Pergunta ao Governo

Degradação da qualidade da resposta em creche

No dia 5 de julho foi publicada a Portaria n.º 190-A/2023, que procedeu à segunda alteração à Portaria n.º 262/2011, de 31 de agosto, que estabelece as normas reguladoras das condições de instalação e funcionamento das creches. Para o efeito o Governo ouviu, a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade, a União das Misericórdias Portuguesas, a União das Mutualidades Portuguesas, a Confederação Cooperativa Portuguesa, CCRL, e a Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular. Contudo, não ouviu os principais interessados, nomeadamente, entidades ligadas aos direitos das crianças, os sindicatos, os trabalhadores da educação e do sector da educação.

A Portaria publicada aumenta o número de vagas em sala, mais duas crianças por grupo, sem acautelar as necessidades de aumento dos rácios de trabalhadores para este efeito. Prevê a abertura das creches em períodos noturnos e fins de semana. Possibilita a instalação de creches em construções modulares (contentores). Dispensa do cumprimento de um conjunto de requisitos a instalação de creches em universidades, estabelecimentos hospitalares, empresas e entidades públicas. Procede à reconversão de espaços, aumentando assim a capacidade, dispensando novamente não só o licenciamento, mas também requisitos como o dos rácios relativos às instalações sanitárias, ou desde que a resposta possa se acoplar ou esteja acoplada a outras respostas que possuam áreas funcionais idênticas, áreas de acolhimento e receção, de direção e serviços técnicos e administrativos, sala de refeições, instalações sanitárias com lavatórios e sanitas de tamanho infantil, recreio, área de pessoal, área de serviços, tal como cozinha, lavandaria e serviço de apoios.

A publicação desta portaria demonstrou, mais uma vez, a opção do Governo em não garantir a qualidade, fundamentada no supremo interesse na criança. A decisão do Governo foi aumentar o número de vagas sem qualquer critério pedagógico e permitindo a diminuição da qualidade da oferta. A opção do Governo vai no sentido da manutenção da sua desresponsabilização, deixando para universidades, estabelecimentos hospitalares, empresas e entidades públicas, a responsabilidade de construírem a sua própria oferta, com ou sem qualidade.

Demonstrou também a falta de vontade política do Governo PS em alterar as condições de trabalho, retribuição e repouso a que o trabalhador tem direito, com o aumento dos salários, a regulação e redução dos horários de trabalho. Essas sim, permitiriam a verdadeira conciliação entre trabalho, vida pessoal e familiar. O caminho seguido pelo Governo PS nesta portaria não é este, mas sim o da manutenção dos interesses do patronato, em prejuízo dos interesses dos trabalhadores, das famílias e das crianças.

Esta decisão do Governo vai em sentido contrário ao do conhecimento científico sobre os primeiros anos de vida das crianças. O que corresponde ao superior interesse das crianças são creches de grande qualidade, com menos crianças por sala e mais profissionais disponíveis, durante menos horas, garantindo que os pais têm os seus direitos como trabalhadores salvaguardados, nomeadamente com a redução do horário de trabalho e o combate ao abuso do trabalho noturno, por turnos e ao fim de semana. Esta portaria vai no sentido oposto: voltar ao tempo em que os bebés viviam ao ritmo dos horários desregulados dos pais, transformando as creches em depósitos de bebés. 

O PCP considera que esta opção é errada, não tem em conta as necessidades das crianças, nem o papel e importância da resposta de creche no seu desenvolvimento e crescimento. O PCP considera que reduzir a qualidade da resposta, enquanto não se cria uma resposta pública, irá prejudicar as crianças e as suas famílias. Para o PCP a valência de creche não é apenas um direito dos pais e das famílias, mas também um direito da criança. Deste modo, considera que os direitos das crianças, pais e famílias, só serão garantidos com a criação de uma rede pública de creches, de qualidade e universal.

Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais devidamente aplicáveis, solicita-se a V.ª Ex.ª que possa remeter ao Governo, por intermédio da Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, as seguintes questões:
1 – Em que estudos e fundamentação científica se baseou para tomar esta decisão?
2 - Considera o Governo que a Portaria n.º 190-A/2023, de 5 de julho, garante a qualidade de resposta de creche, tendo em conta o supremo interesse da criança?
3 – Considerando os impactos negativos que esta decisão, está o Governo disponível para reponderar e revogar a presente Portaria, e adotar as soluções que garantam qualidade na resposta em creche bem como o reforço dos direitos dos trabalhadores, nomeadamente a redução e a eliminação dos mecanismos de desregulação do horário de trabalho e a limitação do trabalho noturno e por turnos, para permitir uma verdadeira conciliação entre a vida profissional e pessoal?
4 – Que medidas pretende tomar para alargar o número de vagas em creche, mantendo critérios de qualidade?
5 - Quando irá o Governo iniciar a criação de uma rede pública de creches?

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