Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

Define meios de prevenção e combate ao furto e recetação de metais não preciosos, mas com valor comercial, e prevê mecanismos adicionais e de reforço no âmbito da fiscalização pelas forças e serviços de segurança da atividade de gestão de resíduos

(proposta de lei n.º 72/XII/1.ª)

Sr.ª Presidente,
Sr. Secretário de Estado,
Queria colocar-lhe duas perguntas muito sintéticas.
Em primeiro lugar, perguntava-lhe como é que o Sr. Secretário de Estado e o Governo entendem que o regime previsto no artigo 6.º para o acesso às instalações por parte das forças de segurança é compatível com as disposições do nosso Código de Processo Penal relativamente às revistas e às buscas.
A segunda questão está relacionada com o artigo 7.º e com a aplicação da pena acessória. Gostava que o Sr. Secretário de Estado nos pudesse esclarecer sobre quem aplica esta pena, em que momento do processo e em relação a que crimes é que esta pena acessória pode ser aplicada.
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:
Começo pro dizer que o crime que agora discutimos é, de facto, um crime que deve suscitar preocupação, não só porque envolve, muitas vezes, a atuação de redes criminosas e porque teve, nos últimos anos, particularmente, um acréscimo muito significativo que deve preocupar o Estado português, mas também porque é pela prática deste tipo de crime que, muitas vezes, as populações se veem impedidas de acederem a bens e serviços essenciais, como a eletricidade, o fornecimento de água, comunicações. E, em todas essas situações, é pelo furto de metais não preciosos que as populações acabam por ficar impedidas do fornecimento desses bens essenciais.
Portanto, Srs. Membros do Governo, quero deixar aqui bem claro que, por parte do PCP, acompanhamos a preocupação e a necessidade de tomar medidas para se combater este tipo de ilícitos criminais e, em sede de especialidade, apresentaremos propostas concretas de alteração à proposta de lei nesse sentido.
Mas, Sr. Ministro, aquando da discussão em Comissão, houve uma expressão utilizada pelo Sr. Deputado Hugo Velosa que eu julgo que enquadra bem a discussão que estamos a fazer.
O Sr. Deputado Hugo Velosa falou da necessidade da salvação da proposta de lei. Sr. Ministro, olhando para o conteúdo das normas que estão aqui propostas, diria que nem com uma extrema-unção conseguiremos salvar o conteúdo concreto destas normas! E não é só o Grupo Parlamentar do PCP que o diz, são os pareceres da Procuradoria-Geral da República, da Ordem dos Advogados, da Comissão Nacional de Proteção de Dados que apontam não só inconstitucionalidades mas também ilegalidades, nomeadamente o não cumprimento de disposições legais da Lei da Proteção de Dados.
É que, Sr. Ministro, há necessidade de compatibilizar o combate ao crime com aquilo que são regras processuais penais e com aquela que é a aplicação do Código Penal e a punição dos crimes.
Dou-lhe um exemplo muito concreto em relação à pergunta que fiz ao Sr. Secretário de Estado, que tem a ver com o artigo 7.º, com a aplicação da pena acessória de proibição do exercício da profissão. Diz o artigo: «Todo aquele, pessoa singular ou coletiva, definitivamente condenado a pena de prisão ou equivalente, (…)». Isto significa o quê? Significa que tem de haver um processo judicial com trânsito em julgado de uma condenação. Mas, se é assim, quem é que vai aplicar a pena acessória? Já não é o tribunal que fez a condenação, porque, em relação a esse, o processo extinguiu-se.
Sr. Ministro, há necessidade de corrigir, e de corrigir profundamente, as normas da proposta de lei, porque tal qual elas estão não se conformam nem com os comandos constitucionais, nem com as normas penais e processuais penais, nem sequer com a Lei da Proteção de Dados. E o parecer da Comissão Nacional de Proteção de Dados é muitíssimo extenso não só na identificação de normas que não são compatíveis com a Lei da Proteção de Dados mas também com a identificação de outras normas que, para serem legalmente concretizadas, exigem uma intervenção da Comissão Nacional de Proteção de Dados.
Para concluir, Sr.ª Presidente, quero apenas dizer o seguinte: o Sr. Secretário de Estado, em relação à norma do artigo 6.º e ao acesso às instalações, fala de flagrante delito, mas não é isso que está escrito na norma. Na norma do artigo 6.º, não há uma referência ao flagrante delito, porque, se houvesse flagrante delito, a situação era completamente distinta. E, para essas situações de flagrante delito, o Código de Processo Penal é suficiente. O problema é que não é de flagrante delito que se trata aqui.
Voltando às alterações ao Código Penal, temos, neste momento, entregue na Assembleia da República, uma proposta de lei de alteração ao Código Penal que já prevê a agravação das penas, quando o furto signifique a interrupção do fornecimento de bens e serviços essenciais. E também por uma questão sistemática, até porque, em matéria penal, é melhor que haja uma codificação das normas e que elas não sejam dispersas por vários diplomas legislativos, era preferível que estas normas pudessem ser encaixadas nos seus devidos sítios, quer em termos de processo penal, quer no Código Penal.

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