Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

"A demissão do Governo e as eleições são uma urgência patriótica"

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Declaração política realçando as contradições entre os sinais positivos da economia anunciados pelo Governo e o dia a dia dos portugueses

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Indignação já não é palavra que baste para descrever o sentimento de quem olha para o seu recibo de salário, de pensão ou de reforma e vê que lhe roubaram muitos dos poucos euros que ganhava. Angústia ou desespero já não chegam para descrever como vive quem empobrece a trabalhar, quem trabalhou a vida inteira ou quem hoje enfrenta o desemprego.
O Governo e a maioria continuam a apregoar sinais positivos, recuperações, milagres, saídas «limpas» da troica, mas os recibos de salário, de pensão ou de reforma dos portugueses mostram uma realidade bem diferente: o País está a saque.
Os portugueses são saqueados nos seus salários, nos seus direitos, nos serviços públicos, são espoliados dos seus empregos e vêm a sua dignidade ser negociada nos bastidores da alta política como se de uma mercadoria se tratasse.
Uma maioria eleita com mentiras, dissimulações; um Governo que liquida a confiança dos portugueses nas instituições e usa o poder político para satisfazer o poder económico, à margem da lei, à margem da Constituição. Um atentado sem precedentes às conquistas da revolução e um programa de profunda reconfiguração do Estado estão em marcha, a pretexto de um programa de ocupação financeira que dá pelo nome de Memorando de Entendimento.
Enquanto os portugueses perdem centenas de euros nos seus salários e pensões; enquanto os portugueses empobrecem a um ritmo alucinante e os grupos económicos se apropriam das riquezas nacionais construídas com o esforço de todos os que aqui trabalham; enquanto se destrói emprego e prolifera a precariedade; enquanto os portugueses saem do País a um ritmo incomportável; enquanto os estudantes desistem do ensino superior; enquanto os portugueses esperam por saúde; enquanto o Governo desvia o seu dinheiro para o negócio privado da doença; enquanto os micro, pequenos e médios empresários continuam sem acesso ao crédito e são forçados a fechar a sua atividade também por falta de poder de compra dos clientes; enquanto a cultura é destruída e substituída por alienação; enquanto a ciência definha e os investigadores precários contratados através de bolsas são privados de dar ao seu País o contributo que aqui aprenderam a poder dar; enquanto aumentam os custos de eletricidade, do gás e dos combustíveis; enquanto os idosos são confrontados com a pobreza e as crianças conhecem a fome, o Governo PSD/CDS fala do milagre económico, como se fosse milagre asfixiar uma pessoa e anunciar com satisfação que se está a poupar no oxigénio.
O País está mais pobre, mais dependente, menos democrático; o PIB cai consistentemente desde 2010; a capacidade produtiva continua subaproveitada; o investimento, o consumo interno e a produção industrial continuam em perda. Até o défice da balança comercial, esse eixo da propaganda do Governo, tem demonstrado que afinal de contas as alterações não eram, afinal de contas, estruturais, mas apenas o resultado da brutal quebra no consumo interno e da exportação daquilo que deixámos de poder consumir no País.
De 2011 a 2013, o Governo destruiu ativamente mais de 300 000 postos de trabalho, substituiu trabalho estável por trabalho precário, mal pago e com horários de poucas horas semanais. A isso acresce o êxodo forçado a que milhares de portugueses, principalmente os mais qualificados, estão sujeitos.
Ao mesmo tempo, enquanto as remunerações do trabalho, incluindo a segurança social, perdem 6,4%, desde 2010 até agora, os lucros da exploração ganham 5,3%, mas esses pagam apenas um quarto dos impostos diretos, enquanto os trabalhadores suportam três vezes mais.
Estes são os resultados da política de direita. Uma política de direita que não começou com PSD e com o CDS, nem tampouco com a troica, mas que se torna mais agressiva, mais desumana e mais hostil perante os portugueses.
Estes são os resultados de uma política que, em vez de concretizar Abril, quer recuperar os privilégios dos monopólios, reconstruí-los e reforçá-los, uma política de reconstituição do passado.
Querem forçar-nos a acreditar que estamos mais perto do fim do sufoco, que existe uma saída «limpa» do Memorando de Entendimento, que é possível regressar aos mercados como quem entra na terra prometida. O que nos dizem é que, se fizermos mais um esforço, podemos ser um bom exemplo, que se nos deixarmos assaltar sem protesto, seremos um exemplo de sucesso. E perguntamos, Srs. Deputados: um exemplo de quê? De povo roubado e exaurido? De País destroçado?
Digam, Srs. Deputados, aqui e agora, se os portugueses vão reaver os seus direitos, os seus salários, as suas pensões, após maio de 2014! Assumam, Srs. Deputados, que essa é uma mentira que difundem, que essa é uma ilusão que alimentam apenas para prosseguirem o mesmo rumo, o mesmo esbulho, apenas para continuarem a sangrar 21 milhões de euros por dia para pagar os juros da dívida que os vossos Governos e os bancos contraíram.
A maioria parlamentar — com o silêncio cúmplice do Partido Socialista —, o Governo, o Presidente da República podem querer sequestrar a democracia, mas os portugueses já mostraram, por mais do que uma vez, que não há dique que represe a força de um povo.
A demissão do Governo e as eleições são uma urgência patriótica para salvar o regime democrático e essa urgência nem o fascismo pela força conseguiu calar.
Dia 1 de fevereiro não será um dia qualquer, será um dia de lutar pelo futuro; será um dia a juntar à luta que coloca este Governo cada vez mais próximo do seu fim, porque cada dia de luta, cada greve, cada manifestação nos aproxima da vitória de que o País precisa: a vitória que será alcançada com a derrota do Governo, da política de direita, com a rejeição do pacto de agressão e com a construção de uma política patriótica e de esquerda que honre os compromissos do Estado com os trabalhadores e o povo.
O Partido Comunista Português esteve, está e estará na linha da frente desse combate travado por um povo que foi e será, uma vez mais, vitorioso.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Mariana Aiveca,
De facto, este é um Governo que diariamente rouba, tira a esperança aos portugueses. Mas os portugueses têm comprovado que resistem a esse roubo com grande intensidade, participando cada vez mais nas ações de luta que são promovidas pelas diversas forças, nomeadamente pela central sindical de classe mas também por outras forças que se têm vindo cada vez mais a aproximar da necessidade de rutura com esta política de direita que vem destruindo o País.
E, Sr.ª Deputada, fazendo uma referência à liquidação da esperança que este Governo pretende, permita-me que introduza também a desmistificação da ideia, que este Governo pretende vender, de que, após a saída da troica, tudo começará, um novo dia nascerá para os portugueses. Porém, nenhum Deputado do PSD ou do CDS se inscreveu para responder à pergunta que o PCP colocou da tribuna sobre o que sucederá, a partir de 18 de maio de 2014. Vão devolver salários? Vão devolver feriados? Vão devolver direitos? Vão devolver horários? Vão retroceder com estas malfeitorias e com o esbulho que tem sido lançado sobre os portugueses?
Nenhum Deputado desses partidos se inscreveu para responder, porque sabem, tão bem quanto nós, Sr.ª Deputada Mariana Aiveca, que a data que marca a recuperação do nosso País, dos nossos direitos, não é o 18 de maio de 2014, data em que se entrará num novo regime de endividamento, com recurso aos mercados sem chancela da troica, como se a continuação do endividamento nos mercados fosse a resposta para o nosso País. A data que vai marcar o início da recuperação dos nossos direitos e do nosso País é, precisamente, a data em que forem derrotadas as políticas de direita e este Governo, bem como as orientações contidas no pacto de agressão que foi assinado pelo PS, PSD e CDS e lançado como uma autêntica agressão sobre o povo português.
Sr.ª Deputada Mariana Aiveca, sobre as questões do salário mínimo nacional, salários e horários, este Governo aposta é em mais horários, menos salários, mais desemprego.
A solução consiste, precisamente, no combate a essa política. Por isso mesmo, por várias vezes, o PCP também já trouxe esse debate à Assembleia da República.
Quanto à última questão que me coloca, Sr.ª Deputada Mariana Aiveca, respondo que o caminho é, de facto, a luta, o protesto, a contestação, a indignação, mais que não fosse porque não existe nenhum outro.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Nuno Sá,
Relembro que, mesmo durante a declaração política do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, referi que esta maioria conseguiu a dimensão que tem, precisamente, com base nas mentiras. E referi-me também a essas mentiras, nomeadamente em torno de ser desnecessário aumentar impostos, de ser um disparate cortar subsídios, de não ser necessário despedir funcionários públicos para, depois, assim que obtiveram o poder, poderem praticar não só isto como ainda mais.
Sr. Deputado, permita-me que lhe diga que a forma como caraterizo a ausência do PSD e do CDS neste debate não é a de timidez parlamentar, mas de cobardia política e uma tentativa de fuga às suas responsabilidades.
E não é curioso, é, aliás, natural que não queiram assumir que existem estes dados, além daqueles com que, sistematicamente, nos bombardeiam para branquear a situação em que o País está mergulhado.
O Sr. Deputado coloca a questão — inclusivamente, também valorizei-a na minha intervenção — da substituição de emprego estável, de emprego de mais de 10 horas e até 30 e 40 horas semanais, por emprego de 1 a 10 horas semanais. Quando vamos verificar os dados do Instituto Nacional de Estatística, constatamos, precisamente, que há uma destruição líquida de emprego, de 2011 a esta parte, que é tremenda, que é já de mais de 300 000 postos de trabalho, no total, e que há, no último ano, um aumento do emprego apenas numa parcela, que é nos trabalhos de 1 a 10 horas semanais.
Portanto, são destruídos, do ponto de vista líquido, mais de 300 000 postos de trabalho e onde existe uma criação que não colmata a destruição é mesmo assim: trabalho precário, mal pago, à peça, à hora. É esta a política deste Governo!
Sr. Deputado Nuno Sá, uma palavra final para o Partido Socialista: não é possível estar com a troica e estar com o interesse nacional. É uma incompatibilidade política e uma contradição nos termos. Os Srs. Deputados do Partido Socialista ou tiram do Memorando o nome do partido ou dizem que estão a defender uma outra política.
É que permanecerem nesse limbo e quererem estar de bem com Deus e com o Diabo não é a solução de que o País precisa.
A data do resgate da nossa democracia, do resgate da nossa soberania, não é o 18 de maio. A data desse resgate será quando derrotarmos as políticas de direita, quando derrotarmos este Governo, o pacto de agressão e as políticas que ele contém.
E é preciso saber se, para essa derrota, o Partido Socialista está ou não empenhado.

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