral Tributária, abreviadamente designada por LGT, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, passam a ter a seguinte redacção:

“Artigo 63.º

Inspecção

1. […].

2. O acesso à informação protegida pelo segredo profissional ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado depende de autorização judicial, nos termos da legislação aplicável.

3. Sem prejuízo do número anterior, o acesso à informação protegida pelo sigilo bancário faz-se nos termos previstos nos artigos 63.º-A, 63.º-B e 63.º-C.

4. [Anterior n.º 3].

5. A falta de cooperação na realização das diligências previstas no n.º1 só será legítima quando as mesmas impliquem:

a) O acesso à habitação do contribuinte;

b) A consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional ou outro dever de sigilo legalmente regulado à excepção do segredo bancário nos termos do n.º 3;

c) O acesso a factos da vida íntima dos cidadãos;

d) A violação dos direitos de personalidade e outros direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, nos termos e limites previstos na Constituição e na Lei.

6. [Anterior n.º5].

7. A notificação das instituições de crédito, sociedades financeiras e demais entidades, para efeitos de permitirem o acesso a elementos cobertos pelo sigilo a que estejam vinculados, nos casos em que exista a possibilidade legal de a administração tributária exigir a sua derrogação, deve ser instruída com os seguintes elementos:

a) Nos casos de acesso directo sem necessidade de consentimento do titular dos elementos protegidos, cópia da decisão fundamentada proferida pelo director-geral dos Impostos ou pelo director-geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, nos termos do n.º 4 do artigo 63.º-B;

b) Nos casos de acesso directo com audição prévia obrigatória do sujeito passivo ou de familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte, previstos nos n.os 5 e 8 do artigo. 63.º-B, cópia da decisão fundamentada proferida pelo director-geral dos Impostos ou pelo director-geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo e cópia da notificação dirigida para o efeito de assegurar a referida audição prévia.

8. [anterior n.º 7].

Artigo 63.º-A

Informações relativas a operações financeiras

1. […].

2. As instituições de crédito e sociedades financeiras estão obrigadas a comunicar à Direcção-Geral dos Impostos até ao final do mês de Julho de cada ano, através de declaração de modelo oficial, aprovada por portaria do Ministro das Finanças, as transferências financeiras que tenham como destinatário entidade localizada em país, território ou região com regime de tributação privilegiada mais favorável que não sejam relativas a pagamentos de rendimentos sujeitos a algum dos regimes de comunicação para efeitos fiscais já previstos na lei ou operações efectuadas por pessoas colectivas de direito público.

3. [Anterior n.º 2].

4. [Anterior n.º 3].

Artigo 63.º-B


Acesso a informações e documentos bancários

1. […]:

a) […];

b) […];

c) […];

d) Quando se verifique a existência comprovada de dívidas à Segurança Social;

e) Quando tal se mostre indispensável ao combate à evasão e fraude fiscal;

f) Quando não tenha sido efectuada qualquer declaração.

2. […]:

a) […];

b) […];

3. […]:

a) […];

b) […];

c) […].

4. […].

5. Os actos praticados ao abrigo da competência definida no número anterior pressupõem a audição prévia do contribuinte nos casos previstos nos n.º s 2 e 3 mas não dependem do consentimento do titular dos elementos protegidos.

6. [Revogado].

7. […].

8. O acesso da administração tributária a informação bancária relevante relativa a familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte obedece aos requisitos previstos no nº 4 e é igualmente concretizado nos termos do n.º5.

9. […].

10. […].

11. A administração tributária presta ao ministério da tutela informação anual de carácter estatístico sobre os processos em que ocorreu o levantamento do sigilo bancário, a qual é remetida à Assembleia da República com a apresentação da Proposta de Lei do Orçamento do Estado.

Artigo 63.º-C

Contas bancárias exclusivamente afectas à actividade empresarial

1. […].

2. […].

3. […]

4. A administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários relativos à conta ou contas referidas no n.º 1 sem dependência do consentimento dos respectivos titulares.

5. A possibilidade prevista no n.º anterior é estabelecida nos mesmos termos e circunstâncias do artigo 63.º-B.”

Artigo 2.º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 62/2005, de 11 de Março

O artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 62/2005, de 11 de Março, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2003/48/CE, do Conselho, de 3 de Junho, relativa à tributação dos rendimentos da poupança sob a forma de juros, passa a ter a seguinte redacção:

“Artigo 1.º

Objecto

O presente diploma transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2003/48/CE, de 3 de Junho, relativa à tributação dos rendimentos da poupança sob a forma de juros, estabelecendo o regime de obtenção e prestação de informações pelos agentes pagadores relativamente aos rendimentos da poupança sob a forma de juros de que sejam beneficiários efectivos pessoas singulares residentes em território nacional ou noutro Estado membro da União Europeia.”

Artigo 3.º

Aditamento ao Decreto-Lei n.º 62/2005, de 11 de Março

É aditado o artigo 16.º A ao Decreto-Lei n.º 62/2005, de 11 de Março, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2003/48/CE, do Conselho, de 3 de Junho, relativa à tributação dos rendimentos da poupança sob a forma de juros, com a seguinte redacção:

Artigo 16.º A

Norma transitória

O Governo procede à adaptação das normas necessárias da presente lei nos 60 dias seguintes à sua publicação, com vista à sua aplicação aos residentes em território nacional.”

Artigo 4.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

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