Projecto de Resolução N.º 508/XII-1ª

Defesa dos interesses nacionais no Quadro Financeiro Plurianual para 2014-2020

Defesa dos interesses nacionais no Quadro Financeiro Plurianual para 2014-2020

A União Europeia é hoje cada vez mais marcada pelo acelerado aprofundamento do rumo neoliberal da sua política económica e social, designadamente através da União Económica e Monetária, com pesadas consequências para os trabalhadores e os povos. Acentuam-se as desigualdades entre as economias dos países da UE, degradam-se as condições de vida dos povos, comprovando-se que a redução dos custos unitários do trabalho está no centro dos objetivos desta política.

A UEM é um instrumento fundamental para permitir uma maior liberalização dos movimentos de capitais e, consequentemente, o aumento da exploração da mão-de-obra e o domínio de mercados dentro do espaço europeu. Assim se destroem os sistemas produtivos nacionais e se acentua a desindustrialização nos países da periferia, com o aumento dos desequilíbrios macroeconómicos entre os diferentes países da zona euro. A política do euro forte é uma das causas fundamentais dos profundos problemas económicos que atravessam os países com economias mais débeis, do endividamento dos seus Estados da sua crescente dependência e a razão da sua sujeição aos ataques especulativos.

Os fundos comunitários e os respetivos quadros comunitários de apoio, foram sempre apresentados como uma compensação pelas desvantagens introduzidas pela integração europeia para contrariar os efeitos gerados por um “mercado interno” e por uma moeda única fortemente desequilibrados e um instrumento para a redução das desigualdades entre os Estados Membros.
No início da década de 90, a Comissão Europeia realizou diversos estudos que apontavam valores mínimos do orçamento comunitário para se poder assegurar o objetivo da coesão. Esses estudos diziam ser necessário um orçamento de pelo menos 2% do PIB da UE.
Nessa altura o Presidente da Comissão Europeia apontava como objetivo de curto prazo (até final daquela década) a obtenção de um orçamento da União Europeia, (nessa altura ainda a quinze), construído na base de 1,2% do PIB comunitário.
Praticamente 20 anos decorridos, depois do maior alargamento da história da UE - que aumentou significativamente as discrepâncias entre países no que toca ao desenvolvimento e à situação da economia, o orçamento situa-se em metade deste valor, mais de 20% abaixo do objetivo de curto prazo para o final, dos anos noventa e mesmo assim estamos perante a perspetiva de uma nova diminuição.
A aprovação do quadro financeiro comunitário para o período de 2007 a 2013, que assumiu os objetivos inscritos na dita «constituição europeia» e na «Estratégia de Lisboa» como prioridades para um orçamento comunitário cada vez mais baixo, comprovou o caráter de mera propaganda dos discursos da “coesão económica e social “ e da “ solidariedade”, como fica demonstrado pela perda de cerca de 15% do financiamento comunitário para Portugal, relativamente ao III QCA.
A proposta de Quadro Financeiro Plurianual 2014-2020, agora em discussão, representa uma nova diminuição, em termos relativos, face ao atual quadro. Com estas perspetivas financeiras, não haverá coesão económica e social mas sim mais divergência.
Relativamente às pescas e assuntos marítimos, a proposta prevê uma dotação global de 6 mil 685 milhões de euros, o que representa uma média anual de 955 milhões de euros para o período de vigência do QFP 2014-2020, valor inferior ao previsto para 2013. Os valores previstos para cada um dos anos de vigência do QFP 2014-2020 são sempre inferiores aos já insuficientes valores previstos para 2013 no atual Quadro Financeiro.
Relativamente à Política Agrícola Comum, prepara-se igualmente um corte de 100 milhões de euros nos apoios disponibilizados ao nosso país, com desastrosas consequências num setor fortemente flagelado pelas orientações da União Europeia e pelas decisões nacionais de vários Governos.
Simultaneamente está em jogo um drástico agravamento dos níveis de comparticipação nacional exigidos, o que no caso de Portugal pode significar a passagem dos atuais 85% a 90% de participação dos fundos comunitários em projetos cofinanciados para valores da ordem dos 60% a 70%, o que significaria um reforço incomportável da participação nacional comprometedora da capacidade de absorção do orçamento comunitário disponível e a sua eventual transferência em favor dos países economicamente mais ricos.
E, acresce, esta alteração é duplamente penalizadora para um país sob intervenção financeira externa (da própria Comissão Europeia) que impõe a redução a níveis impensáveis do financiamento público.
Propõe-se também o desvio de verbas da coesão, já de si escassas, para outras finalidades, incluindo direcionadas para apoio a países com níveis de desenvolvimento bem acima da média comunitária.
Em simultâneo, avança crescentemente o condicionamento da utilização dos fundos comunitários, não em função das prioridades e das necessidades de desenvolvimento de cada Estado, mas dos objetivos do grande capital, que se prepara para embolsar mais fundos públicos, ao mesmo tempo que beneficia dos processos de liberalização de mercados de serviços, como acontece na energia e nas comunicações.

Os fundos comunitários são também sistematicamente usados como arma de pressão para aceitação de programas de agressão, de novas e desvantajosas condições económicas para os países menos desenvolvidos, como é o caso da liberalização de mercados de bens e serviços essenciais, e de novas transferências de soberania.

Pela parte dos sucessivos governos nacionais, sistematicamente surgem na fase inicial dos processos de negociação, enfáticas declarações sobre o caráter inaceitável das propostas apresentadas. Na realidade os resultados são sempre negativos, contentando-se os sucessivos governos com pequenas limitações na diminuição dos cortes, que procuram aliás apresentar como grandes vitórias no plano nacional. O mesmo se está a passar neste processo em que, ao mesmo tempo que protesta contra as propostas apresentadas, o Governo PSD/CDS se prepara já para aceitar um novo e significativo corte no quadro de financiamento plurianual para 2014/2020.

Assim, a Assembleia da República, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, recomenda ao Governo que, no próximo Conselho Europeu, na negociação do quadro de financiamento plurianual 2014/2020:

- Não aceite novas reduções no orçamento comunitário e exija o seu reforço, com base numa justa e proporcional contribuição de cada Estado a partir do seu Rendimento Nacional Bruto (RNB), que dê prioridade à promoção da convergência real, fundada no progresso social, no investimento público, no reforço dos serviços públicos, no emprego com direitos, no desenvolvimento das potencialidades de cada país, na utilização sustentada dos recursos naturais e na proteção do ambiente, tendo como objetivo central a concretização de uma verdadeira coesão económica e social;

- Rejeite o estabelecimento de condicionamentos à aplicação dos fundos comunitários que favoreçam os interesses dos grandes grupos económicos europeus, em detrimento das prioridades de desenvolvimento nacionais;

- Rejeite o previsto aumento generalizado dos níveis de comparticipação nacional no cofinanciamento de projetos de desenvolvimento;

- Pugne pelo aumento, gestão democrática e descentralizada e o acesso atempado e desburocratizado dos fundos comunitários para Portugal que possa contribuir para o reforço e modernização do sistema produtivo nacional - nomeadamente do sector empresarial do Estado e das micro, pequenas e médias empresas -, a criação de emprego, a educação, a formação e a investigação públicas, o reforço dos serviços públicos e a criação das infraestruturas necessárias ao desenvolvimento do País assegurando o desenvolvimento equilibrado de todo o território nacional, corrigindo as assimetrias regionais
- Garanta o apoio, de forma significativa e sem condicionantes externas, à atividade industrial no País, visando o seu crescimento e modernização, ao sector comercial, particularmente o comércio tradicional, de forma a permitir a respetiva modernização, bem como do sector cooperativo, em toda a sua diversidade;

- Se bata pela defesa de um financiamento no âmbito da Política Agrícola Comum e da Política Comum de Pescas de acordo com as necessidades de apoio à produção nacional;

- Garanta o apoio adequado e reforçado às regiões ultraperiféricas, designadamente os Açores e a Madeira.

Assembleia da República, em 21 de Novembro de 2012

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